ARTIGO IBEF

Preços de medicamentos milionários: ética e controvérsia

A opacidade na definição dos preços dos medicamentos de alto custo é uma questão crítica que afeta significativamente as políticas de saúde pública

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Foto: frimufilms/Freepik
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, Jurídico Interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, Diretor de Relacionamentos do IBEF Academy e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.

A ética, em sua essência, é um campo vasto e multifacetado que permeia todos os aspectos de nossas vidas, desde as decisões individuais até as políticas públicas. 

Em sua busca por compreender o que é certo e errado, a ética se torna especialmente relevante quando confrontada com questões complexas e controversas, como o impagável preço de um medicamento capaz de salvar uma vida humana.

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O debate em torno da ética de cobrar US$ 2.1 milhões por dose do Zolgensma, US$ 2.8 milhões por dose do Zynteglo, ou US$ 3.5 milhões por dose do Hemgenix, lança luz sobre os valores fundamentais de nossa sociedade e os dilemas éticos enfrentados pelas empresas farmacêuticas.

O Zolgensma é usado no tratamento de atrofia muscular espinhal (AME), o Zynteglo na terapia genética para beta-talassemia, e o Hemgenix na terapia genética para hemofilia B.

Na luta humana pela sobrevivência, vaquinhas, campanhas e apelos virtuais surgem a todo momento na busca contra os ponteiros do relógio por recursos econômicos que permitam um último suspiro de esperança pela vida de um ente querido acometido por alguma dessas doenças.

Por essa razão, há quem condene os valores praticados, tornando-se imperativo reconhecer seus argumentos, uma vez que a análise perpassa a ótica de desumanidade da conduta. 

Para essas pessoas, a inacessibilidade financeira é uma preocupação legítima, já que o alto custo pode privar os mais vulneráveis do acesso a tratamentos vitais. 

Essa prática também levanta questões sobre a exploração da necessidade, na qual o desespero dos pacientes e de suas famílias é aproveitado para obter lucro.

Além disso, a falta de transparência na justificação do preço e o impacto nas políticas de saúde pública são aspectos que não podem ser ignorados. 

A opacidade na definição dos preços dos medicamentos de alto custo é uma questão crítica que afeta significativamente as políticas de saúde pública. 

Essa falta de clareza impede a avaliação adequada da justificativa dos custos, dificultando a implementação de políticas de controle e negociação de preços mais justos. 

Como resultado, os sistemas de saúde enfrentam desafios na alocação eficiente de recursos, frequentemente obrigados a racionar tratamentos ou comprometer a sustentabilidade financeira para atender às necessidades de saúde da população.

Do mesmo modo, há o argumento da falta de equidade no acesso aos tratamentos de saúde, um tema frequentemente abordado por autores como Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. 

Em sua obra "Desenvolvimento como Liberdade," Sen argumenta que a justiça social requer não apenas a garantia de direitos formais, mas também a promoção de condições que permitam que todos os indivíduos possam efetivamente exercer esses direitos. 

Assim, a precificação elevada de medicamentos pode agravar ainda mais as desigualdades existentes no acesso aos cuidados de saúde, negando a alguns a oportunidade de viver uma vida saudável e plena.

Por outro lado, as empresas farmacêuticas rechaçam veementemente qualquer argumento imoral em suas precificações. 

Elas justificam os preços elevados demonstrando que eles refletem os custos significativos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. 

Primeiramente, deve-se considerar que os medicamentos mais caros do mundo geralmente são tratamentos inovadores e de alta complexidade, muitas vezes voltados para doenças raras. 

Logo, surgem várias barreiras de acesso, tais como: desenvolvimento e pesquisa; mercado pequeno; processo de produção complexo; e, claro, benefícios elevados.

Os custos de desenvolvimento de medicamentos inovadores, especialmente terapias gênicas, são extremamente altos. Envolve anos de pesquisa, testes clínicos rigorosos e tecnologias avançadas. 

A produção desses medicamentos, então, envolve processos complexos e personalizados, como a modificação genética de células do próprio paciente. 

Além disso, muitos desses medicamentos tratam doenças raras, resultando em um mercado limitado. Como consequência, o custo precisa compensar o baixo volume de vendas.

Por fim, esses medicamentos oferecem soluções potencialmente curativas ou significativas para condições que anteriormente não tinham tratamentos eficazes, justificando preços elevados para cobrir o valor terapêutico. 

Autores como Michael Sandel, em sua obra "Justiça: O que é fazer a coisa certa" ressalta a importância de se reconhecer o direito ao lucro como um aspecto essencial da economia de mercado. 

Sem incentivos financeiros adequados, empresas farmacêuticas podem ser desencorajadas a investir em pesquisas inovadoras para tratar condições médicas raras e negligenciadas.

Ademais, a precificação de medicamentos a preços elevados pode incentivar a concorrência e, consequentemente, a inovação no setor farmacêutico. 

Quando há uma perspectiva real de retorno financeiro, outras empresas podem ser incentivadas a desenvolver tratamentos alternativos, aumentando, assim, as opções disponíveis para os pacientes.

Portanto, diante desses argumentos, surge a questão central: é ético cobrar milhões por um remédio?

A ética, definida como o estudo dos princípios que governam a conduta humana, é essencial na análise da cobrança de preços elevados por medicamentos. 

Por um lado, é legítimo considerar a justiça social e a equidade no acesso à saúde, juntamente com o impacto econômico nas famílias e sistemas de saúde pública. 

Contudo, por outro lado, é crucial defender a liberdade das empresas farmacêuticas para estabelecer seus preços. Essa liberdade é vital para manter a inovação e o progresso na medicina, assegurando que os tratamentos de ponta continuem a ser desenvolvidos.

A liberdade de preços permite que essas empresas reinvistam em novos desenvolvimentos, promovendo avanços médicos contínuos e beneficiando a saúde pública a longo prazo. 

Assim, o estabelecimento de preços pelos quais as empresas farmacêuticas considerem justos e rentáveis pode ser considerado ético dentro do contexto econômico e social em que operam.

*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.