ARTIGO IBEF

"Taxa das blusinhas": entenda a polêmica e os impactos econômicos

A medida pode ser vista como um passo necessário para garantir uma competição justa e aumentar a arrecadação fiscal. Por outro lado, representa retrocesso

IBEF-ES

Foto: Freepik
*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, diretor de Relacionamentos do IBEF Academy e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.

O Congresso Nacional do Brasil aprovou a chamada "taxa das blusinhas", uma medida que institui uma taxação de 20% sobre compras internacionais realizadas pela internet com valores até US$ 50.

Essa lei, além de ter gerado uma enxurrada de reações tanto positivas quanto negativas de setores comerciais diretamente afetados, esconde elementos como a intervenção protecionista do Estado brasileiro aliado ao seu real interesse: aumentar a arrecadação federal e compensar o déficit do equilíbrio fiscal.

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A denominada "taxação das blusinhas" integra o Projeto de Lei (PL) 914/24, que inicialmente se tratava do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover).

Este programa tinha como objetivo fomentar o desenvolvimento de tecnologias para a produção de veículos menos poluentes, mas a taxação dos importados foi incluída pelos deputados, mesmo não sendo parte do tema principal da proposta, prática conhecida no Legislativo como "jabuti".

O termo "blusinhas" é empregado para se referir ao imposto devido à popularidade dessas plataformas na venda de roupas. No entanto, esses sites comercializam muito mais do que blusas. 

Eles oferecem uma ampla variedade de produtos, incluindo itens para casa, higiene, utensílios, acessórios, tecnologias e muito mais, geralmente à preços reduzidos.

A inclusão da taxação foi proposta pelo deputado Átila Lira (PP-PI), relator do projeto, após acatar a pressão de empresários da indústria e do varejo nacional para tornar os produtos vendidos no Brasil mais competitivos em relação aos comercializados em marketplaces internacionais como Alibaba, Shein e AliExpress.

Com a aprovação, os produtos de até US$50, valor que inclui frete e eventual seguro, serão taxados em 20% de Imposto de Importação e 17% de ICMS. Com isso, a carga tributária deve ser de 37%. 

Já os produtos entre US$ 50 e US$ 3 mil continuarão a ser taxados em 60% de Imposto de Importação e 17% de ICMS, totalizando uma carga tributária de 92%.

Apoiadores da medida argumentam que a "taxa das blusinhas" é necessária para criar uma competição mais justa entre os produtos vendidos por empresas nacionais e aqueles adquiridos em plataformas internacionais.

Esses defensores afirmam que a isenção anterior criava uma concorrência desleal, prejudicando os comerciantes locais que já enfrentam uma carga tributária elevada e precisam lidar com uma série de obrigações fiscais e regulatórias.

Por outro lado, críticos da medida apontam que a nova taxação pode encarecer produtos que antes eram acessíveis, prejudicando principalmente consumidores de baixa renda que dependem de compras internacionais por seus preços mais acessíveis.

O acréscimo de 20% sobre produtos de baixo valor pode desestimular o comércio eletrônico, reduzindo o volume de encomendas do exterior e impactando negativamente as plataformas de e-commerce que vendem para o Brasil.

A "taxa das blusinhas" exemplifica uma tentativa do governo brasileiro de equilibrar a competitividade do mercado interno, contudo, também traz à tona debates sobre os impactos econômicos e sociais de tais medidas.

Se, de um lado, a medida pode ser vista como um passo necessário para garantir uma competição justa e aumentar a arrecadação fiscal, por outro, representa um retrocesso e afronta a liberdade do consumidor de ter acesso aos produtos que mais lhe interessam por valores baixos, afetando principalmente o público de baixa renda.

De forma resumida, a teoria econômica liberal defende uma intervenção mínima do governo, permitindo que as forças do mercado determinem os preços e a concorrência. 

Nesse ponto, a "taxa das blusinhas" contradiz esses princípios ao impor controle estatal sobre o comércio internacional.

Quando o filtro de análise crítica é o mercado, é possível constatar três efeitos da medida: aumento dos preços, distorção econômica e efeitos de curto vs. longo prazo. Isso é dito pois, em primeiro lugar, os consumidores que dependem de produtos internacionais acessíveis podem enfrentar custos mais altos, reduzindo seu poder de compra e acesso a uma gama mais ampla de produtos.

No mesmo sentido, a medida protecionista pode distorcer a eficiência do mercado, levando a preços mais altos e, possivelmente, a bens de menor qualidade para os consumidores.

Por fim, enquanto o efeito imediato pode ser benéfico para os negócios locais, a dependência prolongada do protecionismo pode sufocar a inovação e a eficiência nas indústrias domésticas, tornando-as menos competitivas globalmente.

Historicamente, o protecionismo tem sido utilizado durante crises econômicas ou para proteger indústrias nascentes. No entanto, políticas protecionistas prolongadas podem levar à estagnação econômica e à redução da competitividade.

Milton Friedman, um dos principais defensores do livre comércio, argumentava que "a proteção ao consumidor contra o governo é mais urgente do que a proteção ao consumidor pelo governo". Para Friedman, as tarifas protecionistas elevam os preços para os consumidores e desperdiçam recursos, beneficiando apenas os produtores às custas da sociedade como um todo.

As barreiras comerciais resultam em preços mais altos, menor qualidade e variedade de produtos, alocação ineficiente de recursos, redução do crescimento econômico, estagnação da inovação e deterioração das relações internacionais.

Em vez de promover a prosperidade, o protecionismo tende a proteger indústrias ineficientes às custas dos consumidores e do desenvolvimento econômico global.

Não só esse ponto tem sido deixado de lado na discussão do tema. Outro ponto diz respeito ao incessante interesse do governo em aumentar sua arrecadação. Como dito, apesar da referência às "blusinhas", o mercado é extremamente abrangente.

O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, recentemente afirmou que o Fisco saiu de um cenário de descontrole sobre as remessas internacionais para "100% de controle" a partir da implementação do programa Remessa Conforme. Segundo a Receita Federal, os brasileiros gastaram R$ 642 bilhões em compras em e-commerces estrangeiros só em 2023.

Logo, muito além de uma preocupação com o comércio local, a medida é vista como uma forma eficiente de aumentar a arrecadação tributária sem criar novos impostos.

Estima-se que a arrecadação possa chegar a R$ 292 bilhões ainda em 2024, o que ajudaria a equilibrar as contas públicas e a financiar políticas essenciais.

A taxação de produtos de baixo valor, argumentam, é uma forma de capturar uma fatia significativa do comércio eletrônico que antes escapava do radar da Receita Federal, contribuindo, assim, para a sustentabilidade fiscal do país.

Diante de tudo isso, o que se conclui é que a "taxa das blusinhas" é um exemplo contemporâneo de protecionismo estatal destinado a proteger as indústrias locais da entrada de produtos internacionais baratos.

Embora proporcione alívio de curto prazo para os negócios locais, contradiz os princípios econômicos liberais de livre mercado e intervenção mínima do estado. Ademais, camufla a real intenção do governo, que é o mesmo de sempre: mais controle e arrecadação.

*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.