[…] “o país carece de mecanismos para avaliar como o dinheiro público está sendo gasto, e assume a necessidade de se criar métricas para verificar o que foi gasto e se os objetivos foram alcançados. Já existem mecanismos para essa avaliação dentro do Ministério da Fazenda e a pasta começa a se preparar para avaliar a qualidade do gasto”.
O interesse arrecadatório e a despreocupação com a qualidade dos gastos públicos
O trecho acima foi retirado do discurso feito pelo então Ministro da Economia Joaquim Levy em maio de 2015, em evento de comemoração dos 15 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). 6 anos após essa fala, ainda hoje não tivemos muitos avanços na formulação de métricas para avaliar a qualidade do gasto público. Em verdade, a LRF – que já entra no seu vigésimo primeiro ano de vigência – se limita a mencionar, no inciso II de seu art. 67, a disseminação de práticas que resultem em maior eficiência na alocação e na execução do gasto público, bem como na transparência da gestão fiscal. Ou seja: um dispositivo abstrato e mais bem-intencionado do que exequível, como muitos outros na legislação brasileira.
Apesar do alarde das revoluções tecnológicas e das inovações na gestão pública, até hoje não se concebeu método algum, com segurança adequada ou com pouca margem de discrepância, para demonstrar a evidência de retorno em melhorias sociais a fim de compensar os tributos pagos pelo contribuinte.
Contudo, observem: para combater a sonegação fiscal e elevar a arrecadação, a Receita Federal do Brasil tem seu famoso T-Rex, um supercomputador montado nos Estados Unidos, que opera juntamente ao software Harpia, desenvolvido por engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da Universidade de Campinas. Ou seja, chegado o momento da declaração do imposto de renda pela população, o Fisco sabe de antemão o que você fez no verão passado, mas mantém-se inerte, aguardando para verificar se sua versão da declaração coincide com a versão já apontada pelo T-Rex arrecadatório. Trocando em miúdos, há muita energia canalizada no recolhimento dos tributos e, em contrapartida, pouquíssimo empenho em um cálculo efetivo do retorno da carga tributária ao contribuinte.
Com o intuito de conscientizar a população, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) criou o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (IRBES), um estudo que compara a carga tributária de cada país com o Produto Interno Bruto (PIB) – isto é, a soma de toda a riqueza produzida – e com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), responsável por aferir o grau de desenvolvimento humano e de qualidade de vida da população. A intenção da pesquisa é aproximar-se de um resultado que permita a comparação entre países de carga tributária similar e a respectiva qualidade de vida de que usufruem os seus cidadãos.
O último estudo, feito em 2019 e incumbido de analisar os 30 países de maior carga tributária no mundo, mostra que o Brasil tem o menor IRBES, ficando atrás de nações como Uruguai (18ª posição) e Argentina (19ª posição). A título demonstrativo, o Brasil possui carga tributária em relação ao PIB de, aproximadamente, 34%, além de deter o menor IRBES dentre os analisados; enquanto os Estados Unidos apresenta 27% de carga tributária em relação ao PIB e figura na quarta colocação do ranking geral (clique aqui para visualizar o estudo completo: https://bityli.com/p00Ve ). Mesmo que o IRBES seja uma medida inicial e simplista de mensuração, ele nos sugere a ineficácia na aplicação dos recursos públicos no contexto brasileiro e o quanto estamos atrasados no que toca ao desenvolvimento socioeconômico. Logo, chega-se à conclusão de que tributação elevada e progresso não se relacionam de forma necessária, muito pelo contrário.
Nenhum cidadão contribui para o estado por cortesia, mas sim por obrigação legal. É evidente que carecemos de métricas efetivas, tecnológicas e acessíveis para saber como e com qual nível de eficiência é aplicado o nosso dinheiro como contribuinte. Mas, será que existe real interesse por parte do poder público em disseminar essa informação? Talvez seja menos complicado do que possamos imaginar.
Por, Josiane Haese, Doutoranda em Contabilidade e Finanças pela UFES, Consultora Tributária e Professora Universitária.