Mais de 3 milhões de pessoas acompanham assuntos da aviação sob o ponto de vista do criador de conteúdo Lito Sousa, 58, que comanda o canal “Aviões e Músicas” no YouTube desde 2015.
O empreendedor, que iniciou sua carreira como mecânico de aeronaves há mais de três décadas, deixou o mundo corporativo da aviação há pouco mais de quatro anos para se dedicar integralmente ao seu negócio.
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O empreendimento começou com produção audiovisual e, hoje, o Lito Group inclui palestras e cursos corporativos, uma escola de formação de mecânicos e um serviço de inspeção para a aviação, que está em fase de homologação.
Lito atribui a sua experiência na aviação um de seus maiores aprendizados na liderança: não procurar culpados para os erros.
O foco é entender a origem do erro no processo. Apenas trocar a pessoa que errou não resolve o problema. Se você tira um CPF e coloca outro, os erros continuarão acontecendo.
Ele também conta sobre o desenvolvimento de seu canal, o crescimento da empresa e os desafios de trabalhar o dia todo com a esposa, Mila Seidl, que é CEO do grupo.
Confira a seguir trechos da entrevista:
Sua carreira foi construída no setor da aviação, em empresas como Varig, Transbrasil e United Airlines. Em que momento surgiu a vontade de migrar para outra área?
Dos 36 anos em que trabalhei na aviação, 27 foram dedicados à área técnica (atuou por vários anos como mecânico de aeronaves). Nos meus últimos anos na United Airlines ocupei cargos de gestão, gerenciava a área técnica, a equipe e a operação dos voos da United para o Brasil.
Então, foi uma transição gradual, saindo da parte estritamente técnica, ‘hands-on’, para uma função mais administrativa. Com o tempo, comecei a gostar dessa parte de gestão.
Quando o gerente da United Airlines saía de férias, eu assumia toda a base da companhia no Brasil. Isso me deu experiência na área de gestão. Mas não fazia ideia da dimensão que isso tomaria após minha saída da aviação para criar minha própria empresa, é um outro patamar.
Veja um dos vídeos do criador de conteúdo:
Como foi a transição de carreira do mundo corporativo para a criação de conteúdo?
A criação de conteúdo ficou em paralelo por muito tempo, de 2015 a 2021. Houve um ponto crucial em que percebi que não era mais possível conciliar as duas coisas. Foi quando meu número de seguidores ultrapassou o da própria empresa onde trabalhava. Nesse momento, pensei: ‘Tem algo muito errado, tenho mais seguidores no YouTube do que a United Airlines.’
Além disso, trabalhar em uma empresa aérea impõe diversas restrições. Alguns conteúdos que gostaria de produzir não eram possíveis. Havia também uma questão financeira: não poderia aceitar publicidade de marcas que gerassem conflito de interesse.
Isso começou a me incomodar. Eu queria crescer, mas, ao mesmo tempo, tinha um ótimo salário. Então veio a dúvida: largo essa estabilidade, algo que amo fazer, para cuidar apenas do meu negócio no YouTube?
Foi uma decisão difícil, passei quase dois anos amadurecendo essa ideia. Mas esse tempo também teve um lado estratégico: se esperasse dois anos, completaria 25 anos de United Airlines. Ao me aposentar pela empresa, manteria alguns benefícios como ex-funcionário.
Decidi esperar. Em 2021, saí para cuidar exclusivamente do “Aviões e Músicas”. No início, foi difícil. Tinha um salário muito bom na empresa e passei a ter um alto custo fixo, com funcionários para pagar. Pouco depois da minha saída, aconteceu o acidente com o avião da Marília Mendonça. A partir daí, pude falar mais abertamente sobre o assunto e comecei a ser referência. O YouTube se tornou uma grande vitrine. Sou o mecânico de manutenção de aeronaves mais conhecido do Brasil. Veio a ideia: por que não criar minha própria escola de formação de mecânicos de manutenção de aeronaves?
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Iniciamos o processo de homologação, que foi longo e difícil, mas conseguimos. No lançamento da primeira turma de mecânica de manutenção de aeronaves, já nos tornamos a maior escola de aviação do Brasil. O nome oficial é Centro de Instrução de Aviação Civil (IAC).
Foi uma virada de chave?
Sim. Pude contratar mais pessoas, melhorar o atendimento, expandir a empresa, que começou com um CNPJ e hoje são quatro (cursos de formação profissional online e semipresenciais – mecânicos, pilotos, comissário de bordo e pós graduação em Engenharia Aeronáutica -, produção audiovisual, palestras e cursos corporativos, inspeção de peças de avião).
O primeiro foi da loja, vendia produtos relacionados ao canal. Depois, lancei meu primeiro livro, “Onde Morrem os Aviões”, totalmente produzido pelo Aviões e Músicas. Depois, lancei meu segundo livro, “Medo de Avião Nunca Mais”, que veio junto com nosso primeiro produto digital: um curso livre para ajudar as pessoas a superarem o medo de voar.
Atualmente, temos cerca de 20 funcionários CLT, além de contratados por projeto.
Nossa sede fica em Guarulhos (SP), em um prédio de três andares. No térreo, temos uma oficina para o treinamento prático dos mecânicos. Estamos em processo de homologação para um quarto CNPJ, que prestará serviços de inspeção para a aviação.
No segundo andar, ficam o setor financeiro, o atendimento da escola e a sala da CEO, Mila Seidl, minha esposa, que cuida de toda a parte comercial. No terceiro andar, funciona a produção, com editores e equipes responsáveis pelos vídeos da Academy e do canal do YouTube.
Qual foi o maior impacto que você enfrentou ao transitar do mundo corporativo? Como foi essa transição de deixar o crachá de lado e passar a focar na sua própria carreira?
O maior impacto é estar trabalhando 24 horas por dia. Esse é o grande desafio: sua mente nunca se desliga do negócio. Agora, estando do outro lado, sabendo exatamente quanto dinheiro entra e quanto precisamos pagar aos funcionários, a relação com o negócio muda completamente.
Esse, para mim, é o maior impacto: acordo pensando na empresa e vou dormir pensando nela.
Como você faz para equilibrar vida pessoal e profissional?
Para falar a verdade, recentemente comecei a fazer terapia para separar as coisas. Apesar de eu e a CEO (Mila Seidl), que é minha esposa, trabalharmos em andares separados, passar o tempo todo resolvendo problemas da empresa pode afetar nosso relacionamento pessoal. Por isso, estamos fazendo cursos para entender melhor como separar trabalho e vida pessoal.
Estamos aprendendo a reconhecer o quanto a performance no trabalho pode impactar o relacionamento. Agora, temos regras bem definidas no trabalho para não interferir na nossa vida pessoal. Uma decisão profissional não pode virar uma briga de casal.
Quais habilidades precisou desenvolver após a transição de carreira?
Uma das habilidades que precisei desenvolver bastante foi a capacidade de delegar. Conforme o negócio cresce, não dá mais para fazer tudo sozinho como no início do canal. Descobri que há pessoas que fazem o trabalho melhor do que eu.
O segundo ponto foi a gestão do negócio, algo que não dominava e ainda estou desenvolvendo. Por isso, tenho a sorte de contar com uma pessoa de confiança ao meu lado, minha sócia, com quem divido tudo 50/50. Ela é extremamente eficiente na parte comercial.
Hoje, também uso o Lito Academy (que também inclui cursos) para palestras corporativas em que abordo erros como aprendizados. Já trabalhei com empresas como Petrobras, Eletrobras, Hyundai, Boticário e Porto Seguro. Na aviação, os erros do passado foram fundamentais para melhorar processos. Essa lógica é extremamente relevante para o mundo corporativo.
Pode citar um exemplo?
Quando fui lançar meu segundo curso e o servidor caiu, pensei: “Caramba, vim da aviação, não posso depender de um único sistema para fazer as coisas. Deveria ter um sistema de backup. Como não pensei nisso?”
Então, depois da crise, nos reunimos para analisar o que deu errado. Fizemos um briefing detalhado e identificamos os pontos falhos: erramos aqui, aqui e aqui. Para o próximo lançamento, precisaríamos corrigir esses problemas.
É exatamente assim que a aviação funciona. Se acontece um acidente, não podemos permitir que o mesmo erro ocorra novamente.
O foco não é procurar culpados, mas entender a origem do erro no processo. Nunca buscamos um culpado. Como especialista em fatores humanos, sei que apenas trocar a pessoa que errou não resolve o problema. Se você tira um CPF e coloca outro, os erros continuarão acontecendo.
O que realmente resolve é entender toda a dinâmica do problema sem apontar dedos. Um erro deve ser visto como aprendizado. Quando você compreende o que aconteceu, aprende com aquilo e evita que se repita. Essa é a filosofia que seguimos sempre.
Em relação ao seu estilo de liderança, você já liderava equipes antes de sair do mundo corporativo. Houve alguma mudança nesse estilo desde então?
No meio da aviação, o tipo de liderança que exercia era mais adequado para o setor. O nível de qualificação das pessoas com quem eu trabalhava era mais elevado, o que facilitava a aplicação de um modelo de liderança baseado na cultura justa.
A cultura justa permite que um funcionário procure seu supervisor e diga: “Ontem fui a um velório, não dormi e não estou em condições de trabalhar na minha máxima performance.” Cabe ao supervisor compreender que essa transparência existe em nome da segurança e criar mecanismos para que outra pessoa possa assumir a função e garantir que a operação ocorra de forma segura.
Quando passei a gerir meu próprio negócio, percebi que a mesma abordagem de gestão não funciona. Senti que alguns colaboradores encaravam essa responsabilidade de forma mais relaxada, talvez pelo perfil mais jovem da equipe em comparação ao setor aéreo, onde eu lidava com profissionais de meia idade.
Por isso, precisei ajustar minha forma de liderança e ser um pouco mais rigoroso para que todos compreendessem certas regras básicas. Um exemplo simples: o Carnaval não é um feriado nacional, apenas no Rio de Janeiro. Fizemos um rodízio de equipes e trabalhamos.
Pode explicar um pouco mais sobre essa nova abordagem de liderança que você adotou? Como foi esse ajuste que precisou fazer?
Há uma parte da minha maneira de liderar que não muda: não buscar um culpado, mas sim entender as circunstâncias que levaram ao erro. Pode ser que haja uma falta de conhecimento sobre o que a pessoa está fazendo, e analiso: “Essa pessoa não teve treinamento para isso, então é natural que ela cometa erros”. Isso é algo que sempre se manteve na minha forma de liderar.
Nunca conseguiria gritar com alguém e dizer: ‘Nossa, como você é incompetente! Olha o que você fez!’. Isso nunca vai acontecer. Porém, existe um lado meio perigoso nisso: a pessoa pode achar que tudo o que ela fizer está tudo bem para o chefe, e não é isso.
É uma caminhada em uma linha fina, entre apurar as responsabilidades sem apontar culpas. Procuro treinar os funcionários para que eles entendam isso para facilitar a gestão.
Eles vão confiar que nunca vou gritar com eles, mas também vão saber que espero um retorno de responsabilidade em relação às metas que foram traçadas.
Qual é o seu conselho para profissionais que estão passando por uma transição de carreira?
Primeiro, se você já tomou a decisão, esteja firme nela. Seja comprometido, porque vai dar certo. Quando você é comprometido, o negócio dá certo. É óbvio que hoje eu trabalho três vezes mais do que quando era funcionário da United Airlines.
Mas o meu retorno não é só três vezes maior, é 15, 20 vezes melhor que o meu antigo emprego. Então, goste do que você faz e mantenha a sua proa (direção para onde o nariz do avião está apontando). Se você está indo para o norte, vá para o norte. Vai ter turbulência que vai te tirar do lugar.
Por exemplo: quando a pandemia chegou, eu tinha acabado de sair de casa e dado o primeiro grande salto: aluguei um espaço, montei um estúdio, contratei funcionários e, então, veio a pandemia. Pensei: ‘Putz grila, né?’. Ao contrário do que todo mundo estava fazendo, que era demitir ou cortar custos, eu decidi contratar mais gente.
Pensava: “Bom, não existe turbulência que dure para sempre. O avião vai passar pela turbulência. Quando acabar, o que vai existir do outro lado?” Então, quem se preparou mais durante a pandemia vai se saiu melhor quando acabou. Foi isso que fiz. Agora já estou em um prédio de três andares.
Principalmente se a pessoa é um criador de conteúdo, reinvista os seus ganhos no seu negócio. Eu poderia estar viajando para Paris com a Mila. Poderia ser daqueles ricos que ostentam. Mas a gente investe tudo na empresa.
Na aviação, tudo é feito do jeito certo. Então, se falo para as pessoas que é preciso fazer o certo, não faria sentido na minha empresa fazer as coisas erradas.
Então, o pagamento de impostos, toda a parte de documentação, é tudo certinho. Isso é muito mais custoso para a empresa, mas dá uma paz muito grande saber que estou fazendo a coisa certa.