Taxa Selic a 2% ao ano, pandemia da covid-19, baixa atividade econômica e instabilidade institucional são os fatores apontados por economistas para uma certa desconfiança de investidores no Tesouro Direto.
Segundo balanço do Ministério da Economia, divulgado nesta terça-feira (25), os resgates de títulos públicos federais somaram R$ 2,196 bilhões no mês de julho, enquanto as compras totalizaram R$ 1,970 bilhões – uma diferença de R$ 226,73. Esta é a primeira vez que isso acontece em três meses.
O Tesouro Direto (órgão vinculado à pasta) também aponta a pandemia do novo coronavírus como motivação para esse movimento dos investidores. No entanto, apesar da maior incidência de resgate que de emissão de títulos, a compra de papéis não apresentou queda, permanecendo no mesmo patamar dos meses anteriores.
O registro é de 1.324.915 pessoas (alta de 26.148 investidores ativos) com saldo em aplicações no programa em julho, enquanto que o número de investidores cadastrados chegou a 7.780.590 (aumento de 367.699 inscritos).
Para o conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Eduardo Araujo o impacto causado pela covid-19 e a redução da taxa básica de juros para o menor patamar da história pelo Banco Central resultaram na mudança de estratégia dos donos de títulos públicos.
“Com a atividade econômica em baixa, estamos vivendo um momento em que preferem liquidez, ter dinheiro na mão. Muitas empresas não conseguiram faturar adequadamente e isso aumenta a necessidade de usar essas reservas para atravessar esse momento de dificuldade. A pandemia é o principal fator que causou essa redução da taxa de juros. O novo cenário macroeconômico a partir de março provocou essas mudanças”, explica Eduardo.
Para ele, também contam as conturbadas cenas políticas do país, ainda que não deem sinais claros de saída do ministro da Economia, Paulo Guedes. “A instabilidade institucional do governo federal é um fator que cria incerteza sim. Porém, até agora, não há uma ligação clara de saída do ministro [Guedes]”.
Visão semelhante é a do conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES), Vaner Corrêa, que acrescenta às dificuldades impostas pelo novo coronavírus o cenário político conturbado tanto no Brasil quanto no exterior.
“Vivemos um cenário de briga constante, briga de rua falida. A esquerda perdida, a direita apoiada em coisas malucas. Temos um governo não aceito pela intelectualidade, não aceito por vários setores da sociedade. Além da pandemia, existe a briga dos Estados Unidos com a China, que gente não sabe como vai dar. Vivemos sob a expectativa de vacinas. Tudo isso cria uma tensão no tecido social, nos tecidos econômicos”, afirma.
Mais sujeitos às consequências econômicas da covid-19, como a perda de emprego, redução drástica do faturamento e grande perda do poder de compra, a população de renda mais limitada tem liderado o chamado “efeito manada” no resgate de títulos da União. Segundo o boletim do Tesouro Nacional, 68,3% das operações no mês de julho foram de aplicações de até R$ 1 mil, enquanto o valor médio por operação ficou em R$ 4.541,03.
“A classe média mais baixa que já tinha acesso à poupança, hoje, sabe mexer, vai numa corretora e a partir daí começa, dando passos pequenos, acompanha vídeos no YouTube. Esse investidor é muito volátil e, ao menor sinal de risco, resgata suas aplicações. Acredito que estão fazendo uma leitura boa do cenário econômico e político e acabam fazendo esse movimento de manada”, analisa Vaner.
A taxa Selic sofreu uma redução de 12,25% em cerca de quatro anos, baixando de 14,25% para 2%. Com isso, cai também a rentabilidade dos títulos do Tesouro Direto e do montante aplicado em poupança. Por preferência a outros investimentos e até por ter reserva disponível em mãos, a fuga de capitais dessas aplicações prejudica o governo.
“É preciso dizer que isso impõe um desafio ao setor público, porque, quando as pessoas sacam seus títulos, provoca dificuldade de financiamento para o governo, tendo de pagar antes do programado os seus financiadores. Nesse cenário, é preciso fazer o movimento inverso: elevando juros para ver se desperta interesse das pessoas para financiar o governo”, destaca Eduardo Araujo.
Vaner Corrêa tem visão semelhante, especialmente em relação a uma possível elevação da taxa Selic, algo que ele aponta como já presente no radar de investidores e analistas do mercado. Mas o economista também sugere a emissão primária de moeda.
“Se eu fosse o governo imprimiria moeda primária, aumentando a base monetária. Como a inflação não está alta, isso dá mais cancha ao governo. É algo muito heterodoxo pois não se faz isso. Quanto aos juros, para o ano que vem já se fala em Selic a 3% ao ano”, afirma
Tesouro Direto
Criado em janeiro de 2002, o Tesouro Direto é um programa criado para democratizar o acesso aos títulos públicos, permitindo sua compra pela internet, fortalecendo então a capacidade de investimentos do Governo Federal.
Segundo o Ministério da Economia, a procura maior em julho de 2020 foi por títulos indexados aos juros básicos (Tesouro Selic), representando 48,2% das vendas. Em segundo lugar vieram os títulos baseados na inflação, com 30,5% do total, e, por último, os prefixados, com 21,3% do montante.
No mês passado, segundo o Ministério da Economia, o título mais procurado pelos investidores foi o indexado aos juros básicos da economia (Tesouro Selic), cuja participação nas vendas atingiu 48,2%. Os títulos indexados à inflação corresponderam a 30,5% do total, e os prefixados a 21,3%, acrescentou o governo.