Quem frequenta o supermercado já sentiu no bolso a escalada dos preços em geral neste ano. A cada compra, menos itens e mais gastos. É aí que entra a velha estratégia de diminuir a lista e cortar alimentos considerados supérfluos.
Entre esses alimentos, um produto que representou a ascensão da classe C (com renda familiar entre R$ 3.152 e R$ 7.880) está desaparecendo do carrinho do brasileiro: o iogurte, cujo preço já subiu 8,21% nos últimos 12 meses.
O aumento representa praticamente a disparada da inflação oficial no mesmo período, que ficou em 8,89%. O presidente do Corecon-ES (Conselho Regional de Economia do Espírito Santo), Eduardo Reis Araújo, explica a razão desse simbolismo do iogurte. “A alta do consumo de iogurte desde 1994 era atribuída, na época, como uma das conquistas da classe média, decorrente da estabilidade econômica, da melhoria da renda que as pessoas passaram a ter. Até então, ele era visto como um produto de luxo para essas pessoas, assim como sorvete, porque era inacessível.”
Um levantamento feito pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), há dois anos, atribuía ao aumento de renda dos brasileiros um crescimento anual de 2,97%, em média, do consumo de iogurte. Outro fator que contribuiu foi o acesso de grande parcela da população aos eletrodomésticos da linha branca.
Mas aí surgiu a crise na economia, com a escalada da inflação e do desemprego. Foi o suficiente para fazer muita gente colocar o pé no freio. Na gôndola de frios de um supermercado na zona norte de São Paulo, a comerciante Tânia Oliveira observa os preços um a um, tentando achar algum iogurte que agrade ao paladar e ao bolso. “Não é fácil. Eu sempre comprava, mas, ultimamente, quando aqueles que eu gosto não estão com um preço bom, sou obrigada a ficar sem. Tudo está mais caro, aí o iogurte acaba sendo o supérfluo. Agora mesmo, acabei de lembrar que tenho que pegar outras coisas mais importantes.”
Consumo em baixa
A atitude de Tânia já se reflete nas recentes pesquisas da consultoria Nielsen, que analisa cerca de 130 produtos vendidos nos supermercados. De dezembro de 2014 a março de 2015, as vendas de iogurte e cresceram apenas 0,2%, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Porém, o iogurte teve crescimento de 6% no primeiro trimestre de 2014 em relação ao mesmo período de 2013. Ou seja, a desaceleração foi de 5,8 pontos percentuais. O analista de mercado da Nielsen André Sanches diz que o ritmo de vendas deve continuar baixo em 2015, porém, não somente dos iogurtes. “Na nossa cesta de perecíveis, por exemplo, iogurte foi uma das categorias que teve maior variação de preço. Então, isso acaba contribuindo para a desaceleração do consumo. Mas essa desaceleração acontece também em outros produtos que a gente analisa e reflete um pouco o cenário econômico atual.”
Somente este ano, o preço de iogurtes e bebidas lácteas subiu 5,34%, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O gerente do departamento de economia e pesquisa da Apas (Associação Paulista de Supermercados), Rodrigo Mariano, acrescenta que isso já pode ser o suficiente para esses produtos ficarem de escanteio.”O iogurte já havia sido incorporado como um item de cesta básica e no momento em que o consumidor tem essa perda do poder de compra, ele vai fazer escolhas dentro da cesta básica. Por uma questão que, talvez, seja de preço é que o iogurte tem ficado de fora.”
Sorvete
A inflação também atingiu outro produto que passou a ser bastante consumido pela classe C: o sorvete. Os preços subiram 10,24% este ano, segundo o IBGE. Mesmo durante o verão, as vendas caíram 9% (entre dezembro de 2014 e março de 2015, em comparação com o mesmo período do ano anterior), de acordo com dados da Nielsen.
No verão 2013/2014, as vendas de sorvete subiram 35,3%. Sanchez avalia que, além do preço, outro fator contribuiu para a queda este ano.”Foi uma categoria de produtos que se destacou bastante no ano passado [entre 2013 e 2014], muito em função do calor, do verão intenso que tivemos. Mas isso não está acontecendo este ano. Não tivemos um verão tão intenso e o volume de vendas do período anterior já havia sido alto, por isso [houve] uma queda mais acentuada.”
Produtos “premium”
Mais de 30 milhões de brasileiros passaram a fazer parte da classe C nos últimos anos. Esse aumento do poder de compra fez com que surgissem também consumidores mais exigentes e dispostos a pagar mais para adquirir os mesmos produtos das classes A e B.
São diversos itens, como papel higiênico de folha dupla e cervejas importadas. Apesar da crise, tem uma parcela da nova classe C que não se desfaz dessas conquistas, diz Rodrigo Mariano, da Apas.”O consumidor começa a fazer escolhas. Tem alguns itens de que ele não abre mão, por já ter atingido um nível de consumo que o faz cortar itens básicos para não deixar de comprar a cerveja premium, por exemplo.”
Segundo o analista de mercado da Nielsen, é justamente o iogurte grego, considerado “premium”, que vem aumentando a fatia de mercado entre os demais. Mas isso ainda não é suficiente para conter a desaceleração das vendas do produto.
Com informações do Portal R7.