
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas ligados à pejotização de trabalhadores para criar uma tese nacional que evite decisões divergentes na Justiça.
A medida tem a finalidade de resolver um problema de segurança jurídica que custa milhões de reais anualmente às empresas, que precisam separar parte do orçamento para pagar custos processuais e indenizações trabalhistas.
Na visão de especialistas, o congelamento dos processos para a criação de uma tese nacional para o tema é positivo, tende a trazer benefícios para as empresas e acelerar processos no STF.
Por outro lado, reforça incertezas em relação à perda de direitos trabalhistas e de pagamentos inerentes ao contrato de trabalho aos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que financia moradias para a população de baixa renda, e a contribuição previdenciária para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
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A medida do STF busca pôr fim a um problema que as empresas vêm enfrentando nos últimos anos: as ações recebem parecer favorável no Tribunal da Justiça do Trabalho, os empresários recorrem ao STF, que lhes dá a vitória na maioria dos casos.
Esses processos, assim, tendem a levar anos de tramitação e têm se multiplicado, inclusive com a replicação de ações, por advogados, para colegas em uma mesma empresa.
Para o sócio da área trabalhista do Pinheiro Neto Advogados, Luís Mendes, a maior clareza em relação a como o STF entende se existe ou não subordinação de pessoas contratadas em modelos pejotizados tende a reduzir o número de processos e trazer mais segurança jurídica ao ambiente de negócios do País.
“Quando um empresário termina uma relação PJ, há uma grande incerteza do que virá depois, se ela entrar com uma ação. Hoje, dependemos de em qual tribunal a ação está correndo, e do entendimento das turmas. Agora, se o STF já tiver se manifestado sobre o tema, sinalizou o entendimento de que os demais tribunais devem seguir. Se tivermos isso, as empresas terão custos muito menores de litígios trabalhistas, mais segurança jurídica”, diz.
Mendes alerta que a decisão do STF em relação aos casos de pejotização pode levar meses ou anos, deixando os processos parados, com juros e correção monetária incorrendo sobre as indenizações.
O especialista lembra que a tendência da pejotização tem ganhado força por parte da classe trabalhadora, que deseja ser contratada dessa forma. No passado, isso era visto como uma fraude para sonegar direitos dos trabalhadores, mas isso vem mudando.
“Isso é comum na área de tecnologia. Há dificuldade de contratar pessoal nessa área como empregados. Muitos desses profissionais têm suas próprias empresas”, afirma Mendes.
Contratação PJ também é tendência em outras áreas
A sócia do escritório MKGV, Ana Cristina Valentim, reforça que essa tendência de contratação existe também em outras áreas, como saúde e seguros, e diz que, em todo caso, o profissional precisa analisar cuidadosamente os termos de contratação.
“Os requisitos continuam vigentes. Se houver uma prestação de serviço sob subordinação, o vínculo de emprego certamente será reconhecido, mas é preciso impor limites. Nem toda prestação caracteriza vínculo”, afirma.
Ana Cristina alerta que é preciso cautela também por parte dos empregadores, que, no caso de uma decisão favorável às empresas pelo STF sobre a pejotização, podem querer mudar o contrato de trabalhadores celetistas para PJ.
“É preciso ter cuidado para que os empresários não queiram transformar os trabalhadores em PJ. Quando saem essas notícias, muitos empresários se animam e pensam que podem pejotizar toda a mão de obra”, diz.
Lei da terceirização
Na lei de terceirização, há uma quarentena de 18 meses para uma empresa terminar uma relação trabalhista CLT e recontratar a mesma pessoa pejotizada. Porém, é possível que ambas as partes, em comum acordo, encerrem a relação trabalhista, com o pagamento dos devidos direitos, para posterior contratação como PJ.
Sócio trabalhista do escritório Machado Associados, André Blotta Laza lembra que, desde 2017, com a lei da terceirização, já é possível que as empresas contratem trabalhadores pejotizados, e o STF já se mostrou favorável a esse parecer embasado na lei, em 2021.
Laza lembra que, no caso de uma decisão favorável à pejotização que cause um aumento em contratos pejotizados de trabalho, em detrimento de contratos CLT, o INSS e o fundo de garantia podem ser negativamente impactados.
“Com isso, veríamos daqui para frente um esvaziamento da contratação do empregado normal e uma consequente perda da contribuição previdenciária, que hoje já é deficitária. No futuro, pode haver dificuldade de manter o pagamento dos benefícios para a população”, afirma.
Laza diz que ainda não há discussões em relação a oferecer ao trabalhador pejotizado benefícios similares aos do trabalhador celetista, como direito a férias, 13º salário e multa rescisória.
Para o mercado imobiliário, o aumento da pejotização dos trabalhadores também traz riscos. “Considerando que o governo acabou de aumentar o Minha Casa, Minha Vida, pode ser que haja um impacto direto na própria política pública, com a perda de capacidade de arrecadação para fazer essa política imobiliária para a baixa renda”, diz Laza.
Medida abrangente
Professor de Direito e Processo do Trabalho na FAAP e sócio do Ambiel Advogados, Carlos Eduardo Ambiel afirma que a medida de suspensão de ações tomada por Gilmar Mendes se aplica não só aos pejotizados, mas também aos trabalhadores autônomos, tendo uma grande pausa em processos de trabalhadores, que ficam com as discussões pendentes e sem previsão de retomada.
“A medida é muito abrangente e, portanto, causa um um efeito muito grande no Judiciário Trabalhista. E a gente não tem segurança de quando esse julgamento ocorrerá. Então, a medida foi um pouquinho exagerada”, afirma.