A grave crise que atingiu as finanças da Americanas, culminou no pedido de recuperação judicial feito junto à Justiça. A mesma alternativa foi adotada por três empresas de transporte rodoviário do Espírito Santo: as viações Grande Vitória, Metropolitana e Tabuazeiro. Mas afinal, o que é recuperação judicial? Qualquer empresa pode realizar este pedido de negociação?
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O advogado e especialista em Recuperação Judicial e Falências, Josmar de Souza Pagotto, explica que a recuperação judicial nada mais é do que um procedimento para evitar que uma empresa vá à falência.
“O objetivo da recuperação judicial é preservar os empregos, os fornecedores daquela empresa. Com isso é feito um pedido à justiça, que será analisado, e a empresa terá um prazo para quitar e renegociar as dívidas. Além disso, as cobranças são suspensas em um período de 60 dias”, explica o advogado.
Em regra, qualquer empresa que se encontre em dificuldade financeira poderia requerer a recuperação judicial, mas existem exceções.
“Empresas que estão submetidas a um controle do Banco Central, ou seja, reguladas pelas leis 6024/75, como instituições financeiras, plano de saúde e consórcios que lidam com economia popular, não podem entrar com o pedido”, afirma Pagotto.
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Para entrar com o pedido de recuperação judicial, a empresa deve atender alguns requisitos legais. Um deles é ter a aprovação da maioria dos sócios.
“Além do Código Civil, o artigo 48 e o artigo 51 da lei 11.101/05 vão estabelecer os demais requisitos legais para requerer a recuperação judicial. Só pode requerer por exemplo quem está a mais de dois anos na ativa”, pondera Pagotto.
Empresas podem entrar em liquidação extrajudicial
Nesses casos, o especialista pontua o procedimento que essas empresas devem adotar em casos de forte prejuízo financeiro.
“Elas entram em regime de liquidação extrajudicial que é um procedimento normal e se o liquidante identificar que essa instituição não pode honrar com pelo menos metade da sua dívida, é decretada sua falência”, ressaltou.
O advogado e especialista em Direito Empresarial e Direito Processual Civil, Raphael Wilson Loureiro Stein, destaca que o regime de liquidação extrajudicial não se aplica a todas as empresas, e sim àquelas que atuam no mercado supervisionado, como, por exemplo, as instituições financeiras não federais, que estão sob fiscalização do Banco Central do Brasil (BACEN).
“Por isso, a recuperação judicial é totalmente diferente do instituto da liquidação extrajudicial, o qual tem o propósito de equilibrar as finanças da empresa e evitar a falência, que, no entanto, poderá ser decretada. Os requisitos para a aplicação da liquidação extrajudicial estão ditados em lei, como a Lei nº 6.024/1974.”
O Banco Central do Brasil (Bacen), segundo Stein, é o órgão competente para a decretação da liquidação extrajudicial nas instituições financeiras, e o procedimento pode ocorrer na ocasião dos seguintes cenários:
1 – A constatação de atos de falência, deixando a empresa de honrar seus compromissos;
2 – Quando a empresa violar gravemente as normas legais e estatutárias;
3 – Quando se verificar prejuízo que implique em risco anormal para o pagamento dos credores chamados “quirografários”, que são aqueles que têm contratos comuns, sem nenhuma garantia.
“Além disso, a liquidação extrajudicial poderá ser realizada a pedido da própria instituição, desde que representada por seus administradores autorizados pelas normas descritas no estatuto”, acrescentou o especialista.
A recuperação judicial pode trazer prejuízos?
À primeira vista, o pedido de recuperação judicial é tido como um procedimento positivo, pois tem como objetivo evitar que a empresa decrete a tão trágica falência. Porém, mesmo com esse intuito, o procedimento possui alguns dilemas entre o empresariado pelo fato de a prática trazer alguns prejuízos à empresa.
“O prejuízo que a recuperação judicial traz à empresa que está em recuperação judicial é a dificuldade de acesso a crédito, ou seja, ao “dinheiro novo” que por vezes é fundamental para que ela consiga se manter e, ao mesmo tempo, executar o plano de ação que visa pagar seus credores”, explicou Raphael.
O advogado afirma que a essa dificuldade em acesso ao crédito acontece porque o que gera o pedido de recuperação judicial é a crise de insolvência, que, segundo ele, consiste no “acréscimo de dívidas sem pagamento, o que no mercado de crédito é ponto negativo, elevando a taxação dos juros e também das garantias exigidas sobretudo pelos bancos”.
Direito a financiamento próprio
Apesar desse dilema envolvendo o pedido de recuperação judicial e as possíveis sanções às empresas, o especialista em Direito Empresarial aponta um cenário cada vez mais seguro para empresas que se encontrem nessa situação.
“O legislador tem se mostrado atento a isso e implementado na Lei 11.101/2005, algumas inovações que visam compensar e até eliminar, por assim dizer, esta desconfiança para a concessão de crédito em favor de quem esteja passando por um processo de recuperação judicial.”
Um exemplo desse avanço pode ser notado, por exemplo, na possibilidade de financiamento próprio para empresas e empresários em recuperação judicial.
Segundo ressalta o advogado, em alguns casos, os descontos que essas empresas podem conseguir desse processo, podem chegar aos 70%, o que facilitaria, e muito, em uma situação de possível falência.
“O financiamento bancário próprio para empresas/empresários em recuperação judicial, trazido pela recente Lei 14.112/2020, atua diretamente neste problema, bem como outros fatores, como a possibilidade de negociação preventiva com os credores; a possibilidade de parcelamento de dívidas que o devedor tenha com a União, inclusive com descontos que podem alcançar 70% de todo o montante, entre outros”, explicou Stein.