Artigo Ibef-ES

Super salários de R$ 200 mil para os servidores públicos

Práticas como a inclusão de diversos auxílios e adicionais permitem que muitos servidores ultrapassem esse limite, e recebam super salários

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Artigo escrito por Diana Mantovani, formada em Direito na Faculdade de Direito de Vitória (FDV), sócia fundadora da Diluz, empresa especializada em registro de marcas, e membro do IBEF Academy.

Mais de 20 mil servidores públicos receberam remunerações acima de R$ 41.650 em 2023, de acordo com a Revista Exame (2023). São os chamados “super salários” no funcionalismo público do Brasil.

A Constituição Federal estipula que nenhum servidor pode receber mais do que o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fixado em R$ 41.650.

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Super salários: limites são ultrapassados

No entanto, práticas como a inclusão de diversos auxílios e adicionais permitem que muitos servidores ultrapassem esse limite, e recebam os “super salários”.

O tema gera indignação, pois a existência desses salários exorbitantes faz com que os gastos do Estado sejam maiores do que já são, de forma a desequilibrar ainda mais as contas públicas do Brasil, que se situam em um momento de alto déficit, ou seja, com gastos mais altos dos que recolhem de receita da população.

De início, cabe compreender que, apesar da proibição legal na Constituição, os “super salários” são possíveis por meio de uma série de brechas legais e interpretações que permitem a inclusão de adicionais e benefícios fora do cálculo do teto.

Auxílios e gratificações inflam os vencimentos

Auxílios como o auxílio-moradia, diárias de viagens, e gratificações por tempo de serviço são frequentemente utilizados para inflar os vencimentos dos servidores.

Além disso, o acúmulo de cargos e as decisões judiciais favoráveis a certos pagamentos retroativos contribuem para essa prática. 

Licença “compensatória” por acúmulo de acervo e de função

Um exemplo é a licença “compensatória” por acúmulo de acervo e de função que foi implementada por meio de uma Resolução do TCU.

Ela aduz que os procuradores federais, juízes e ministros do TCU que estiverem com excesso de processos no gabinete ou que ocuparem cargos administrativos (presidência, vice-presidência, corregedoria e assento em conselhos, comissões ou grupos de trabalho), têm direito a 10 folgas a mais por mês – um dia de descanso a cada três trabalhados – ou 30% de aumento no salário caso decidam vender esses dias.

Nesse sentido, medidas como a citada podem fazer com que a remuneração dos servidores públicos beneficiados chegue a 200 mil mês, de maneira a ultrapassar, e muito, o teto proposto pela legislação.

E são muitos os beneficiados, uma vez que, apenas em 2022, segundo estudo do Centro de Liderança Pública (CLP), 7,7 mil servidores federais ganharam acima do limite; nos estados foram mais de 15,3 mil funcionários; e nos municípios 2,275 mil.

Contas públicas: economia pode ser de R$ 3,8 bilhões ano

A economia das contas públicas, caso houvesse o fim dos vencimentos acima do teto permitido pela Constituição, seria, em média, de R$ 3,8 bilhões ano, segundo o levantamento do Centro de Liderança Pública. Trata-se de um peso significativo para as finanças públicas.

É importante destacar que essa economia seria adequada, tendo em vista que o Brasil se encontra em contexto de crise fiscal e necessidade de ajuste nas contas públicas – o Governo Central registrou um déficit primário de R$ 1,527 bilhão em março de 2024, de acordo com o Ministério da Fazenda –, na qual a manutenção desses salários é insustentável.

Além disso, o custo desses salários exorbitantes em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) também é significativo.

Em 2020, o Brasil gastou 13,7% do PIB com servidores públicos, o que corresponde a cerca de R$ 930 bilhões. Naquele ano, o país era o 7º que mais gastava com servidores.

Salário de servidores custou 8,9% do PIB em 2023

Em 2023, o salário de servidores custou 8,9% do PIB, mas tem pretensões de aumentar no ano de 2025, segundo Alexandro Martello.

Este cenário é ideal para observar como o dinheiro público é absorvido pelo próprio Estado, por meio de seus servidores.

Em vez de ser direcionada para outros fins, uma parte significativa da receita arrecadada com tributos acaba sendo retida para sustentar, ou até mesmo superalimentar, o próprio sistema.

Para corroborar o exposto, o autor francês Frédéric Bastiat, em seu livro “O que se vê e o que não se vê”, explica sobre o Estado:

Ele tem duas mãos: uma para receber e outra para dar, ou, melhor dizendo, a mão rude e a mão delicada.

A ação da segunda subordina-se necessariamente à da primeira. A rigor o Estado pode tomar e não devolver. Isso se explica pela natureza porosa e absorvente de suas mãos, que retêm sempre uma parte e às vezes a totalidade daquilo que tocam.

Sistema atual está estruturado para manter privilégios

Assim, torna-se evidente que o sistema atual está estruturado de forma a privilegiar aqueles de dentro da máquina estatal, pois são essas mesmas pessoas que produzem e interpretam as leis.

A constante busca por interpretações jurídicas que favorecem a possibilidade dos “super salários”, mesmo que sejam inconstitucionais, demonstra um esforço contínuo para manter e aumentar benefícios dentro da esfera pública.

Portanto, a análise dos “super salários” no funcionalismo público brasileiro demonstra um problema que agrava o desequilíbrio fiscal do país.

Revela, também, que uma grande parte dos tributos recolhidos da população é destinada a pagar altos salários aos servidores públicos, ao invés de ser utilizada para “investir” em áreas ou setores que o país entende essencial. 

Esse cenário reforça que o Estado sempre encontrará maneiras de se inflar e privilegiar os próprios interesses de quem ali trabalha – os servidores públicos.

Referências

BARROS, Tadeu. A imoralidade dos supersalários no serviço público. Exame, 2023.

MARTELLO, Alexandro. Após atingir mínima histórica em 2024, governo estima que gastos com servidores voltarão a crescer no ano que vem. G1 Economia, 2024.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo