Estudante na escola
Estudante na escola. Foto: Canva

A sala de aula é um campo de batalha diária para os professores da educação básica, especialmente nas redes públicas municipais e estaduais.

Enfrentamos uma das profissões mais desafiadoras e emocionalmente extenuantes, em que a complexidade do ambiente educacional exige resistência constante, tanto física quanto mental.

O que faz essa profissão ser tão estressante?

Diversos fatores contribuem para o estresse docente. As turmas superlotadas, com 30 ou 40 alunos, reúnem crianças e adolescentes cheios de energia, frequentemente agitados e desafiadores. Muitos ainda estão em processo de construção do respeito ao outro e da compreensão de limites comportamentais.

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A rotina em sala de aula exige atenção constante: o risco de acidentes, os gritos inesperados, a dificuldade de obter o silêncio necessário para explicar um conteúdo, por mais que se peça.

Além disso, os professores são frequentemente responsabilizados por questões que fogem ao seu controle. Se uma turma vai mal em uma prova, logo se atribui ao docente a culpa por supostas falhas no ensino ou na condução das aulas.

Outro fator agravante é o sentimento de desvalorização. Muitos professores não se sentem respeitados nem pela sociedade, nem pelos alunos. A profissão ainda enfrenta episódios de violência, seja verbal ou física, tornando o ambiente de trabalho hostil.

Mas e além disso?

Tudo isso é verdade, mas há outra dimensão do problema que merece ser discutida. Não acredito que o retorno a uma pedagogia coercitiva, que tente engessar o comportamento infantil, seja o melhor caminho.

A diversidade comportamental das crianças nem sempre é acolhida nas escolas e na sociedade como um todo. Em muitos casos, comportamentos são rapidamente rotulados e medicalizados sem uma análise mais cuidadosa.

Em vez de compreender e trabalhar com as singularidades dos alunos, busca-se enquadrá-los em padrões rígidos, ignorando que a noção de normalidade e anormalidade é historicamente construída e moldada pela cultura.

Quanto mais uma sociedade busca padronizar comportamentos, mais disciplinadora e intolerante ela se torna.

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, já alertava sobre os mecanismos de disciplinamento social. Nesse contexto, a escola muitas vezes opera como um espaço de controle, voltado à formação de “corpos dóceis”: indivíduos moldados para a obediência e pouco incentivados à autonomia e ao pensamento crítico.

Estudantes em fila na escola
Estudantes em fila na escola. Foto: Canva

A disposição das carteiras enfileiradas, a exigência de silêncio absoluto e a restrição dos movimentos refletem esse modelo de sujeição.

O filósofo Gilles Deleuze, indo além de Foucault, apontava que, nas últimas décadas, a sociedade disciplinar foi substituída pela sociedade de controle.

Nesse novo modelo, o poder não se impõe apenas por regras rígidas, mas por mecanismos mais sutis de vigilância e conformidade, adaptando-se à lógica neoliberal em que vivemos.

Toda vez que chamo a atenção de um aluno que está gritando, andando pela sala em momentos inadequados ou usando o celular de maneira indevida — comportamentos que, de fato, precisam ser ajustados — há em mim uma voz interna que quer dizer:

mas não seja tão obediente assim, não se submeta a todas as regras sem refletir, não perca a beleza da sua espontaneidade nem a capacidade de resistir à subordinação.

Penso assim porque sou assim: inconformada com injustiças, questionadora de autoridades, crítica ao senso comum.

É evidente que crianças e adolescentes precisam de limites, de aprender a ouvir negativas, mas também precisam desenvolver autonomia para diferenciar autoridade de autoritarismo, regras de imposições arbitrárias. Precisam reconhecer quando um limite é necessário e quando ele se torna opressão.

Quero que meus alunos aprendam a se portar melhor, mas sem perder a capacidade de questionar. As crianças são naturalmente críticas, estão sempre perguntando o porquê das coisas. Somos nós, adultos, que as transformamos em seres conformados.

Por uma pedagogia da escuta

Nessa perspectiva, a pedagogia da escuta surge como uma proposta mais humana e libertadora. As escolas deveriam prescrever menos e ouvir mais.

Para que crianças desenvolvam múltiplas linguagens — verbal, corporal, artística, lúdica — e uma visão crítica do mundo, é fundamental garantir espaços de expressão e criatividade, onde suas necessidades e manifestações sejam realmente consideradas.

A infância é um território de curiosidade infinita, inquietação criativa e resistência ao engessamento do mundo adulto. Portanto, a escola precisa ser um ambiente de liberdade, onde correr, gritar, brincar e perguntar não sejam tratados como desvios, mas como partes essenciais do aprendizado.

Como bem disse Mia Couto: “Ser menino é estar cheio de céu por cima”. Que o céu das crianças brasileiras não seja um limite, mas um convite à expansão.

Larissa O’Hara

Colunista

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com especialização em Revisão de Texto e Educação Especial. Professora há mais de 15 anos, atuou em diversas instituições e orientou centenas de alunos na preparação para a redação do Enem. Autora de variados livros. É professora efetiva do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).

Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com especialização em Revisão de Texto e Educação Especial. Professora há mais de 15 anos, atuou em diversas instituições e orientou centenas de alunos na preparação para a redação do Enem. Autora de variados livros. É professora efetiva do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).