O poder do exemplo na educação raramente é reconhecido de imediato, mas seu impacto é duradouro. Sempre que posso, gosto de receber alunos em minha sala para conversar sobre o desenvolvimento deles na escola e para conhecê-los melhor.
Recentemente, chamei um aluno intercambista para uma breve reunião. Por se tratar de um aluno novato, vindo de outro país e com o português em nível ainda iniciante, fiz questão de priorizá-lo em meus atendimentos.
Ao chegar em minha sala, ele me perguntou: “Fiz algo de errado?”. Não foi a primeira vez que ouvi essa pergunta, normalmente de alunos novos na escola.
Respondi que não e expliquei que gostaria de saber como estava a adaptação dele. Aproveitamos aquele momento para iniciar a construção de um plano para sua aquisição do idioma português.
Terminada a reunião, perguntei-me: qual é o modelo de educação que estava na alma daquele jovem? Qual era o exemplo de relação aluno-educador que ele seguia?
A importância das lideranças no exemplo educativo
A responsabilidade das lideranças institucionais, sejam elas familiares ou escolares, é gigantesca. Por quê? A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo.
Pelo fato, mais do que conhecido, de que as crianças e jovens (poderíamos até ampliar para o nível de um cidadão de um país) seguem de forma muito mais consistente nossos exemplos do que nossos discursos. Voltemos à escola.
O papel do professor no exemplo na educação
Ao longo da minha vida, primeiro como aluno, seguindo como professor e depois gestor escolar, sempre tive contato com professores das mais diversas origens, estilos e formações acadêmicas.
No entanto, o que considero mais decisivo como potencial transformador na relação aluno-professor é o modelo de relação estabelecida entre educador e aluno.
Ao iniciar uma aula, esse professor vê um grupo de alunos com alto potencial de desenvolvimento coletivo e individual? Ou já entra focado nas dificuldades dos alunos ou nos considerados alunos difíceis?
O professor estabelece uma relação de construção de normas e regras, bem como metas de aprendizagem, ou já chega com tudo pronto e definido “de cima para baixo”?
Já me deparei com professores, tanto na educação básica como no ensino superior, que se orgulhavam de ser os famosos carrascos, os que reprovavam às vezes até metade da turma.
Tento imaginar qual médico referência em um centro de excelência se orgulharia de um índice desses de óbitos em seu histórico.
Exemplos negativos e positivos: o que fica na memória?
Aqui está o poder do exemplo. Um educador focado no erro como algo a ser reprovado ou em um modelo de relação coercitivo está seguindo um exemplo que ele valida ou do qual não consegue se libertar. Seu poder de propagar esse modelo é perigosamente alto.
Instituições como escola e universidade são indispensáveis e falíveis. Felizmente, possuem mecanismos formais ou culturais de autocorreção para que se mantenham alinhadas com seus valores.
Um professor com um modelo de educação atrasado ou desalinhado pode alinhar-se ou deixar de fazer parte dessa instituição.
No entanto, se a instituição torna-se reconhecida pela rigidez e por um olhar pouco comprometido com as individualidades de seus alunos, passamos a estar diante de uma questão de cultura institucional imprimida e mantida pela alta gestão.
Ao conversar com alunos novatos, sinto-me pessoal e profissionalmente realizado quando ouço deles depoimentos que sinalizam para uma relação saudável, de admiração e respeito legítimos por seus professores.
É muito comum ouvir dos alunos: “Estou aprendendo muito com meus professores. Eles se interessam por mim.”
A complementaridade dessas duas frases possui um alto poder transformador na relação ensino-aprendizagem.
Ter a segurança psicológica de que se está diante de um educador que acredita em seu potencial e que está disposto a fornecer ferramentas para lidar com suas dificuldades (temporárias) faz com que você ou eu, aprendizes que somos, possamos conceber que somos uma obra inacabada e permanentes aprendizes.
Essa concepção é combustível para a evolução pessoal e humana, nos âmbitos individual e coletivo.
O exemplo dentro de casa
E como fica essa questão do exemplo em casa? Vale ensinar a dar bom dia se não cumprimento o porteiro do meu prédio? Posso ensinar a respeitar o outro no trânsito e cometer infrações ao mesmo tempo?
Por mais óbvias que as respostas pareçam ser, como seres falíveis e paradoxais que somos, frequentemente nos encontramos presos em armadilhas do cotidiano.
Recentemente, cheguei em casa e havia um carro parado em frente à minha garagem. Essa situação cotidiana, aparentemente trivial, revela como o exemplo se manifesta nas pequenas ações do dia a dia.
Fui informado pela zeladora de que um senhor havia estacionado e caminhado rumo a uma escola que fica próxima à esquina do meu prédio. Eu estava com o tempo cronometrado para o almoço.
Felizmente, o senhor logo retornou. Ele dirigiu-se ao carro, acompanhado de uma criança uniformizada que devia ter aproximadamente sete anos, e ao me ver veio logo se desculpar.
Ele me disse que parou ali porque seria “rapidinho”. Eu respondi: “A desculpa não vale. O senhor sabia o que estava fazendo e decidiu que o seu tempo era mais importante do que o meu. Pior ainda, resolveu fazê-lo diante de sua filha. Ela está aprendendo isso.”
Essa criança, naquele momento, não apenas acompanhava o pai, mas absorvia uma lição silenciosa sobre prioridades e respeito ao próximo.
Lembro-me de duas situações, dentre várias, de bons exemplos coletivos que vivi fora do Brasil. Quando estudei nos Estados Unidos, aprendi que a faixa da esquerda é para ultrapassar. Depois, devemos retornar à faixa da direita.
Eu já dirigia aqui no Brasil, mas nunca tinha me atentado para isso. Meu amigo americano me orientou a parar de dirigir como jogadores de futebol: driblando.
Aprendi também que, independentemente de haver possibilidade de ultrapassagem, quando um ônibus escolar para, todos os carros atrás dele devem parar. Não respeitar essa regra de trânsito pode te custar muitos dólares.
Décadas depois, fiquei impressionado ao ver carros parando para que uma pedestre (em ato infracional) atravessasse a rua fora da faixa de trânsito. Nenhuma buzina foi acionada.
Obviamente, não esperava que, intencionalmente, o carro atropelasse a cidadã. Mas quem lida diariamente com o desrespeito em relação ao uso da faixa (seja quando um carro não para para o pedestre ou quando o pedestre atravessa fora da faixa) fica impressionado com tamanha civilidade. Nenhuma buzinada. Cultura que vem do cumprimento das leis e do exemplo.
Até no lazer o educador pensa em educação
A vida de educador é interessante. Até no lazer estamos pensando e refletindo sobre educação.
Outro dia, enquanto procurava um livro em uma das poucas livrarias de nossa capital, presenciei uma cena inusitada.
Uma criança pedia um livro para seu pai (sim, as crianças gostam de ler!). Ele checou o preço e disse: “Filho, dá para comprar umas três revistinhas. Escolhe duas lá.”
É notável a diferença que há entre o gosto pela leitura e a constância no hábito de crianças que vivem em lares de pais leitores em contraste com as que são filhas de pais que não valorizam a leitura.
Na linha diametralmente oposta à que presenciei na livraria, conversei com dois alunos no ano passado que estavam lendo o livro A Fábrica de Cretinos Digitais.
Eles me contaram que o pai comprou o livro, leu e os estimulou a ler. Esses adolescentes tinham dias marcados com os pais em que apresentavam o que estavam entendendo do livro, o que concordavam e o que discordavam.
Estavam abertos ali vários canais: apreço pela leitura de qualidade, reflexão e fortalecimento na relação pai-filho.
O exemplo arrasta
Há uma citação de um autor desconhecido que diz que “a palavra convence, mas o exemplo arrasta.”
Querer o melhor para nós mesmos e para nossos filhos e alunos é natural.
Mas ser os exemplos que os arrastarão para uma vida plena, de respeito próprio e ao outro, exige sensibilidade, sensatez e consistência.
Afinal, eles aprenderão muito mais pelo exemplo do que pelo que dizemos que eles precisam fazer. Isso dá trabalho. Mas vale muito a pena!