Foto: Freepik
Foto: Freepik

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou, no último dia 14 de janeiro, o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar mais pessoas a ingressarem na carreira docente.

Além das iniciativas já anunciadas, o programa contará com bolsas de até R$ 2.100,00 para apoiar os futuros educadores. Em minha opinião, trata-se de uma medida paliativa para enfrentar o apagão de professores previsto para os próximos anos.

Leia Também:

Enem 2024: o que os resultados apontam sobre a redação

Para atrair estudantes de ensino médio talentosos para a docência e evitar a evasão na carreira, é indispensável oferecer salários mais atrativos para os profissionais formados.

Professor, paixão e desafios

Muitas pessoas escolhem cursar licenciatura no Brasil movidas por vocação ou pela falta de outras opções. Afinal, quem acorda numa manhã decidido a se tornar professor acreditando que ficará rico?

Escolhi o curso de Letras na Universidade Federal do Espírito Santo por paixão à escrita, uma afinidade que cultivei desde a infância ao criar histórias, manter diários e compartilhar conversas literárias com meu avô.

Estudar Letras era dedicar-me ao que amo, acreditando que a vida só faz sentido quando guiada pela alegria de perseguir nossos propósitos.

Acreditava também que o retorno financeiro seria consequência natural de fazer algo com paixão. Hoje, reconheço que há uma verdade nisso, mas a realidade é mais complexa.

Remuneração raramente reflete a complexidade da profissão

Comecei a trabalhar ainda na faculdade, dando aulas particulares, o que me permitiu alcançar independência financeira cedo. No entanto, minha trajetória é bastante singular. 

Com o tempo, compreendi que os professores, tanto da rede pública quanto da privada, lidam com longas jornadas, estresse e até episódios de violência, enquanto a remuneração raramente reflete a responsabilidade e a complexidade da profissão.

Essa contradição expõe um descompasso alarmante entre as exigências feitas aos docentes e o reconhecimento que recebem, apesar da importância da docência.

Salários no Brasil são 47% inferiores aos dos países desenvolvidos

Em setembro de 2024, uma reportagem destacou que os professores brasileiros recebem salários, em média, 47% inferiores aos dos países desenvolvidos.

Os dados, provenientes do relatório Education at a Glance, também mostram que o gasto por aluno no Brasil equivale a apenas um terço da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico  (OCDE)

Além disso, foi noticiado recentemente que uma renda familiar brasileira de R$ 3.400,00 já é considerada de pobreza, e não de classe média (confira aqui).

Um professor que sustenta sua família com valores próximos a esse enfrenta uma realidade precária.

Como ele pode arcar com cursos de formação, adquirir livros ou consumir serviços e produtos culturais? Como sua saúde mental resiste aos desafios do ofício docente, somados a uma renda tão limitada?

Professor raramente ajuda a decidir sobre sua profissão

À parte disso, professores raramente são convidados a participar das decisões importantes que impactam sua profissão.

Políticas públicas, legislações e decisões jurídicas pouco consideram a voz docente. Nem mesmo dentro do microcosmo escolar, a opinião dos professores é frequentemente ouvida.

Não surpreende que muitos se sintam como marionetes, à mercê de decisões alheias.

Mesmo nas instituições federais, onde os salários são relativamente mais altos, a remuneração continua insuficiente diante da responsabilidade de produzir pesquisas, formar profissionais e promover avanços científicos.

Esses docentes estão longe de ocupar o topo da escala salarial do funcionalismo público, apesar de desempenharem um papel essencial na formação intelectual e no fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

“Você recebe exatamente o que merece”

Certa vez, ouvi um coach afirmar: “Você recebe exatamente o que merece”. Essa frase de efeito ressoou em mim, e não sei nem por onde começar a explicar o quão equivocada ela é.

Essa lógica anacrônica remete à ideia de “laissez faire, laissez passer”, como se a economia fosse, por natureza, ética ou justa.

Na realidade, os valores que recebemos são determinados por uma sociedade capitalista, frequentemente marcada por infantilidade, futilidade e ignorância, que coloca o lucro acima de tudo e utiliza as mais diversas estratégias de manipulação para sustentar esse sistema.

O que significa, afinal, merecimento?

Voltando à frase do coach, o que significa, afinal, merecimento? Os docentes merecem reconhecimento porque são os alicerces da formação cidadã, mediadores do conhecimento e agentes transformadores em comunidades vulneráveis. 

Além disso, assumem grandes responsabilidades físicas, mentais e emocionais, promovem inclusão e habilidades para o futuro de seus alunos, atualizam-se constantemente e conciliam múltiplos papéis, como planejadores, gestores e conselheiros.

O valor das coisas é moldado pela sociedade. Se os próprios professores não valorizarem sua profissão, será difícil que a sociedade o faça.

Vejo na categoria uma autoestima fragilizada, fruto de todas essas adversidades mencionadas. Em contextos de injustiça, o cinismo torna-se um perigo latente, sempre à espreita.

Repetir para reforçar; repetir para transformar

Precisamos reafirmar, incansavelmente, nossa importância para a sociedade, para os rumos do país e para a construção de vidas humanas.

Queremos ser valorizados, e isso inclui a valorização salarial. Nenhum projeto educacional eficaz — ou mesmo um projeto de país sólido — pode ignorar essa questão.

A expressão “professor por amor” enfraquece a identidade profissional docente. Nosso trabalho não é caridade nem abnegação; é uma profissão séria, que exige estudo contínuo, dedicação e compromisso com a formação de gerações. 

Por outro lado, ser “professor por dinheiro” não é um sinônimo de interesse financeiro desmedido, mas, sim, de dignidade.

Reconhecer a remuneração como parte justa do ofício reforça a importância de valorizar a profissão.

Acrescentar “com amor” a essa expressão equilibra o discurso e reforça a afetividade que muitos têm pela profissão, sem, contudo, romantizar suas condições.

Resposta paliativa ao apagão de docentes

Nesse sentido, o programa Mais Professores, lançado pelo governo federal, deve ser mais que uma resposta paliativa ao apagão de docentes: precisa ser o início de um compromisso concreto e contínuo com a valorização da carreira.

Medidas como essas têm o potencial de atrair e reter talentos, mas, para que sejam efetivas, devem vir acompanhadas de um olhar profundo sobre os desafios reais da docência, como baixos salários, jornadas exaustivas e desvalorização social.

Não somos apenas “professores por amor”. Somos “professores por dinheiro, com amor” — e isso é o que nos humaniza. Não somos heróis nem mártires; somos profissionais. E a valorização começa por nós mesmos.

É hora de valorizar nosso “passe” e exigir políticas que reconheçam a docência como a base para o futuro do país.

Larissa O’Hara Colunista
Colunista
Graduada, mestra e doutora em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Revisão de Texto e em Psicopedagogia.