Dizem que o Carnaval é a festa mais democrática do Brasil, quiçá do mundo. Esta fama não é dada à folia a toa, pois participam dela pessoas das mais diversas classes sociais, profissões e até mesmo vocações religiosas. Este é o caso do padre Roberto Camillato, que no começo dos anos 2000 deu início a uma curiosa tradição.
O padre é o responsável por abençoar os integrantes, instrumentos, músicas e quem mais comparecer à quadra da Associação Cultural Social e Esportiva Grêmio Recreativo Escola de Samba Novo Império, que desfila neste sábado (3), no Sambão do Povo, no Carnaval de Vitória.
Ele conta que a tradição começou na década de 1980, quando ainda era pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Providência, em São Paulo. E foi frequentando ensaios de uma famosa escola de samba da terra da garoa que a ideia surgiu.
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“Por 17 anos, eu fui pároco na Paróquia de Nossa Senhora da Providência, no Morumbi, em São Paulo. Eu frequentava meses antes do Carnaval com paroquianos meus, diretores de harmonia, aos ensaios da famosa escola de samba Vai-Vai. No último dia do ensaio geral, os padres e até bispos que passavam pela paróquia do bairro do Bexiga abençoavam anualmente a escola de samba com seus integrantes todos”, disse.
Em Sampa, foram 17 anos como pároco, de 1983 a 2000, ano em que retornou a Vitória, para se dedicar à Paróquia de Santo Antônio. Em 2003, a ideia de abençoar a escola de coração, a Novo Império, saiu do papel.
Ao invés de apenas visitar os membros da agremiação, o padre resolveu inovar: a bênção ganharia uma missa completa.
“No ano de 2000, voltando à terra capixaba, e inspirado por esta boa iniciativa eu introduzi junto à diretoria da Novo Império ou da escola de samba Novo Império, não só a bênção, mas também a missa no Santuário Basílica de Santo Antônio, na semana-véspera, do desfile das escolas de samba em Vitória”, conta.
A missa durou até o ano de 2022. Em janeiro do ano passado, o padre terminou sua missão no santuário basílica e, em 2024, por conta da correria para os preparativos do Carnaval, a bênção aconteceu na quadra da escola, com todos os membros.
Cria da Vila Rubim
A paixão pela Novo Império começou cedo, desde menininho. Como cria da Vila Rubim, Camillato viu a escola de samba tomar forma. De uma ideia, se tornou um estilo de vida para muitos moradores do local, em uma época em que o samba começava a despontar na cidade.
Naquele tempo, o nome da agremiação era outro: Escola de Samba Império da Vila. Foi ali que, ainda criança, o padre relata que começou a nutrir sentimentos de comunidade.
“A Novo Império nasceu na ladeira São Lucas, na Vila Rubim, próximo ao mercado da Vila Rubim e numa época em que o samba estava ganhando prosperidade em Vitória, e eu sou como que cria da Vila Rubim. Ainda criança via a Escola de Samba Império da Vila, por causa da Vila Rubim. Com novos estatutos, passou a ser chamada escola de samba Novo Império, e eu por isso tenho raízes nesta escola desde criança”.
Está no sangue
A esta altura muitas pessoas podem estar se perguntando: mas um padre gostar de Carnaval? Como pode? A resposta é bem simples: a paixão pela festa vem de berço, bem antes da batina.
Camillatto conta que, nos anos 1940, os pais, irmãos, tios, tias, padrinhos, amigos da família, todo mundo mesmo, gostavam bastante do Carnaval. A família era responsável até mesmo por um bloco: Pierrôs e Colombinas.
“A minha família, meus tios e tias, padrinhos, madrinhas, e amigos deles, todos na década de 1940, brilhavam pela Avenida Jerônimo Monteiro e Parque Moscoso com o bloco Pierrôs e Colombinas, com máscaras muito chiques, reunindo no grupo 60 a 70 pessoas. E eu nasci neste contexto carnavalesco”.
De acordo com ele, o bloco fazia sucesso e era um dos mais esperados pelos carnavalescos, que tomavam as ruas do Centro de Vitória durante a época de folia.
“É de raiz da minha família, parentes e amigos. Um detalhe interessante: todos os foliões em pleno centro histórico de Vitória não viam a hora de aparecer esse bloco nas tardes de domingo, segunda e terça na avenida”.
Uma festa do povo
De acordo com o padre, o Carnaval representa uma festa do povo e é no meio das pessoas que um religioso deve estar. Ele conta que todos os membros católicos da Novo Império pertencem à paróquia em que esteve por mais de 20 anos. Ali, todos são “seus jovens”.
Diversos dos compositores da Novo Império não só frequentam a igreja, como são músicos da paróquia e estiveram ao lado do padre durante todos os anos de sacerdócio. São lideres de paróquia, cantam as liturgias.
“O Carnaval é uma festa do povo, e eu lido com o povo na igreja, eu sou um padre do povo. Quando então na paróquia, aqui compreendendo Santo Antônio, Caratoíra e toda a região do Centro da cidade, se reúnem como comunidade na escola de samba Novo Império, com todas as lideranças da paróquia. Inclusive, os compositores dos sambas-enredos da Novo Império, os que tocam cavaquinho e violão, os que são intérpretes, puxadores, são todos meus jovens aqui da paróquia, como eu não ia meter no meio? Tenho mais é que apoiar, ajudá-los a refletir e integrar”, afirmou.
E apesar de entrar na brincadeira com a escola de samba, deixa claro: a ideia é também manter a moral, a dignidade e a ética durante o período de festividades. Para ele, é necessário resgatar a essência do Carnaval, de uma festa sadia.
“Com a bênção que dou e a missa que sempre tivemos, fazer valer a moral, a ética, a dignidade, o respeito, dentro do Carnaval, porque como padre, tenho que fazer isso, não tenho somente que integrar com eles, mas tenho que fazer alerta para o comportamento, as atitudes, de modo que seja uma festa digna, uma festa sadia.”
Presença certa na avenida
A Novo Império faz seu abre-alas no Sambão do Povo neste sábado (3), no segundo dia do Carnaval de Vitória e, de acordo com o padre, sua presença na avenida não é negociável com os membros da agremiação.
Segundo os puxadores da Novo Império, a presença de Camillato nos desfiles é essencial, porque, de acordo com eles, sem o padre, a festa não tem graça, ele é o talismã do grupo.
“Eu vou estar lá junto com a paróquia, eles dizem que sem mim não tem graça. Eu não faço diferença se a escola vai ganhar ou perder, mas fazem questão, todos os puxadores. Aliás, puxadores não, intérpretes. Jamelão mesmo dizia que não era um puxador, era um intérprete, um artista”, se diverte.
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