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“Outros sentidos”: fotógrafos cegos produzem imagens para exposição

Cinthya de Oliveira, Maria Trancoso e Manoel Peçanha participam da exibição "Aqui Eu Habitei"; são 80 fotos de 12 fotógrafos, expostas até dia 26 de dezembro

Maeli Radis

Redação Folha Vitória
Foto: Thiago Soares

Em um dia de céu encoberto, no Parque da Prainha, em Vila Velha, enquanto crianças de todos os tamanhos corriam e jogavam bola, três fotógrafos cegos que participam da exposição "Aqui Eu Habitei", organizada pela Escola de Fotógrafos Cegos, contaram as histórias por trás dos seus cliques. 

Cinthya de Oliveira, de 27 anos, Maria Trancoso, de 51, e Manoel Peçanha, de 56 - "mas com carinha de 25, né?!", como ele brincou, - fazem parte dos 12 artistas que produziram 80 imagens para exibição que acontece simultaneamente em cinco locais do município: Parque da Prainha (Centro), Praça de Coqueiral de Itaparica, Praça José Vereza (Aribiri), Praça do Cibien (Cobilândia) e Praça da Barra do Jucu.

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Todos eles são totalmente cegos - enquanto Cinthya e Manoel nasceram assim, Maria perdeu a visão aos 36 anos - e compartilham o amor pelas câmeras. Porém, a história de cada um deles com a fotografia é única.

"Nunca imaginei na vida que eu iria fotografar um dia. Mas desde criança, sempre gostei de ser fotografada, adorava. Eu comecei a fotografar em 2022, quando conheci a Rejane Arruda [diretora da Escola] e o projeto de teatro Cena Diversa.  Teve o processo seletivo, eu passei e começamos em agosto de 2022", contou Cinthya. 
Foto: Thiago Soares

Já Manoel, cujo pai era fotógrafo, sonhava com o "impossível". Ele pegava o monóculo do pai e brincava, tentando tirar fotos também. 

"Quando tive a oportunidade de conhecer o projeto, pensei: 'É agora!'. Fiz o teste, passei e comecei uma tarefa muito grande: fotografar aquilo que eu almejava, um pássaro. Não é fácil, porque ele não espera por você, mas sabe o que aconteceu? Ele me esperou! Não existe nada impossível. Existe força, determinação e paciência", declarou.

Maria sempre gostou de congelar momentos por meio de sua lente, mas demorou alguns anos para voltar a tirar fotos depois de perder a visão, e só o fez quando conheceu o projeto por meio de uma amiga. Hoje, fotografa de tudo.

"Eu gosto de fotografar pessoas, objetos, paisagens, desde que consiga encaixar nos princípios estéticos que a gente aprende na escola", disse.
Foto: Thiago Soares

Montando o cenário com outros sentidos

Talvez a primeira pergunta que você se fez foi: "como as fotos são feitas sem que os fotógrafos vejam o alvo da lente com os olhos?". A reposta é simples, com muita sensibilidade. 

"A gente usa outros sentidos. Os professores descrevem para a gente, por exemplo: 'Olha, aqui é uma pracinha, as crianças estão brincando, tem banco...', e a gente escolhe como vai clicar. Se queremos usar o zoom, por exemplo. Como sabemos que tem zoom? A gente sobe a lente e, quando ela está toda para fora, sabemos que está no máximo de zoom. Quando guardamos a lente, sabemos que não tem mais zoom, ou seja, a foto está de longe. Tudo isso a Rejane nos ensinou. A gente seguia as descrições dos professores e também nossa intuição", explicou Cinthya. 

A resposta pode parecer simples, mas o desafio é grande. Maria contou que exige muito trabalho. 

"A fotografia cega, para mim, é um grande desafio, porque você precisa extrair uma imagem legal daquilo que não está vendo. Fica algo muito subjetivo, né? Então, realmente preciso trabalhar isso na minha mente, o que torna tudo um desafio".

Todo o esforço se transforma em arte, cliques que saíram da subjetividade de cada um e agora estão expostos em pontos de Vila Velha. Fotos que marcaram a vida e a carreira de cada um deles. Para Manoel, esse registro especial acabou virando o tema da primeira exposição da escola.

"Foi uma foto de uma rosa. Coloquei a rosa na palma da mão e fotografei. Essa foto foi tema da nossa primeira exposição, que ficou aproximadamente 30 dias no Parque Moscoso, em Vitória. Essa foto marcou demais a minha vida. Eu estava em Santa Maria de Jetibá, já bem cansado. Comecei a tirar fotos pela manhã e já era mais ou menos umas 16h30. Falei: 'Essa vai ser a última'. Tirei, e essa foto acabou virando a foto da exposição. Foi a foto da sensibilidade, a foto que capturou o que significa 'Quando fecho os olhos vejo mais perto'", relembrou.
Foto: Thiago Soares

"Aqui Eu Habitei"

Rejane Arruda, diretora artística da Escola de Fotógrafos Cegos e coordenadora da exposição, explicou o conceito da exposição, chamada "Aqui Eu Habitei", que ficarão até o dia 26 no Parque da Prainha (Centro), Praça de Coqueiral de Itaparica, Praça José Vereza (Aribiri), Praça do Cibien (Cobilândia) e Praça da Barra do Jucu. 

"Trata das diversas formas de habitar espaços diversos, incluindo o sonho, a memória, o passado, as relações, a paixão, o amor, os conflitos, os desafios, as superações da vida. Onde você habita e como você habita foi a pergunta que fiz aos fotógrafos cegos, e eles me ofereceram palavras que me guiaram na escolha das imagens", afirmou. 

Para tornar a experiência acessível, a exposição oferece audiodescrição, atendimento em Libras e totens retroiluminados.

O projeto é uma realização da Associação Sociedade Cultura e Arte (SOCA Brasil) e da Cia Poéticas da Cena Contemporânea, com patrocínio da ES Gás e da Perfil Alumínio do Brasil, viabilizado pelas Leis de Incentivo à Cultura Rouanet e Capixaba (LICC). Conta ainda com apoio do Governo do Espírito Santo, Instituto Energisa e Prefeitura de Vila Velha.

Veja o vídeo com depoimento dos fotógrafos: