A educação é apontada como a principal ferramenta para mudar a realidade das pessoas. E em um cenário econômico positivo, qual é a influência da formação escolar? Para alguns especialistas, a relação é direta e o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo é um dos que pensam desta forma. Tanto que o Espírito Santo investe em educação e já alcança resultados com isso.
O Estado alcançou o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre as redes estaduais de ensino do Brasil no ensino médio com nota 4,8. Dos anos iniciais da educação básica, ficou em quinto lugar com 6,3 e nos anos finais do ensino fundamental, em terceiro lugar com a nota 5,3. A educação de tempo integral, a cada ano, ganha mais unidades e é um dos principais focos para melhorar os índices educacionais do Estado.
A rede de escolas capixabas dessa modalidade está em 184 unidades. A informação do governo é de que desde o ano passado, todos os municípios têm pelo menos uma escola de tempo integral. E as metas são ampliar ainda mais esses números. Essa é uma das metas do secretário Vitor de Angelo, que fala do tema com propriedade.
Ele assumiu o cargo de secretário de Estado de Educação no início da gestão Casagrande em 2019. Na época, era o mais novo secretário estadual de Educação do país, com 36 anos. Ele é formado na UFES, fez doutorado e pós-doutorado na França. Pegou uma pandemia pela frente. Agora, tem a chance de colocar a política de Estado de Educação de fato em prática.
Confira abaixo a entrevista:
Em linhas gerais, qual é a política do Espírito Santo para a Educação?
Acho que não tem uma, porque tem várias coisas que vão se complementando. Por exemplo, a oferta de ensino em tempo integral integrada à educação profissional e técnica é uma estratégia. Mas, certamente, se eu pudesse resumir, a política de Educação do Espírito Santo é uma política que, de forma intencional, busca elevar a qualidade do nosso ensino, através de estratégias para as quais nós temos evidências robustas.
Não é “vamos seguir por aqui porque parece que é um bom caminho” ou “alguém me diz que por ali vai dar certo”. A gente se baseia em experiências que em outros estados deram certo, que aqui deram certo, que no exterior deram certo. O tempo integral, por exemplo, é uma dessas experiências. Basicamente a ideia é que a gente possa ter uma ampliação da jornada. Então tem mais horas para expor o estudante a uma situação de aprendizagem.
Muitos países do mundo usam esse tempo de exposição, como o senhor está falando, como uma referência. Por exemplo, a Coreia do Sul é o país no mundo onde o estudante fica mais tempo em contato com a Educação. Tem esse objetivo aqui no Estado?
Eu diria que sim. Isso não vai acontecer na minha gestão, porque é uma coisa que vai demorar um pouquinho mais de tempo, a meu ver. Espero que não tanto, mas vai demorar mais do que dois anos, que é o que a gente tem para encerrar este mandato do governador Casagrande.
A gente não deve ter na escola de tempo integral um programa, a escola precisa ser assim.
Eu estive num outro país no ano passado, junto com alguns secretários. Um colega levantou a mão e fez uma pergunta sobre escola em tempo integral. O representante do Ministério da Educação daquele país nem entendeu a pergunta. Por quê? Porque não existe escola em tempo integral. Assim é a escola daquele lugar. As crianças, jovens, adolescentes entram às 8h, saem às 3h. São 7 horas, alimentam-se duas, três vezes e é isso.
Aqui a escola em tempo integral tem o status de um programa, é uma política específica. Eu acho que a gente precisa avançar não só para a universalização da oferta, que é uma coisa que a gente está caminhando para fazer. Neste governo já fizemos no nível dos municípios, como você disse, em cada município já tem uma escola. Depois avançar para que em todo lugar do Espírito Santo quem quiser se matricular numa escola em tempo integral possa fazê-lo, mas ainda guardando a oferta em tempo parcial e em algum momento mais adiante que as pessoas entendam que não faz sentido a oferta em tempo parcial.
Não faz sentido passar menos horas na escola. Não faz sentido a gente lutar para ter uma jornada menor para os nossos filhos, para os nossos netos. Na verdade a escola precisa ter 7 horas e isso é uma escola.
O que os números do Ideb dizem hoje sobre o profissional que vai estar no mercado daqui a 5, 10 anos?
A gente está falando de educação pública e educação pública tem as contradições que existem na sociedade refletidas ali, porque nossa escola não tem filtro. Ela é aberta a todas as pessoas, independente do seu nível de proficiência. E essa proficiência, muitas vezes, é carregada já desde a formação inicial, que não foi no governo do Estado. Então, a gente está olhando aqui já para o finalzinho dessa trajetória.
Tem fragilidades, naturalmente, e a gente tem procurado, como governo estadual, corrigi-las, nem tanto na nossa rede, mas apoiando os municípios para que eles possam fazê-lo. A gente tem feito um investimento muito grande aqui. No caso do ensino médio, já é mais a porta de saída, a gente tem procurado desenvolver, no tempo que nós temos, que é bastante curto, né? É a etapa do ensino básico, da educação básica, mais curta, são três anos só.
Mas, desenvolver as competências que esse estudante vai encontrar numa vida laboral, que se já não começou, porque ele já está em idade laboral, vai começar logo na sequência. A educação profissional e técnica é uma estratégia, mas eu acho que também desenvolver o ensino da matemática, o pensamento matemático, raciocínio lógico, que acaba sendo uma fragilidade nacional, inclusive nas escolas particulares, e é base para tantos outros conhecimentos, essa tem sido uma meta da secretaria.
A gente tem sido exitoso nisso, porque o Espírito Santo é o estado com melhor proficiência em matemática e já não é a primeira vez. Tivemos esse resultado agora e também no último Ideb. A gente foi o Estado com maior percentual de estudantes proficientes no nível avançado em matemática.
O estudante capixaba é formado ou pode ser formado de acordo com a necessidade de mão de obra do mercado?
Sem dúvida. Eu acho que quando a gente pensa o mundo do trabalho, a gente tem desde os empregos que já existem até outros que existirão, mas é o profissional que vai buscar o emprego. E tem o universo do mundo do trabalho que está aberto também ao empreendedorismo. Talvez abrindo uma empresa que vai gerar emprego para outros.
A gente prepara esse estudante para o mundo do trabalho.
Mas, claro, como tem uma oferta grande e uma procura grande das empresas por empregos que não encontram profissionais qualificados, então sim, a gente tem desse ponto de vista também pensado, e já hoje, nem para o futuro, numa formação, sobretudo por meio da oferta de ensino profissional e técnico, cujos cursos muitas vezes são discutidos, apresentados e pensados junto com as empresas, junto com o setor produtivo, olhando para os arranjos produtivos locais que a gente tem no Espírito Santo, que são muito distintos apesar de o Estado ser pequeno, territorialmente, e procurando nas escolas, nos territórios específicos, para ofertar cursos que são condizentes com a aquele contexto.
Parece que o Estado, de forma geral, não faz com que esse microempreendedor individual queira crescer, queira se desenvolver, queira virar uma grande empresa. É possível corrigir isso com educação?
Você tem parte de razão aqui no diagnóstico. A gente sempre escuta empresários, independente do tamanho dos seus empreendimentos, reclamando dos impostos, reclamando muitas vezes da burocracia, não é a área pela qual eu respondo, mas como parte de um governo, eu posso testemunhar o esforço do governador Casagrande em destravar uma série desses processos aqui no Espírito Santo.
Nem tudo, claro, é competência do governo estadual, como você bem disse, são os governos, muitas vezes a gente destrava pelo Estado e fica travado pelo nacional, fica travado pelo município onde está o empreendimento.
Pela educação, eu acho que o que nós temos talvez um duplo papel aqui. E estou pensando provocado pela sua questão. Primeiro um senso crítico a respeito dessa realidade, então é importante a gente ter pessoas que possam, a partir de provocações como essa que você trouxe, refletir sobre, por exemplo, o ambiente econômico, e acho que isso é um grande papel que a educação pode ter, ela faz isso na política, ela faz isso na sociedade, ela pode fazer isso para um pensamento e uma reflexão econômica.
E outra coisa é para que você possa empreender. O empreendimento, eu fiz menção a isso há pouco, talvez sugerindo mais um sentido de abrir um negócio, mas a gente pode ser um empreendedor no negócio dos outros. Então, é possível ter uma postura empreendedora mesmo sendo funcionário de uma empresa, porque disso também parte resiliência, coragem, espírito de desbravar o desconhecido.
Mas, antes de mais nada, é um olhar crítico sobre um mercado que não tem um produto, eu vou lá empreendo, ou um olhar crítico sobre um processo, que é o processo que eu executo na empresa de um terceiro, que é o meu empregador, mas eu vou lá e aprimoro aquele processo. Eu acho que a educação tem um papel muito importante. Porque você pensa: “vou formar empreendedores”, mas quando ele chega no mercado ele dá com a porta na cara. Fica o desafio, de a gente trabalhar constantemente para diminuir esse estado de coisas que você traz.
Como o momento econômico do Estado se reflete na sala de aula?
Eu acho que quando pensamos no ensino médio, se reflete positivamente. Porque você tem condições aqui, pensando no estudante que está querendo trabalhar ou podendo trabalhar, ou mesmo na iminência de buscar um trabalho ou de empreender. Ele encontra um contexto muito favorável. Muitas vezes, a gente já falou sobre isso aqui um pouco tangencialmente, ele não tem a formação necessária. Ele não tem as competências que o mercado está procurando.
Daí o nosso esforço como gestor de uma rede de quase 400 escolas em procurar alinhar aquilo que a gente está ofertando como educação e formação, portanto, com as demandas do mercado.
Agora, o momento econômico também favorece muito para os investimentos nas escolas. Na rede como um todo e mesmo nas redes municipais. O Estado mais organizado, que tem uma condição fiscal e orçamentária positiva, consegue fazer entregas, consegue fazer uma política pública. Que no caso da educação, lá na ponta, se concretiza na forma de uma escola reformada, de uma escola construída, de uma escola moderna, de um aumento de remuneração para o professor, valorizando um profissional que é essencial nesse processo todo que a gente tá discutindo.
Então eu acho que nós, como Educação, temos nos beneficiado muito nos últimos anos pelas boas condições econômicas do Estado.
Como o Estado trabalha a tecnologia na sala de aula? Tem recurso para isso?
Tem. Como eu falei, a gente tem se beneficiado nos últimos anos dessa condição financeira para fazer investimentos importantes. E aí eu vou citar um projeto, poderia citar diversas coisas, mas vou citar esse que é um bom exemplo, a meu ver, que é o projeto Escola do Futuro. Nós temos o compromisso de certificar 25% das nossas escolas como Escolas do Futuro. Não são escolas novas, são as escolas que a gente tem, mas que serão certificadas porque elas vão ser convertidas num modelo dedicado a trabalhar os processos com inovação e fomentar a cultura digital.
Claro, a inovação não precisa necessariamente ter tecnologia, mas quando a gente fala de cultura digital, a gente está falando de inovação com tecnologia. E aí isso envolve tanto os equipamentos, a que você fez referência, que são comprados, entregues e disponibilizados nessas escolas. São óculos 3D, óculos VR, impressora 3D, telas interativas que nós já temos em algumas escolas, computadores móveis disponibilizados a todos os estudantes, inclusive pessoais que eles podem levar para casa.
Tem muita coisa em termos de equipamento, mas tem também o próprio pensamento computacional. Tem toda a inovação que precisa desses equipamentos, mas para fomentar o seu uso tem todo um pensamento que vai. Pensamento racional, matemático, lógico, que vai se espraiar para os outros componentes curriculares, mesmo da área de humanas e ciências, que tem nesse pensamento um fundamento tão importante para muito do que é discutido ali.
Para onde é preciso direcionar hoje o aluno que vai ser o profissional amanhã?
Nós temos desde as competências técnicas às competências comportamentais. Não sei se você já ouviu alguma coisa assim, mas dizem que a pessoa é contratada pelo currículo e depois ela sai pelo comportamento dentro da empresa. E a gente sabe, é verdade. A gente já viu isso, se não já experimentou talvez. Tem algo que é a educação integral. Não é educação em tempo integral, vale diferenciar. Educação em tempo integral é mais horas na escola. Educação integral é olhar o sujeito como um todo.
E ele tem uma parte que é de conhecimento, é matemática, é biologia, são as disciplinas. Mas, tem toda uma série de outras competências de natureza mais relacional que a legislação federal já estabelece como obrigação nossa para trabalhar, para desenvolver e aí fazendo uma conexão com sua pergunta e essa questão, ou seja, do que ele precisa para o mercado? Com certeza, além de conhecimento técnico, ter competências comportamentais muito bem desenvolvidas. Agora, precisa ter competência técnica, porque sem isso também você pode ser o melhor relações públicas, mas não vai ficar um dia na empresa.
E aí são as áreas e as formações dirigidas a áreas específicas. A gente tem áreas, como é o comércio exterior, logística, toda a parte de infraestrutura. Recursos humanos, tem muito demanda. Turismo. Mas as principais eu diria, comércio exterior e logística. Há uma altíssima demanda ainda por esses cursos, por essas áreas, de um modo geral. Quando a gente vai entrando nas regiões e nos arranjos locais, aí você encontra coisas específicas. Um setor moveleiro, setor de extração mineral. Então são coisas específicas para as quais a gente vem procurando preparar os nossos estudantes. Não só com aquela base comum, mas também com formação técnica profissional, com cursos específicos dirigidos e focados segundo essas demandas e contextos locais.
A política deve fazer parte do ensino?
Eu acho que sim. Bom, eu sou cientista político, então para mim falar de política é a coisa mais natural do mundo, mas eu acho que sim, porque na medida em que é uma dimensão da vida, eu não só não tenho como isolá-la, porque todo sujeito é um sujeito político, como ela merece ser espaço de debate.
Eu não estou falando de proselitismo, assim como eu também não estou falando de uma discussão de pouca qualificação quando eu estou falando de economia, de cultura, de sociedade. Estou falando de debater uma dimensão da vida que nós não temos como nos descolar dela, porque ela faz parte da gente.
Eu acho que a escola, como espaço de discussão, de crítica, de debate, durante muitos anos inclusive, é um espaço super apropriado para a gente fazer esse debate sobre política. Sim, a política deve ter espaço.
Vitor de Angelo é secretário de Estado da Educação
Veja abaixo a entrevista completa: