Educação e oportunidade andam juntas e a formação escolar pode mudar a realidade das pessoas. Pelo menos é nisso que o Instituto Ponte se baseia para transformar a vida de famílias inteiras.

O Instituto Ponte é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em setembro de 2014, com a missão de ser a ponte para a ascensão social de jovens em vulnerabilidade social. 

O instituto identifica estudantes talentosos do sétimo ano do ensino fundamental 2 ao segundo ano do ensino médio de escolas públicas de qualquer cidade do Brasil e concede acesso a atividades de desenvolvimento nos aspectos acadêmicos e socioemocionais do ensino fundamental à universidade. 

Atualmente, 365 alunos de 13 estados do Brasil são beneficiados pelo Instituto Ponte. São 129 bolsistas em 32 escolas parceiras, com os melhores resultados do Enem em seus estados.

A iniciativa é de Bartira Almeida, que é cofundadora e presidente do Instituto Ponte, além de ser também presidente do Conselho de Administração da Morar Construtora e Incorporadora. 

Confira nesta Entrevista de Domingo

A educação, na prática, muda a realidade das pessoas? Como isso acontece?

Transforma. Educação faz você sonhar diferente, faz você não aceitar coisas que acontecem ao seu redor e mostra o que de fato você pode viver, faz você ter pensamento crítico. Educação, para mim, é um grande diferencial na vida. 

E como surgiu a ideia do Instituto Ponte? Como ele se desenvolveu? Como é que foi isso para você? 

Eu era executiva na Morar Construtora, a empresa foi fundada pelos meus pais. Trabalhei lá por 20 anos. Em 2012 estávamos discutindo a sucessão na empresa. Meu pai perguntou se eu queria ser presidente, não significa que eu seria, mas acho que meu pai foi muito inteligente ali na pergunta dele.

E eu estava próxima dos 40 anos, aí você questiona assim: o que eu quero fazer mesmo, de fato, na segunda metade produtiva da minha vida? O que eu vou fazer com isso tudo? Não quis ser presidente da empresa. 

Com uma situação financeira resolvida eu pensei: Onde eu quero gastar a minha energia? E aí eu saí visitando projetos pelo Brasil. Visitei 42. Encontrei muitos projetos sérios.

Eu sou muito voltada para resultado. Para mim, isso é muito significativo. E aí eu conheci um projeto muito legal em Curitiba chamado Bom Aluno. E um muito legal em Fortaleza chamado Primeira Chance. 

Aí eu me associei a essas duas instituições. Eu gosto muito do Espírito Santo, queria fazer o projeto aqui. Então fiz associação, vim ao Espírito Santo e fundei em 2014 o Instituto Ponte.

Qual o papel de instituições de ensino no desenvolvimento do Instituto Ponte? Como é que foram esses dez anos e essas parcerias com instituições de ensino? 

As escolas particulares, regulares, e as escolas de inglês são os principais parceiros do Instituto Ponte. Elas que viabilizam o Instituto Ponte, permitem ele existir.

Buscamos um aluno talentoso dentro da escola pública, com renda familiar de no máximo um salário mínimo e meio.

A gente vai trabalhar esse aluno no contraturno, na parte do desenvolvimento pessoal, hábitos de estudo e depois se for opção para o aluno a gente oferece a ele estudar numa escola particular.

Todas as escolas dão bolsa com 100% de desconto para o Instituto Ponte. Elas permitem oferecer uma educação de muita qualidade com um custo muito baixo. Nós temos 365 alunos e cada aluno custa em média apenas R$ 10.800 por ano.

Quem, com R$ 900 por mês, dá uma boa escola, paga o material escolar, transporte, uniforme? Só o Instituto Ponte. Por causa das parcerias. 

 

Como é operacionalizar isso? E eu pergunto pelo seguinte. Às vezes não é só ter uma boa escola. Porque você tem organizações familiares não muito estruturadas, crianças, adolescentes morando em locais de altíssimo risco, com exposição a todos os tipos de perigos modernos, desde o tráfico de drogas, criminalidade, à falta de saneamento

Uma coisa muito importante do nosso processo é a seleção do aluno. Eu falo que, se a gente acertar o aluno, 30% do nosso trabalho está feito, mas a gente não está olhando muito o local onde ele mora, isso não é tão fundamental.

É mais o quanto esse aluno quer mudar a realidade dele. Porque a realidade não vai ser fácil, a trajetória é difícil.

Então você achar aquele menino ou menina que tem uma inteligência acima da média e que quer muito mudar a realidade é o ponto mais importante. 

E essa operacionalização você tem que ter um olhar um pouco individualizado. O Instituto Ponte hoje tem uma equipe de pedagogos, de psicólogos, que a gente vai trabalhando e fortalecendo o aluno.

Ele vai sair de uma realidade de manhã, vai para uma escola, e à noite ele volta para a mesma casa dele. Vai para uma escola que custa R$7 mil, R$8 mil, tem contato com realidades completamente diferentes.

É um impacto muito grande para o aluno e um impacto muito grande para a comunidade escolar. É uma troca. 

Isso é uma coisa que o Instituto Ponte me ensinou muito. No início é como se eu fosse levar para esse aluno da periferia alguma coisa.

E hoje, dez anos depois, eu entendo que estou levando e ele também está trazendo. Eu quero só ressaltar que é uma troca.

O meu aluno, o aluno de baixa renda, está aprendendo com um aluno de uma renda maior, sobre uma  coisa que ele nem sabia que existia. Mas ele também está trazendo uma realidade de Brasil muito grande para quem vive na bolha. 

Você acha que isso é bom ou é ruim? 

Para mim, isso é muito bom, o aluno sonhar que pode chegar lá. E o que a gente faz no Instituto, ninguém pensa que é vítima, pobre coitado.

A gente trabalha isso dentro do Instituto. Outro dia eu ganhei uma lição de uma aluna. Essas festas de 15 anos que são enormes.

Ela estava na festa e eu perguntei: “O que você acha dessa festa?”. Ela disse: “Um dia eu ainda vou dar uma”. É muito como você reage aos fatos. E a gente trabalha com o nosso aluno que esse Brasil que ele nem sabia que existia, ele pode participar e um dia ele pode ser, se for valor para ele, uma pessoa que está dando essa festa. 

O que é mais estratégico, a educação básica ou superior? Dá para corrigir a trajetória do aluno no meio dessa jornada? 

Eu estou aprendendo que dá para corrigir e não tenho dúvida de que o Brasil tem que investir mais na educação básica; 95% das pessoas que concluem o ensino público não sabem uma conta de percentual.

Se você  está contratando e a pessoa vem da escola pública, começa a ensinar a divisão em percentual.

A gente ensinar o básico hoje é mais urgente para o Brasil. 

 

Como você identifica desafios e oportunidades no Espírito Santo, nessa área de educação principalmente? 

Tem inúmeras oportunidades. Temos todo um Brasil para ser construído, de vários tipos de escola. Acabamos de ter agora a abertura de uma Escola Americana, de uma proposta de uma escola diferente.

O mercado quer um profissional que saiba criticar, que ele não está ali só para fazer, obedecer ordem.

O mercado quer um profissional que tenha uma boa saúde mental, que quando recebe uma crítica enxerga oportunidade de melhoria. 

Educação é uma coisa que o brasileiro já entendeu que é importante. Se você tem uma educação de ponta, você consegue, de fato, fazer o jovem evoluir. Isso tem muito valor.

Olhando para o momento econômico do Estado, você acha que a formação oferecida hoje favorece o desenvolvimento? 

Hoje, 86% dos jovens estão estudando no ensino público no Espírito Santo. Essa média no Brasil é 80%.

Nós temos ilhas de educação muito boas aqui no Estado, temos escolas reconhecidas nacionalmente, muito boas, mas é muito importante a gente melhorar a educação pública para conseguir ter o profissional que a gente quer na empresa. 

Como é que faz isso? 

Educação pública é muito difícil a melhora, eu não tenho competência para falar sobre isso. O que eu posso falar é que os jovens, se forem desafiados, se tiverem  outras referências, mudam de vida. 

Como você acha que a educação evolui no Espírito Santo? 

Quem tira cinco, menos de cinco, não está aprendendo. É muito pouco. Mas, eu acho que a gente tem uma tendência de melhora.

O Estado tem educação integral. É uma proposta que tem anos que a gente está trabalhando. Eu acredito nessa educação integral. E paralelo a isso, nós temos várias instituições particulares que oferecem boa educação de Ensino Médio. 

Qual o papel da instituição particular nesse esquema de educação do Estado?

Política pública não é uma área que eu conheço muito, mas eu posso falar que o governo federal tem um programa de muito sucesso que é o Prouni, que compra a vaga no ensino superior.

Por que não implementar isso também no ensino médio? Nas escolas também tem ociosidade. O Instituto Ponte trabalha na ociosidade das escolas. Esse é um caminho.

Que resultados você percebe?

Nessa trajetória nossa, o resultado que eu mais me orgulho é que nos 10 anos do Instituto Ponte a gente pegou o menino ali com 14, 13 anos, no final do fundamental 1 ou no início do ensino médio e hoje mais de um quarto dos nossos universitários no segundo ano de faculdade já ganhou 2,3 vezes mais do que sua renda familiar média per capita.

A gente pega a família de no máximo um salário mínimo e meio de renda per capita e nosso aluno está ganhando R$4 mil. Ele faz um estágio com R$2.500 a R$3.500 de bolsa estágio, R$1 mil de bolsa alimentação. 

Nesse nosso propósito a gente alcançaria, a minha ideia inicial, a ascensão social em uma geração, quando ele concluísse a universidade.

Nós já temos 28% alcançando no segundo ano de faculdade. Que é um grande avanço. A educação é o caminho, é a transformação.

Educação é onde eu acredito que mudamos nossa rota.

 

Temos espaço para empreender em educação no Espírito Santo? 

Um dado que me assusta muito e que eu acho que é muito pouco falado é que um terço dos nossos jovens entre 18 e 24 anos são “nem nem”. Um terço não trabalha e não estuda.

Que nação a gente está construindo? E se a gente oferecer para esse jovem uma coisa que faça sentido para ele? Eu não acredito que a pessoa diga: “Ah, eu não quero fazer nada”. 

A escola não conversa com o jovem e alguns fatores levaram esses jovens a ficar nessa situação. Tem uma lacuna aí esperando alguém fazer alguma coisa que interessa para esse jovem.

Eu tenho certeza que o governo está interessado em fazer essa parceria e alguma coisa eles podem pagar para isso acontecer. Isso é um dado que me chama muita atenção. 

A gente teve uma pandemia que foi muito difícil para todo mundo. O que você acha da educação à distância? Pode ser uma boa opção na formação de jovens? 

A pandemia foi muito boa para o Instituto Ponte. A gente criou o Instituto Ponte Híbrido. Antes só atuávamos no Espírito Santo e hoje estamos em três estados.

O que a gente trabalha é buscar um aluno de qualquer lugar. Se ele mora no interior da Bahia, vai fazer o contraturno conosco e a gente vai conseguir uma escola particular perto da casa dele.

Eu posso falar que de forma híbrida a gente tem tido muito sucesso de diversas formas, tanto de ensinar matemática e português, como também ensinar autoconhecimento, aspectos socioemocionais. E a gente completa com alguma parte presencial. 

Como você vê o futuro da educação à distância? 

Eu acho que tem muita, muita coisa que dá para fazer online. Mas, de alguma forma, tem que ter algum contato físico. O aluno não pode ficar só naquela telinha. Eu acredito muito no modelo híbrido. 

O que falta para o Estado ter educação pública de qualidade?

Eu não vou falar que é só no Estado. Eu acho que, de modo geral, hoje a educação está conversando pouco com o que o aluno deseja.

Há uma distância entre o que é oferecido na sala de aula e entre uma coisa para você conseguir a conexão com o aluno, para ele conseguir visualizar qual é o próximo passo quando terminar a escola. Eu acho que não é só no Espírito Santo, isso é em nível nacional. 

Para onde o Espírito Santo tende a crescer com esse aluno que está saindo hoje da sala de aula? 

As áreas hoje, de modo geral, melhores remuneradas, são áreas de exatas. Na área de tecnologia, a gente tem visto os melhores valores de estágio, a maior oferta de trabalho.

Quando eu vou fazer parceria é nessa área de exatas. Eu não estou falando que na área de humanas não tem sucesso, tem também, tem vários casos. Mas, de modo geral, a área de exatas tem uma remuneração maior. 

O Instituto Ponte está preocupado com o que acontece no momento econômico do Espírito Santo? 

Não estou ligada na necessidade só do Espírito Santo, o meu propósito é que o aluno ganhe dinheiro, que ele tenha ascensão.

Sou muito focada, porque eu acho que quando você ganha dinheiro, você tem o poder da liberdade de escolha. Eu tenho a liberdade da escolha sobre onde vou trabalhar?

Tenho a liberdade da escolha de onde eu vou morar, sabe? Eu tenho muito relato de mãe que sai para trabalhar e tem medo de deixar o filho em casa.

O foco do Instituto Ponte é trabalhar o indivíduo, o aluno que saia e que seja muito bom para trabalhar no Espírito Santo, no Brasil ou no exterior.

 

Eu não tenho foco assim que seja bom só pelo Espírito Santo, eu quero ampliar ele, eu quero dar para ele a mesma oportunidade que eu dei para os meus filhos.

Bartira Almeida é cofundadora e presidente do Instituto Ponte e presidente do Conselho de Administração da Morar Construtora

Veja abaixo a entrevista completa:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *