Entrevista de Domingo

Enio Bergoli: "O ES é um dos melhores lugares para conhecer o agro brasileiro em sua totalidade"

Secretário de Estado da Agricultura acredita que o recorte do agro capixaba é exemplo de produtividade graças ao uso de tecnologia e apoios, do governo e de instituições financeiras

Enio Bergoli crava que agro do Espírito Santo deve abrir uma nova fronteira no Norte e no Noroeste. Crédito: Reprodução de TV
Enio Bergoli crava que agro do Espírito Santo deve abrir uma nova fronteira no Norte e no Noroeste. Crédito: Reprodução de TV

Entre janeiro e novembro de 2024 do ano passado, as exportações do agronegócio do Espírito Santo alcançaram quase US$ 3,3 bilhões, mais ou menos R$ 20 bilhões. Esse valor do agro superou todo o acumulado em qualquer ano completo desde o início da série histórica. 

O crescimento foi de 71,1% em comparação com o mesmo período de 2023. E uma das estrelas do agro capixaba é, sem dúvida, o café Conilon. O Espírito Santo liderou, em 2024, as exportações brasileiras de café. Para se ter ideia da grandeza, 76% do total exportado pelo Brasil saiu aqui do Estado. 

E o agro capixaba ainda tem gengibre, pimenta-do-reino, mamão, carne bovina, celulose, café solúvel, chocolates, derivados do cacau bem como uma série de produtos. 

E o secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca, Enio Bergoli, conhece muito bem a realidade do campo do Espírito Santo. Ele é engenheiro agrônomo formado pela Ufes em 1984. Também é pós-graduado em Administração Rural pela Universidade Federal de Viçosa e desde 1986 é servidor público de carreira. Começou no Incaper, onde foi presidente. 

Se tem alguém que sabe do que se passa no campo capixaba, é Enio Bergoli. Veja abaixo a entrevista com o secretário.

O que faz o agronegócio do Espírito Santo ter tanto sucesso e o que contribuiu para esse bom desempenho em 2024?

São muitos os fatores que explicam esse sucesso. O Espírito Santo é um estado pequeno e, teoricamente, não era para ter tanta expressão no setor agropecuário. No entanto, o uso da tecnologia tem sido fundamental para aumentar a produtividade e a qualidade da produção.

Além disso, a capacidade empreendedora dos produtores rurais é um diferencial. Os indicadores de produtividade do Estado estão entre os melhores do mundo em algumas culturas, especialmente na cafeicultura de Conilon e Arábica. O Espírito Santo se destaca como uma das principais regiões produtoras de ambas as espécies de café com qualidade, quantidade e sustentabilidade.

Outro ponto importante é o planejamento de longo prazo. Desde 2003 temos um planejamento estratégico revisitado periodicamente, que envolve tanto produtores quanto órgãos técnicos. Esse modelo de planejamento faz com que o agro capixaba tenha metas ousadas e bem definidas. Isso garante continuidade e crescimento.

Qual é o papel do crédito rural nesse desempenho?

O crédito rural é um dos principais instrumentos de política agrícola em qualquer região do mundo, pois permite que os produtores invistam na modernização de suas propriedades. 

No Espírito Santo, 75% das propriedades pertencem à agricultura familiar, em que a capacidade de poupança é pequena. Dessa forma, o crédito é essencial para a adoção de tecnologias avançadas, como a agricultura de precisão, que já é uma realidade no Estado.

Os agricultores familiares, por exemplo, conseguem monitorar a umidade do solo e acionar sistemas de irrigação remotamente pelo celular. Assim evitam desperdícios. Esse tipo de investimento só é possível com acesso a crédito.

Esse aumento do crédito em 2024 tem relação com o bom momento do agro no Estado?

Sim, sem dúvida. O aumento do crédito reflete a confiança dos produtores na expansão de seus negócios. Em 2023, tivemos um volume recorde de crédito aplicado no setor: R$ 6,4 bilhões. Em 2024, esse valor subiu para R$ 7,9 bilhões, com mais de 42 mil operações realizadas.

Além disso, o Espírito Santo tem um plano de crédito bem estruturado, define prioridades para direcionar melhor os recursos. Recentemente, tivemos uma reunião com o Banco do Brasil e outras instituições financeiras para discutir a alocação de crédito, especialmente para segmentos que precisam de mais apoio, como a pecuária leiteira.

O bom momento econômico do ES também tem impacto no agro?

Com certeza. O agro tem um peso significativo na economia capixaba. Embora a participação da agricultura no PIB seja de cerca de 5%, quando consideramos todo o agronegócio, incluindo seus negócios associados, essa participação sobe para 25% a 26%.

Infelizmente, existe uma distorção ideológica sobre o conceito de agronegócio no Brasil. Muitas vezes, tenta-se colocar o agronegócio e a agricultura familiar em oposição, o que é um erro. 

O conceito de agronegócio, originado do termo “agribusiness” nos anos 1960, inclui toda a cadeia produtiva, desde a pesquisa e insumos até a agroindústria e a distribuição. No Espírito Santo, pelo menos 80% dos municípios têm o agro como principal fator econômico.

Quais são as principais oportunidades para o agro no ES?

O Estado tem uma diversidade ambiental impressionante. Nesse sentido, permite a produção de uma grande variedade de culturas. Temos regiões frias, ideais para o cultivo de uva, pêssego, morango e até azeitona. 

No Norte do Estado, o clima favorece a produção de café Conilon, enquanto na serra se destaca o café Arábica. Além disso, a pecuária, a cana-de-açúcar e a produção de grãos estão em expansão.

Nossa localização estratégica também é uma vantagem. Em um raio de menos de mil quilômetros, temos acesso a mais de 70% do PIB nacional, o que significa um enorme mercado consumidor.

Resumindo, o Espírito Santo é um dos melhores lugares para conhecer o agro brasileiro em sua totalidade. Quem quiser entender a diversidade e o dinamismo do setor, basta vir aqui e ver de perto!

Como é empreender no agro capixaba?

Empreender é rumar para uma agricultura de precisão. Hoje, empreender é pensar na logística de distribuição como um todo e evoluir para o conceito de agricultura 5G. 

Não se trata apenas de tecnologia, mas também de gestão eficiente, nutrição adequada, controle de pragas e qualidade do produto. A robótica e os sensores já fazem parte do nosso dia a dia. 

Um exemplo disso é a cafeicultura, que era colhida manualmente e agora está cada vez mais automatizada. 

O limitador é a água, essencial para a agricultura e para a vida. O Espírito Santo fez um trabalho exemplar na otimização do uso da água, com a substituição dos sistemas de irrigação antigos por tecnologias mais eficientes, como o gotejamento e a micro-irrigação.

O que falta para o empresário do agro capixaba?

Oportunidades existem para todos, mas alguns setores precisam de maior ousadia nos investimentos. Um exemplo é a produção de pimenta-do-reino, na qual o Espírito Santo é líder nacional. Perdemos mercados importantes, como EUA e Europa, devido à presença de salmonela. 

Apenas agora, após muitos anos, os empreendedores estão investindo em esterilizadores para retomar esses mercados. O governo estadual oferece incentivos, como os programas Compete e Investe, mas cabe ao setor se movimentar.

Como deve ser a relação entre o empreendedor rural e o governo?

O agro já foi mais dependente do governo. Há 30 ou 40 anos, o setor dependia fortemente de subsídios e créditos. Hoje, cerca de um terço do crédito é subsidiado, enquanto o restante provém do setor privado, como os “fiagros” e operações de “barter”. 

A pesquisa agropecuária também evoluiu: antes, era quase toda estatal. Hoje, o setor privado investe fortemente em inovação. Pequenos produtores ainda precisam de suporte, especialmente em assistência técnica. Nesse sentido, o governo tem papel fundamental.

O agro capixaba já utiliza inteligência artificial?

Sim, e muito! Um exemplo é o uso de imagens de satélite e IA para mapear lavouras de cacau e café. O projeto busca garantir que a produção não esteja associada a desmatamento, um requisito para exportação para a Europa a partir de 2026. A tecnologia também permite monitorar a produtividade e otimizar a gestão agrícola.

Quais são os maiores desafios do campo capixaba?

O principal desafio é a transição para uma agricultura regenerativa. O solo leva milhares de anos para se formar e precisa ser preservado. Pastagens degradadas são um problema crítico, especialmente no Sul do Estado. A recuperação dessas áreas é essencial para garantir produtividade a longo prazo.

Que tipo de qualificação um empresário do agro precisa?

Hoje, empreender no agro exige conhecimento multidisciplinar. Além de agrônomos, precisamos de profissionais de TI, especialistas em gestão, veterinários, zootecnistas e engenheiros. 

O agro também não se limita mais à produção de alimentos. O crescimento das agroindústrias e do agroturismo aumenta a demanda por profissionais qualificados em diversas áreas.

Como os líderes empresariais do campo podem fazer a diferença no ES?

O agro já faz a diferença. Representamos mais de um terço das exportações do Estado e competimos em 125 países. Apesar dos desafios logísticos, conseguimos entregar produtos de qualidade internacional. Nosso diferencial é a competência e a capacidade de adaptação.

A infraestrutura do campo pode impactar os negócios? Como?

Sim, e muito. A duplicação da BR-101 demorou, e a BR-262 ainda está em pauta. Problemas portuários também impactam nossas exportações, como ocorreu em 2024, quando um milhão de sacas de café ficaram sem embarque. 

A chegada de um novo porto privado de contêineres em Aracruz, prevista para 2026, deve aliviar a situação.

Como benefícios fiscais são importantes para o agro capixaba?

A segurança alimentar é estratégica. Países europeus subsidiam a produção agrícola porque já enfrentaram crises de fome no passado. 

Incentivos fiscais são essenciais para garantir alimentos de qualidade e acessíveis. Contudo, é importante que sejam direcionados para segmentos que realmente necessitam desse suporte.

Há potencial para uma nova fronteira agrícola no ES? O que há de real nisso?

Experimentamos uma expansão nas fronteiras Norte e Noroeste.

Eu conheci Pinheiros, por exemplo, em 1982, quando era estudante. Na época, a região não tinha nada, apenas farinheiras e pastagens. Hoje, se tornou um dos maiores casos de sucesso em agricultura irrigada, fruticultura, mamão, seringueira e café conilon de alta tecnologia. 

Essa mesma dinâmica está acontecendo em outras regiões como Montanha, Mucurici e Ponto Belo, com a entrada da agricultura de alta precisão e irrigação.

Qual o papel da soja, milho e trigo nessa nova fronteira agrícola?

Ainda que não sejamos grandes produtores de milho, soja e trigo, essas culturas representam uma oportunidade. Temos uma avicultura muito forte no Estado, tanto de postura quanto de corte, e dependemos muito da importação de milho e soja do Centro-Oeste. 

Produzir parte desse suprimento internamente reduziria custos. Além disso, nosso clima favorece pelo menos duas safras e meia por ano, o que torna essa expansão viável.

Essa nova fronteira já está em expansão ou é o futuro?

Já acontece. Vários produtores já estão investindo em milho e soja, enquanto o trigo ainda é experimental. Além disso, estamos discutindo questões tributárias para facilitar a agregação de valor aqui no Estado. 

Recentemente, soubemos da instalação de uma extrusora para extração de óleo de soja, o que já impulsiona o setor.

O que essa expansão representa para o agro e a economia do Espírito Santo?

A diversificação agrícola é essencial. No Norte e Noroeste temos um potencial de mecanização enorme. Isso melhora a renda e traz novas oportunidades. No entanto, o maior desafio hoje é o Sul quente do Estado, que tem produtividade baixa em café conilon e pecuária pouco tecnificada. 

Diferente do Norte, onde a necessidade de irrigação impulsionou a adoção de tecnologia, no Sul ainda existe uma produção de baixa tecnologia, o que impacta diretamente a renda dos produtores.

Você passou pelo Incaper, pela área de projetos e também pelo DER. Por que voltou para a agricultura?

Sou servidor público e fui para o DER em um momento de gestão, mas minha trajetória sempre foi voltada ao agro. Sou filho de agricultores, gosto desse setor e ainda tenho muito a contribuir. Um dos meus objetivos é desconstruir o antagonismo entre agronegócio e agricultura familiar. 

Aqui no Espírito Santo, temos o maior programa de apoio à agricultura familiar do Brasil, com um fundo específico para financiamento de projetos sem necessidade de reembolso.

Quais são os maiores desafios do agro capixaba hoje?

Um dos grandes desafios é a dependência de insumos importados. Cerca de 80% dos fertilizantes que usamos vêm de minas no exterior, o que nos torna vulneráveis a crises internacionais. 

O caminho para reduzir essa dependência é a adoção de bioinsumos, produzidos a partir de resíduos dentro das próprias propriedades. Isso torna a agricultura mais sustentável e menos sujeita a oscilações externas.

Que marca você quer deixar no agro capixaba?

Essa é minha terceira passagem como secretário de Agricultura e meu objetivo é equilibrar a infraestrutura rural com o apoio direto às atividades agrícolas. 

Desde 2003, a Secretaria também se ocupa de infraestrutura, o que inclui pavimentação de vias rurais, construção de barragens e eletrificação. No entanto, é essencial que esse foco não desvie a atenção das principais cadeias produtivas. 

Ou seja, quero deixar como legado um equilíbrio entre esses dois aspectos.

O agro capixaba é um bom negócio?

É um ótimo negócio, especialmente neste momento. Enquanto as exportações do agronegócio brasileiro caíram 2,3%, as nossas cresceram 69%. O crédito rural caiu 9% no Brasil, mas aqui no Espírito Santo cresceu 11%.

Além disso, nossos produtos alcançam mercados internacionais com qualidade reconhecida, o que abre novas oportunidades e garante um futuro promissor para o agro capixaba.

Enio Bergoli é secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca

Veja abaixo a entrevista completa: