Entrevistas

Érica Neves: "Minha marca é preparar a advocacia para o futuro"

Érica Neves acredita que é preciso formar advogados para que eles possam aproveitar o momento econômico do Estado e que precisará reconstruir a OAB

A primeira mulher eleita presidente da OAB no Estado disse que encontrou cenário de terra arrasada e fará trabalho de reconstrução na Ordem. Crédito: Reprodução de Vídeo
A primeira mulher eleita presidente da OAB no Estado disse que encontrou cenário de terra arrasada e fará trabalho de reconstrução na Ordem. Crédito: Reprodução de Vídeo

Ver os negócios fluírem não é uma tarefa tão simples para o empresariado. No Espírito Santo é um pouco mais fácil por causa da segurança jurídica. Pelo menos é o que a ponta o setor produtivo capixaba.

Nesse contexto, uma entidade como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pode garantir a segurança para que investimentos sejam feitos de forma correta. E mais, possam gerar resultados para nossa economia. 

E a segurança jurídica é um dos focos da nova presidente da Ordem, Érica Neves. A primeira mulher a presidir a OAB é especialista em Direito Empresarial e venceu as últimas eleições com 53,8% dos votos dos mais de 17 mil advogados que foram às urnas. 

Veja na entrevista abaixo como pensa e quais são os planos de Érica Neves à frente da OAB do Espírito Santo.

Qual é o papel da OAB para garantir a segurança jurídica no Espírito Santo do ponto de vista de negócios? 

A OAB tem que retomar o protagonismo na qualificação da advocacia. Qualificação em relação a nichos que prosperam na economia e desenvolvem mais a sociedade. E faz também parte da ordem olhar esses nichos, fornecer e dar oportunidade para o advogado ter qualificação naquela área.

Hoje, infelizmente, ainda temos algumas áreas em que o empresário, o empreendedor procura uma assistência jurídica fora do Estado. Um exemplo é petróleo. Startups, Direito Aduaneiro… ainda há muita gente que contrata fora.

Acho que a OAB tem que estar sempre atenta ao mercado, para jogar luz naquele nicho e, por trás, fornecer qualificação. Para a advocacia ter mais oportunidade de oferecer esse serviço no Estado e gerar riqueza aqui, reter a riqueza também na área jurídica aqui para o estado. 

Como você pretende fazer isso? 

A gente tem a Escola Superior de Advocacia Business, que é muito voltada para a qualificação do advogado e do negócio do advogado. Em outras palavras, é preparar o profissional para ele saber dar feedback ao cliente, fazer uma venda bem feita, ou seja, saber se vender. 

Isso tudo é uma necessidade que o mercado já mostra. E muitos dos advogados e advogadas ainda não têm essa qualificação. A Ordem vai ficar atenta a isso, fornecendo essa oportunidade através da ESA Business. 

E na ESA acadêmica, eu falo sempre com o Tiago Siqueira, que é o nosso diretor geral da Escola Superior de Advocacia, para a gente olhar áreas onde o mercado esteja aberto e ainda não tenhamos aproveitado. A gente vai tentar fazer com que a advocacia se interesse para conseguirmos prestar esse serviço nessa área que gera riqueza para o Estado, mas não para a área jurídica. Temos que ter esse olhar e eu acho que é papel da Ordem proteger o mercado da advocacia. 

O que significa ser a primeira mulher a assumir o comando da OAB no Espírito Santo?

Eu descubro dia a dia. É uma honra muito grande, porque eu já sei que o nome Erica Neves está escrito na história, mas eu quero ser lembrada pelas entregas. Eu quero ter três anos de muita dedicação para a advocacia, de inovação, respeito e defesa das nossas prerrogativas de uma forma diferente. 

Eu tenho um formato diferente de pensamento, eu tenho um jeito de fazer as coisas diferente. Essa gestão está muito integrada, a gente tem um grupo muito coeso nisso, e entende que é um outro formato, é um outro olhar de cuidado.

Quando falamos de OAB no ES, temos histórico de forte posicionamento institucional. O que você pretende imprimir como sua marca?

Minha marca é preparar a advocacia para o futuro. Isso significa olhar a advocacia pronta para todos os mercados, para todos os nichos.

A gente precisa fazer com que a advocacia eleve seu valor de honorários, seja qual for a área. Ter mais serviços a entregar, qualificação, e faz parte da OAB garantir que a advocacia prospere e gere riqueza também para o Espírito Santo.

Como presidente da OAB, você precisará tomar posições que podem desagradar. Você teme sofrer retaliações após o mandato?

Não, porque todos os nossos atos serão conduzidos com muita ética e institucionalidade. Se você age com ética, as pessoas entendem que você está defendendo a instituição e pensando na advocacia. Tenho tranquilidade de que nossas posturas serão corretas e justas.

Quais são os seus primeiros passos na presidência da OAB-ES?

Arrumar a casa. Encontrei uma situação financeira muito ruim.

A OAB estava devendo a fornecedores desde junho e, em dezembro, sofreu uma piora financeira. Nosso trabalho é resgatar o respeito da OAB, garantir relações comerciais e institucionais éticas.

Como você avalia o processo de escolha dos nomes indicados para o Tribunal de Justiça no Quinto Constitucional na gestão passada?

Seria muito diferente se fosse conosco. Acredito que os candidatos deveriam ser protegidos para manter sua independência e compromisso exclusivo com a justiça. 

Estamos avaliando com critério e, se necessário, levaremos ao conselho para decisão sobre o pedido de retorno da lista para nova indicação ou não.

Quais são seus projetos para os três anos de gestão?

Melhorar as condições das subseções, defender e valorizar a advocacia. Quero deixar um cenário diferente, com mais respeito e esperança para a classe, sempre com ética e transparência.

Você acha que há espaço para empreender no Espírito Santo?

Sim! O Espírito Santo é uma ilha de oportunidades no Brasil. Temos um estado diferenciado, com transparência e estabilidade política, o que atrai investidores. 

Precisamos fortalecer a advocacia local, para que aproveite essas oportunidades e ofereça serviços de qualidade dentro do Estado.

Como a OAB pode agir para garantir melhorias no sistema judicial?

A gente já tem se colocado muito, com participação nas novas tecnologias que o tribunal tem planejado para este ano. Nomeamos colegas internamente no tribunal para que tenham uma visão tanto interna quanto externa. Assim é possível permitir a preparação da advocacia. E além disso, intervir caso alguma prerrogativa nossa seja violada. Ou, se houver um atraso desarrazoado nos processos da advocacia. 

O que mais queremos é que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo seja produtivo, pois, sendo produtivo, nós também seremos.

O TRT, por exemplo, tem uma produtividade muito boa, algo que falta ao nosso tribunal. O presidente Samuel tem investido bastante em tecnologia e criou o NASP (Núcleo de Aceleração de Sentenças). 

Acompanhamos para garantir que isso não viole nenhuma prerrogativa, mas também vemos a produtividade aumentar. Queremos um tribunal mais eficiente, pois isso impacta diretamente no desenvolvimento do estado.

Como é a relação da OAB com os governos hoje e como deve ser?

Mantenho uma relação muito institucional tanto com o governo estadual quanto com as prefeituras. Torço para que todos tenham êxito pois, quando isso acontece, a cidadania sai vitoriosa, assim como a OAB e a advocacia. 

Escolhemos nomes muito qualificados para representar a OAB em conselhos estaduais e municipais. Nesse sentido, garantimos uma participação técnica e comprometida. A Ordem também participa de eventos sociais e de informação jurídica, sempre mantendo sua independência institucional, sem partidarização.

O que falta para a advocacia no ES crescer e impulsionar os negócios?

Temos uma advocacia muito forte, com escritórios conhecidos nacionalmente. O que falta é um foco maior na qualificação. Infelizmente, muitos advogados estão abandonando a profissão e muitos estudantes de Direito buscam concursos públicos por receio do mercado.

Acredito que, com qualificação, há espaço para todos. O Estado cresce economicamente e a advocacia pode aproveitar esse momento tanto no litigioso quanto no preventivo e consultivo.

Quais são as áreas mais promissoras para a advocacia no Estado?

É fundamental que o advogado tenha vocação, pois as áreas são muito distintas. A advocacia criminal está muito forte, com jovens advogados altamente competentes. O Direito de Família também cresce, especialmente com as novas resoluções do CNJ que permitem mais soluções extrajudiciais em cartórios. 

Além disso, o consultivo e o preventivo empresarial são áreas com grande potencial, pois evitam conflitos judiciais e agregam valor às empresas.

O que você pensa sobre a interiorização da OAB? 

A Ordem já vem com a interiorização há muitos anos. Sempre houve gestões que interiorizaram mais e outras menos, mas o fato é que a OAB já está presente em quase todos os municípios do Estado. 

Todos participam e são integrantes de uma subseção e nosso foco é fortalecer essas subseções. A advocacia precisa da OAB mais presente e é lá na ponta que esse apoio faz a diferença.

Por que você acha que isso é importante?

O advogado de Baixo Guandu, por exemplo, pode ter dificuldade para vir até a seccional em Vitória relatar seus problemas ou participar de cursos. A OAB precisa estar perto dele, pelo menos por meio da subseção, para fornecer suporte. 

Queremos também oferecer qualificação por meio digital, para que ele tenha acesso aos benefícios da OAB de onde estiver.

Mas isso não pode ser um grande desafio? A OAB tem condição de captar receita para isso?

A chave está na gestão e na definição de prioridades. Nos últimos anos, as prioridades foram outras. Nossa prioridade é a advocacia.

Tudo que for necessário para que os advogados se sintam pertencentes à Ordem será nosso foco de investimento. 

Não vamos reduzir nossa atuação por conta da situação financeira. Faremos uma boa gestão e já alinhamos com os presidentes das subseções a necessidade de uma administração mais austera, mas focada no essencial.

Você acha que a política pode atrapalhar a OAB?

Não na nossa gestão. A dinâmica interna sempre terá influência política, mas não vamos focar nisso. Meu objetivo é fazer uma gestão de três anos bem-sucedida, com muitas entregas e a advocacia decidirá o futuro da OAB depois.

O que leva uma advogada bem-sucedida a deixar seus negócios para comandar a OAB? Dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo?

Dá. Hoje mesmo atendi um cliente pelo telefone, por vídeo, no carro… Mas atendi!

Você acha que conseguirá conciliar ao longo dos três anos?

Sim. Todos os presidentes anteriores também tiveram que equilibrar suas carreiras com a gestão da OAB. Além disso, eu me planejei e não tenho receio algum.

O que quer ouvir do advogado ao final da sua gestão?

Quero que ele diga que a OAB conquistou respeito social e institucional e que a advocacia está mais valorizada. Se conseguirmos isso, todo o esforço terá valido a pena.

Sua gestão será de manutenção ou de reconstrução?

De reconstrução. Estou convencida de que não podíamos continuar no patamar em que estávamos. Nesse sentido, nosso desafio é restaurar o respeito institucional da OAB e fortalecer sua atuação.

Você encontrou um cenário de “terra arrasada”?

Infelizmente, sim. Financeiramente e em termos de respeito institucional. Mas já estamos mudando essa realidade.

Érica Neves é advogada e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil

Veja abaixo a entrevista completa: