Entrevista de domingo

Fabrício Noronha: "Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil"

Secretário de Estado garante que a cultura é uma grande geradora de negócios e que polêmico Cais das Artes tem potencial para mudar o patamar do turismo no ES

Fabrício Noronha aposta no Cais das Artes como ferramenta para impulsionar a cultura no Estado. Crédito: Reprodução de vídeo
Fabrício Noronha aposta no Cais das Artes como ferramenta para impulsionar a cultura no Estado. Crédito: Reprodução de vídeo

Será que a cultura é um bom negócio? Para o secretário de Estado da Cultura, Fabrício Noronha, “Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil”.

Do ponto de vista de investimentos públicos, há um grande leque de possibilidades para a cultura com a aplicação de leis de incentivo, como Lei Rouanet, Lei Aldir Blanc, leis estaduais e ainda municipais. 

O Estado também publica editais que garantem investimentos importantes para essa área. Para se ter ideia, só para os editais que estão abertos desde o final do ano passado, são mais de R$ 33 milhões à disposição de projetos para a área da cultura. 

E tem a importância dos equipamentos públicos. Para o secretário de Estado da Cultura, Fabrício Noronha, Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil

garante que a cultura é sim uma grande geradora de negócios. Ele também é presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura. Está com o governo Casagrande desde o primeiro mandato e encarou, logo no começo, desafios que colocaram as atividades culturais em foco. Ele destaca a importância de políticas para que o setor se desenvolva no Estado. 

Veja abaixo a entrevista com Fabrício Noronha: 

O que a pandemia ensinou para a cultura do Estado?

A pandemia foi um baque muito grande. O setor cultural prescinde da aglomeração, do encontro, não só na hora de a gente assistir a um espetáculo, mas também na hora de produzir. Imaginem um set de cinema, são dezenas de pessoas trabalhando. Então, isso afetou muito a cultura no mundo inteiro e não foi diferente aqui no Espírito Santo.

A gente trabalhou muito em torno de ações emergenciais, muito alinhadas ao que o governador e a Secretaria de Saúde nos orientavam naquele momento. Nós fomos um dos primeiros estados a lançar uma ação emergencial. Depois, o Congresso Nacional também construiu a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, que foi importante nesse processo, que repassou recursos para todos os estados e municípios. Mas a gente saiu na frente. 

Eu acho que um ponto importante que ficou muito claro nesse momento da pandemia é o quanto essa cadeia é importante para trabalhadoras e trabalhadores. Porque, quando você cortou a fonte ali, nós vimos centenas de pessoas passando necessidade, às vezes extrema, pessoas que trabalhavam no backstage, que dependiam de diárias naqueles eventos, naquelas atividades. Empresas também do setor cultural, que tinham investido em sede, tinham investido na contratação de pessoas e tiveram aquele baque. 

Um projeto cultural envolve mais de 60 setores econômicos não criativos que a gente chama, ou seja, setores que estão ali atrelados ao serviço de transporte, de alimentação, de venda de tecido, de venda de materiais. Tem toda uma cadeia não criativa que está atrelada também a esse setor. Quando você injeta recursos, e aí pensando já no pós-pandemia, nessa estratégia de retomada que nós criamos, você irriga também todo um setor e possibilita, de uma maneira muito rápida e eficiente, a geração de emprego e renda. Mas, para isso, para esse retorno rápido, eu acredito que a gente precisa ter um caminho, um direcionamento.

Qual é a política de cultura hoje do Espírito Santo? 

Nós nos debruçamos muito no primeiro ciclo do mandato do governador na estruturação de novas legislações. O Espírito Santo carecia, por exemplo, de uma lei de incentivo do ICMS. Hoje, muitos estados já têm a sua lei. Esse era um desejo antigo do setor cultural capixaba. O governador sancionou. 

A gente está entrando no quarto ciclo da Lei de Incentivo à Cultura (LIC), que estrutura uma relação também com as empresas. Essa foi uma estratégia que teve muitas consequências também na captação de recursos da Lei Rouanet. A gente teve, então, nesse primeiro ciclo uma estratégia, eu dei esse exemplo da LIC, mas são algumas outras legislações, de a gente pavimentar um caminho para captação de recursos e de dinamizar esse setor do ponto de vista econômico, do ponto de vista do seu funcionamento. 

Agora a gente tem trabalhado muito nos aspectos ligados à difusão e à formação, que também são muito importantes. A partir do momento que você injeta recursos numa cadeia, e isso não é exclusividade da cultura, você vai precisar também trabalhar a formação profissional. A gente tem algumas áreas dentro do setor cultural que carecem ainda de profissionais, carecem ainda de mão de obra, e a gente tem investido muito em qualificação profissional. 

A gente criou, no Centro de Vitória, o Hub ES+, que é um espaço ali na Costa Pereira, no antigo Cartório Sarlo, que já está no seu segundo ano de funcionamento, que é um grande espaço desse empreendedorismo cultural, da economia criativa, com formação desde cursos muito curtos a cursos mais longos e aprofundados, onde o cidadão chega com uma ideia, chega com um projeto, chega com uma empresa, em vários estágios de amadurecimento, e ele tem ali um canal de fortalecimento. 

A gente agora, nesse segundo ciclo, tem dado uma atenção muito à formação e à difusão também, através dos espaços que nós estamos criando, como o Parque Cultural Casa do Governador, que hoje é uma referência nesse aspecto. Vamos entregar o Carlos Gomes. Trabalhamos também para a inauguração do Cais das Artes, ou seja, espaços culturais que vão atender essa dinâmica do público.

Como você avalia a relação a cultural e o setor privado no ES?

A parceria entre o setor cultural e o setor privado ainda tem muito a evoluir. Algumas empresas já reconhecem o valor da cultura e investem por meio de leis de incentivo, mas ainda há um espaço significativo para ampliar esse apoio. É necessário fortalecer mecanismos que aproximem esses dois setores.

Qual é o impacto que o Cais das Artes e o Teatro Carlos Gomes podem ter sobre a cultura do ES?

Esses dois equipamentos têm um impacto muito grande. O Carlos Gomes, por exemplo, é um patrimônio histórico do Estado, e estamos trabalhando para entregar um teatro modernizado, com novas instalações e acessibilidade. Isso vai abrir portas para grandes espetáculos e experiências culturais de qualidade. 

Já o Cais das Artes, projetado por Paulo Mendes da Rocha, é uma grande oportunidade para conectar a produção cultural do Estado com um equipamento de nível internacional. Ele será um ponto de encontro para a cultura, proporcionando novos espaços para exposições, espetáculos e até formando uma plataforma de conexão com empresas e profissionais do setor.

E qual é a importância de outras obras em andamento, como o Armazém 5 no Porto de Vitória e o Teatro Carmélia?

Essas obras, como o Armazém 5, também terão um grande impacto, especialmente no desenvolvimento econômico. Estamos falando de mais de R$ 100 milhões em investimentos entre públicos e privados. 

O Armazém 5, junto com o Museu da Vale e o espaço de formação no Armazém 3, cria um polo de cultura e tecnologia no Centro de Vitória. 

Além disso, o Carmélia será um novo equipamento cultural importante, que atenderá à demanda de espaços culturais no Centro da cidade, conectando diferentes regiões de Vitória.

O que podemos esperar do Cais das Artes? Ele pode mudar o turismo no Estado?

Sem dúvida. O Cais das Artes não só é um projeto arquitetônico magnífico, mas também será uma grande atração turística. Ele foi projetado para se relacionar com a Baía de Vitória, o que por si só já atrai turistas. 

Junto com as obras em andamento, como o Porto de São Mateus, o Cais será um dos grandes atrativos do Estado, conectando turistas com a cultura e a arquitetura de qualidade.

Falando em turismo, como a cultura pode ajudar a atrair mais turistas para o ES?

A cultura é essencial nesse processo. Quando as pessoas decidem viajar, muitas vezes o que as atrai são os eventos culturais e o patrimônio. Temos trabalhado junto à Secretaria de Turismo para alinhar nossas ações, como a Lei de Incentivo à Cultura, para apoiar eventos que transformam localidades e atraem turistas. 

Além disso, temos o Fundo a Fundo Patrimônio, que financia a requalificação de espaços tombados, como o Porto de São Mateus, por exemplo, criando um impacto direto no turismo. O trabalho coordenado entre cultura, turismo e setor produtivo é essencial para gerar resultados.

Você acredita que o Cais das Artes pode mudar a imagem do ES para o turismo e a cultura?

Sem dúvida. O Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil. Ele tem o potencial de transformar a percepção do Estado e atrair não só turistas, mas também novos investimentos e profissionais da cultura. 

A inauguração desse equipamento será um marco para o Espírito Santo, e acreditamos que ele será abraçado pelo capixaba e por turistas de todo o mundo.

Você acha que o Cais das Artes pode mudar o jogo?

O Cais das Artes é um monumento. A gente observa muito nas redes sociais, sobretudo esses comentários de pessoas que falam: “Ah, o Cais tampa a visão, é um absurdo”.

Quando o Cais das Artes inaugurar e o capixaba se deparar com aquele equipamento, vai se impressionar com o quanto ele se relaciona com a Baía de Vitória. 

Aquele projeto foi pensado pelos maiores arquitetos do mundo na relação com a Baía de Vitória. Ele moldura aquela paisagem. E isso, por si só, já é um super atrativo, inclusive internacional. O Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil.

Existe um fluxo internacional de turismo que está atrás de grandes construções arquitetônicas. Isso atrelado a uma programação que a gente tem desenhado e pensado vai tornar o Cais das Artes um motivo para visitantes virem à capital. O pessoa, em muitos casos virá a Vitória especialmente para isso. 

 Eu acho que em todos os outros casos, de a pessoa vir para o Estado a negócios ou outra finalidade, a tendência é de que ela resolva ficar mais um dia na cidade só para visitar o Cais. Veio para uma agenda no interior, vai ficar um dia em Vitória para visitar. 

Repito: Cais das Artes será um dos maiores atrativos culturais do Brasil.

Junto do Cais, nós temos outras dezenas de obras sendo feitas em equipamentos, como o exemplo que eu dei do Porto de São Mateus. No final das contas, vão ser equipamentos a serviço desse visitante. Vão ser atrativos, diferenciais na hora de decidir para onde você vai.

Do ponto de vista de negócios, quais são os setores da área de cultura com maior potencial hoje aqui no Estado? 

O setor do audiovisual aqui no Espírito Santo está muito aquecido. A gente tem, nesse momento, uma quantidade enorme de produções sendo realizadas.

O setor de games que eu citei, os dados recentes que a Associação de Desenvolvedores de Jogos apontam que o faturamento do setor dobrou nos últimos três anos. Então, tem um potencial de futuro ali bem grande. 

O setor de eventos também, que tem se profissionalizado, isso eu acho também um reflexo desse novo tempo, dos investimentos da cultura, desse olhar do Sebrae e de outras instituições. A gente observa um setor mais profissional.

Eu destacaria esses três como áreas com potencial.

Como você acredita que as lideranças culturais podem fazer a diferença no Estado?

As lideranças culturais, ao se unirem e se organizarem em redes, podem fazer toda a diferença. Isso ajuda no amadurecimento das políticas culturais, na melhoria da relação com o setor privado e na criação de estratégias mais eficazes para a implementação de projetos culturais. 

A união dessas lideranças permite uma atuação mais dinâmica e efetiva, tanto em nível estadual quanto nacional.

Como o momento econômico do Estado se reflete na cultura?

O momento econômico positivo do Estado, com finanças organizadas, reflete diretamente na capacidade de investimento em cultura.

O governo tem conseguido expandir as políticas culturais ano após ano, com a participação ativa de empresas e instituições. Isso cria um ambiente propício para o crescimento e sucesso das iniciativas culturais, gerando um impacto real na produção cultural e na economia criativa do Estado.

A política pode atrapalhar a cultura?

A política, da maneira que eu entendo e que eu trabalho, só vem a ajudar. Porque é o trabalho do convencimento, da construção coletiva, do contraditório, da observação dos dados e o desejo de arregaçar as mangas, de acordar cedo e ir para a luta atrás das suas ideias.

É nessa política que eu acredito. Acho que essa política contribui. Óbvio que as disputas políticas, as vaidades, a desinformação… tudo isso atrapalha. 

O processo cultural exige muito espírito público, voluntário, colaborativo. E quando se tem um ambiente de mentiras, como vimos com a Lei Rouanet, isso dificulta muito. 

Em relação à política partidária, aquela que decide no Congresso ou na Assembleia, ela pode atrapalhar?

Pode, pelo seu poder. Mas, no processo recente, vimos que a política tem ajudado muito. Conseguimos estabelecer uma relação com o Congresso Nacional como nunca antes, apesar dos ataques. 

Eu sinto hoje uma compreensão maior dos setores de decisão. Estamos em uma virada de chave na cultura. Antigamente, não havia recursos garantidos, mas com a política nacional da Aldir Blanc, agora os estados e municípios recebem repasses anuais do governo federal. Isso fez toda a diferença, especialmente para lugares que nunca tiveram uma política cultural forte. 

A presença de recursos garante um olhar para a cultura. Estamos vendo uma mudança significativa na compreensão do impacto que a cultura tem, até eleitoralmente. Uma boa política pública gera pertencimento e melhora a relação do cidadão com seu espaço, o que reflete, no fim, no voto. Embora historicamente a cultura tenha sido negligenciada pela grande política, agora isso está mudando.

Fabrício Noronha é secretário de Estado da Cultura e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura

Veja abaixo a entrevista completa: