Rio –
Na fresta imaginária entre o corpo sarado e a mente focada na medalha, os atletas guardam espaço para aqueles rituais particulares que fazem sentido só para eles próprios. São as antigas, mas sempre renovadas superstições. Antes de torcer o nariz, é bom lembrar daquela receita de sopa de lentilha do último Natal, da semente de romã e da folha de louro.
Os exemplos práticos dessas mandingas são muito mais saborosos que uma sopa de lentilha. Atletas de todas as modalidades têm uma história para contar. No rúgbi feminino, as sete meninas entram juntas, sempre com o pé direito no campo. Ontem, o ritual não funcionou: a equipe perdeu para a Grã-Bretanha, uma das forças da modalidade. Dias antes da competição, o ginasta Chico Barretto faz tudo no mesmo horário. Acorda às 6h30, almoça ao meio-dia e vai dormir às 22h. Durante o hasteamento da bandeira brasileira na Vila Olímpica, ele mostrou o crucifixo que ganhou da avó. No punho, uma medalhinha.
Ingrid Oliveira, musa dos saltos ornamentais, usa sempre o mesmo maiô nas grandes competições. É um colorido com o tom de azul predominante. A judoca Érika Miranda não dispensa uma capa vermelha. Thiago Bomfim, goleiro do hóquei sobre a grama, ouve sempre as mesmas músicas antes dos jogos. Entre as preferidas estão as antigas do grupo Legião Urbana. Será que vamos conseguir vencer?, diz a letra de uma de suas favoritas.
A nadadora Gabrielle Roncatto deu um jeito de grudar sua crença na própria pele. Como ela vivia quebrando os escapulários, resolveu tatuar uma cruz na nuca. Com isso, comprou uma briga com os pais com a tatuagem, porque ela é ainda muito nova.
Na esgrima, Amanda Simeão tem um relato de arrepiar. Meu avô faleceu antes da Olimpíada, era para ele vir assistir, mas não aguentou. Ele não falava, mas conseguiu me fazer entender que era para eu levar a espada para ele na UTI. Ele pegou a espada, levantou e abençoou, tenho vídeo, todo dia eu jogo com ela e penso: Ela não pode quebrar até o dia da Olimpíada, diz a esgrimista.
MAGIA – A superstição é herdeira da magia, diz o professor de Ciência de Religião da Universidade Mackenzie Rodrigo Franklin de Sousa. Ela acompanha a história da humanidade desde que começamos a tentar controlar a natureza, explica o coautor de Estudos sobre Durkheim e a Religião – 100 anos de As Formas Elementares da Vida Religiosa.
As superstições brotam com mais facilidade nos gramados e também nas quadras. E, mesmo que os povos latinos sejam mais inclinados aos rituais mágicos, como explica o professor, o esporte cria uma grande aldeia global de crença no lado metafísico. Até nações que não são supersticiosas, como Estados Unidos e Reino Unido, praticam rituais no esporte.
Só um exemplo anglo-saxão. Antes de entrar na Vila Olímpica, as australianas do rúgbi ficaram em um resort em Mangaratiba. A atleta Evania Peite fez questão de andar para baixo e para cima com um canguru amarelo. Ele me dá sorte. Vai para todo lugar comigo, diz.
Franklin explica que todas as modalidades têm a sorte como uma variável. Por causa disso, o atleta busca controlar o incontrolável. É um impulso humano buscar um ritual para o universo jogar a seu favor.
CORPO E MENTE – A superstição não é apenas um combustível psicológico. O corpo também pode se nutrir de seus efeitos. Ricardo Monezi, psicobiólogo e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que o atleta pode melhorar seu desempenho a partir de uma crença.
Se apegar a uma superstição ou a algum amuleto realmente pode melhorar o desempenho do atleta, uma vez que isso traz a sensação de bem-estar, força, autoconfiança, vontade de vencer e sobretudo superação, afirma.
Funciona mais ou menos como o efeito placebo. Substâncias teoricamente inertes podem influenciar no funcionamento do organismo. O pesquisador cita dois exemplos. Os atletas de explosão, dos 100 m por exemplo, podem ter uma descarga maior de adrenalina se mentalizarem seu amuleto. Algo semelhante pode acontecer com os atletas extenuados que, recorrendo ao uniforme da sorte, por exemplo, tendem fazer o cérebro liberar substâncias para suportar a dor.
Obviamente, a superstição está longe de ser uma unanimidade entre os atletas. A judoca Sarah Menezes, medalha de ouro em Londres, acha tudo isso uma bobagem. O ginasta Arthur Nory prefere se concentrar na preparação mental.
De tão marcantes, algumas histórias ganharam até nomes. O time de nado sincronizado criou um ritual que se chama purpurina. Elas elegem uma das oito atletas e a jogam para o alto, para o centro da roda. Ela é a eleita para brilhar naquele dia. Paula Nogueira nem se lembra do início da celebração, mas garante que elas não competem sem fazer a purpurina. (COLABOROU NATHALIA GARCIA)