Surfista surda do ES rompe barreiras e vai competir no Mundial na Califórnia
Surfista capixaba Aline Lopes, de Presidente Kennedy, conquista título brasileiro e vai representar o Brasi no Mundial de Parasurfe na Califórnia, nos EUA
Superação, dedicação, sacrifício, emoção. Todas essas palavras traduzem perfeitamente o que a surfista Aline Lopes está sentindo nos últimos dias. Na verdade, o que ela sente desde que começou a surfar, há cerca de 12 anos.
“Local” da praia de Marobá, em Presidente Kennedy, a surfista de 32 anos conquistou a vaga para representar o Brasil no Mundial de Parasurfe.
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Aline é surda e conquistou o título brasileiro no dia 11 de agosto, nas ondas de Cabedelo (PB). Com ele veio também a vaga para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde vai acontecer a nona edição do ISA Mundial de Parasurfe, de 3 a 9 de novembro deste ano.
“É um turbilhão de emoções juntas. Me sinto realizada, feliz, agradecida a Deus e à minha família por nunca terem deixado eu desistir e por estarem sempre me apoiando. Mas também dá um frio na barriga, pois é uma responsabilidade muito grande poder representar meu País, o Brasil, meu Estado, minha cidade”, conta Aline.
Emocionada e empolgada, ela destaca a importância de mostrar que a deficiência auditiva não a impede de sonhar e de conquistar seus objetivos.
“O melhor é poder estar mostrando ao mundo que para nós, deficientes, não existem barreiras, que mesmo quando está difícil, se tivermos fé e persistência, conseguimos sim fazer o que queremos. É uma sensação de dever cumprido em poder estar representando todos os deficientes auditivos e mostrar que não importam as circunstâncias, tudo podemos se quisermos e tivermos fé. Essa representação é para eles também”.
SONHO NA CALIFÓRNIA
De volta ao Estado neste fim de semana, Aline já está com a cabeça na Califórnia, onde vai realizar mais um dos seus sonhos.
“Eu sempre tive esse sonho de um dia cruzar o mundo com minha prancha e estar lá naquelas ondas. Quero mostrar que nossa deficiência não pode ser um obstáculo para nós ficarmos depressivos e sem expectativas. É um pouco difícil, mas não é impossível. Estou ainda absorvendo tudo isso e muito feliz porque Deus está cumprindo meus sonhos. Agora é dar o meu melhor para estar à altura dessa representatividade”.
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PAIXÃO PELO MAR
Campeã brasileira de parasurfe na categoria para surdos, Aline começou a pegar onda há cerca de 12 anos. Ela ficava empolgada sempre que via competições de surfe pela TV.
“Comecei a surfar porque já era apaixonada pelo mar e já acompanhava pela TV alguns surfistas nas competições e achava lindo demais vê-los naquelas ondas, desfrutando de uma liberdade e de uma conexão linda do homem com a água. Só de ver eu sentia paz e sabia que aquilo ali era a melhor forma de estar conectada com Deus”, conta.
A primeira aula foi numa escolinha de surfe na praia do Recreio, no Rio de Janeiro. Dali, não parou mais.
“Foi no surfe que eu me encontrei, me apaixonei, onde eu me realizo e me sinto feliz. O surfe me ajudou a superar processos psicológicos, traumas, tristezas. Cada vez que estou no mar com minha prancha, me dá uma sensação de paz que não sei explicar”.
Mesmo com todas as dificuldades de treinar e competir sem patrocinadores, Aline tem a certeza de seguir em frente.
“Decidi viver do surfe e para o surfe porque aqui é o meu mundo e onde eu me encontro e é onde encontro forças para continuar lutando, vencendo e trazendo, além de medalhas, o reconhecimento, a valorização e a oportunidade para todos os outros deficientes. Eu amo o mar. O surfe é a minha vida”.
BULLYNG QUANDO CRIANÇA
Aline conta que, antes do surfe, fez natação e chegou a competir dos seis aos 12 anos de idade. Entretanto, parou porque sentia falta de incentivo das instituições e porque sofria bullying das outras crianças pelo fato de ser surda. Ela acabava ficando isolada, pela dificuldade de comunicação.
A situação fez a família mudar para o Rio de Janeiro, em busca de um tratamento. E foi lá que ela encontrou as ondas.
“Eu até ganhei algumas competições como nadadora surda. Mas me isolavam e a comunicação era difícil nas competições, e nem sempre eles queriam mudar as regras de sinalização para mim. Minha mãe brigou muito para fazer valer meus direitos isso foi me deixando muito depressiva, pois eu amava estar ali nadando. Foi um período muito difícil. Até mudamos para o Rio de Janeiro e me achei no surfe, que tem a ver com natação, natureza e água, que amo”, lembra a campeã brasileira.
“NÃO SOMOS OS COITADOS”
Aline Lopes comemora que as competições têm dado mais visibilidade às categorias do paradesporto.
Ela vê esse crescimento, mas acredita que ainda há muito o que evoluir na questão. Até mesmo em relação à forma como organizadores, competidores e o público em geral enxergam os atletas portadores de deficiência (PCD).
“Estamos finalmente sendo reconhecidos mundialmente e tendo mais visibilidade, porque por muitos anos éramos os esquecidos e praticar esporte era quase impossível pra nós. Já alcançamos muito hoje, mas dá pra evoluir mais, com autoridades e as instituições fazendo valer a lei da inclusão e respeito ao deficiente. Não somos os coitados. Somos pessoas com limitações físicas, mas que podemos sim executar qualquer atividade normal, inclusive o esporte”, ensina a campeã.
ORGULHO PARA A FAMÍLIA
Ser campeã brasileira e ter a oportunidade de competir no Mundial é motivo de orgulho para Aline. E, claro, para a família.
A mãe dela, Maria Ferreira, conta que ver a filha encarando ondas grandes assusta, mas não impede que ela se orgulhe de ver a filha fazendo — e muito bem — o que ama.
"Dá um medo sim quando vêm as ondas grandes. Ela já cortou a testa no mar, já ficou próximo das águas vivas, dos golfinhos, de lanchas aquáticas passando... Ela já teve que voltar nadando sem a prancha porque a corda arrebentou do pé dela em alto mar, mas ela mesmo diz que é a vida dela. É o que ela ama fazer e eu só tenho que apoiar e ficar feliz e orgulhosa dela. Tenho filhos maravilhosos, que me enchem de orgulho. Fico maravilhada e emocionada toda vez que ela entra no mar porque sei que ela está fazendo o que ama de coração”, conta dona Maria.
Aline sofreu com baixa oxigenação no cérebro ao nascer, o que causou dificuldade na comunicação. Quando tinha quatro anos, foi atropelada por um carro ao sair da escola e teve traumatismo craniano, além de perda da audição.
“Foi um período muito difícil para nós e, principalmente, para ela porque ela não conseguia mais se comunicar com a gente”, lembra dona Maria.
A prática de esporte foi indicação da equipe médica que acompanhava Aline, coordenada pelo otorrinolaringologista Marcos da Silveira.
“Eu fico muito emocionada, choro muito porque, mesmo quando ela não sobe ao pódio, eu já digo que ela é vitoriosa. São tantos obstáculos que temos que vencer diariamente que vê-la recebendo uma medalha é mais uma afirmação de que Deus é fiel e cumpre o que promete e realiza sonhos. É uma emoção e uma gratidão muito grande saber que ela conseguiu chegar onde ela queria”.