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Polêmica: médico de clube revela como é possível liberar um jogador para atuar mesmo machucado

Uma prática que permanece comum no futebol brasileiro, e em outros esportes de alto rendimento, é a liberação desses atletas para atuar apesar de contundidos

Entidade nos EUA leva em conta grau de contusão para liberação dos atletas Foto: R7

Todo técnico de clube ou torcedor já ficou extremamente frustado quando o craque do time sofre uma contusão às vésperas de um jogo importante, Certo? Porém, uma prática que permanece comum no futebol brasileiro, e em outros esportes de alto rendimento, é a liberação desses atletas para atuar apesar de contundidos.

Existem diversos exemplos de jogadores que entram no gramado gripados, com lesões musculares, de articulações e até após convulsão, como ocorreu com o atacante Ronaldo na final da Copa do Mundo de 1998. É nesse cenário que todo o aparato científico propalado no meio esportivo, todos os estudos minuciosos apresentados na defesa de um jogo por semana e todo o discurso em favor da “preservação do jogador” perdem lugar para um argumento: o de que “a partida é importante”.

De acordo o médico do Palmeiras, Rubens Sampaio, o American College of Sports Medicine (Colégio Americano de Medicina do Esporte) existe uma espécie de guia que serve de referência para o médico escalar um jogador, mesmo que este não esteja 100% fisicamente. Rubens diz que tal método leva em conta itens como interesses financeiros em torno do jogo, circunstâncias da partida e grau da contusão do atleta que, dependendo do caso, pode entrar em campo se o agravamento eventual de uma lesão não comprometer sua carreira.

Situação semelhante ocorreu no clube onde o médico trabalha, com o atacante Dudu que, recentemente, teve uma lesão na coxa direita agravada após entrar em jogo contra o Corinthians, considerado decisivo. Em entrevista ao portal R7, Sampaio explica o porquê de ter liberado o jogador para a partida, ressaltando que esporte de alto rendimento não é uma prática saudável.

R7 – Esporte de alto rendimento é saudável?

Rubens Sampaio – Não é. Essa é uma diferença fundamental em relação ao esporte para a qualidade de vida. O esporte como lazer, lúdico é uma coisa. Como competição, meio de sobrevivência, é diferente e não é saudável. É buscar o limite para bater o oponente ou o tempo, ir um pouco além do que foi na última competição, no último treino, melhorar o desempenho cada vez mais.

R7 – Como um médico do esporte, até por questões éticas, seguindo o juramento de Hipócrates, lida com essa situação, de atuar em um ramo em que a saúde acaba não sendo a prioridade?

RS – Quando você fala na questão da saúde do atleta, o papel do médico é justamente fazer com que ele consiga desenvolver todas as virtudes físicas dentro da margem de segurança dele. Mas esse é um limite muito fino, no fio da navalha. Vez por outra ele vai se machucar. Não falo necessariamente de esportes de contato, mas de esportes de repetição, como atletismo e vôlei. As pessoas se machucam. O volume, a intensidade e o tempo vão trazer algumas consequências para o aparelho musculo esquelético que vão fazer com que ele em determinado momento vá ter mais saúde, mais força, vai melhorar, mas em longo prazo, como o ser humano é finito, a chance de terminar a vida de atleta com uma perda maior de cartilagem é grande.

R7 – Até qual frequência pode chegar o batimento cardíaco de um atleta?

RS – É muito pessoal, você mistura as características individuais e genéticas de cada um e se consegue treiná-lo. Mas há caras com capacidade cardiorrespiratória alta, você tem jogadores cuja a frequência cardíaca é 30, 35 batimentos por minuto, com alguma constância [a média costuma ser entre 60 e 100]. Isso em uma pessoa sedentária o faria ficar bradicárdico [diminuição de batimentos] com alguma patologia preocupante, mas para os atletas tal frequência não é algo incomum.

R7 – Em quanto tempo alguém se torna atleta?

RS – Ser atleta é uma filosofia de vida, que não é fácil. Ele vive para ser atleta. Se alguém que não é atleta hoje começar a treinar intensamente vai melhorar mas não vai ser atleta. Para você ser um atleta e competir em alto rendimento, além de abnegado, você tem de ter alguns predicados possivelmente genéticos. No futebol, por exemplo, a competição é enorme, é absurda. A quantidade de jogadores com boa qualidade e boa condição que não vingaram por não terem força, não terem velocidade, que são demandas do futebol moderno, é grande.

R7 – Quais prejuízos para a saúde um atleta pode ter após o fim de sua carreira?

RS – Ele sai da carreira com uma condição de atleta, cardiorrespiratória, muito boa. Se ele tiver bons hábitos, terá uma sobrevida maior, lógico, dependendo também da genética. Mas em relação a músculos e parte óssea, por exemplo, há alguns caras que trabalharam comigo, não sei se posso nem falar, não conversei, mas o [cita o nome de um ex-jogador] fez prótese de quadril, o [cita o nome de outro ex-jogador] fez prótese de quadril, o [cita o nome de um terceiro ex-jogador] acho que fez prótese de quadril. São jogadores que passaram muito tempo em campo com uma doença chamada Impacto Fêmoro Acetabular, que era pouco conhecida. Hoje você identifica e tem medidas para proteção, mas são jogadores que sofreram por causa da profissão, fizeram prótese e tiveram uma limitação.

R7 – No caso do atacante Dudu, no início do ano, ele jogou em uma partida importante do Palmeiras, mesmo sem ter se recuperado de lesão, que por causa disso se agravou. Quais as prioridades de um médico neste caso?

RS – É uma questão extremamente discutível. O Dudu tinha uma lesão e não tinha cumprido todo o protocolo normal de reabilitação, embora tivesse evoluindo bem, à vontade e manifestando vontade de jogar, que é um ponto. O fato de a gente correr o risco não implicaria, se desse errado, como deu, em causar prejuízo para a carreira dele. Em relação à equipe, pela circunstância era importante que ele participasse. Isso tem de ser discutido entre o departamento médico, a direção, a comissão técnica e o atleta. Com todo mundo pensando da mesma forma você pode correr o risco, partindo do princípio que isso não traz prejuízo para a carreira do jogador. Em outras circunstâncias, se ele tivesse com uma lesão de menisco ou uma ligamentar de joelho isso não seria possível. Talvez até fosse possível, mas não indicado.

R7 – Como um médico lida com as necessidades do clube em relação à escalação de um jogador, mesmo que ele ainda esteja em recuperação?

RS – A gente tem [como base] o Colégio Americano de Medicina Esportiva [American College of Sports Medicine]. Os americanos são muito pragmáticos. Procuram organizar, protocolar, colocar tudo em uma escala para ver qual a decisão mais interessante e mais fácil. É como se fosse um guia de retorno ao esporte. O guia elenca isso e no final há um gráfico de modificadores de decisão, com as circunstâncias da lesão, os riscos que ela traz, importância do jogo, do ponto de vista financeiro para a instituição, para o atleta. Correr risco faz parte de todas as atividades. Mas nunca um jogador é mantido em situações como a do Álvaro Pereira [na Copa do Mundo de 2014], que teve uma concussão em campo. Em casos assim, o jogador não volta para o jogo, está estabelecido, a arbitragem inclusive está orientada. Há determinadas circunstâncias em que o limite bateu ali e dali não se pode passar.