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'Seleção feminina vai sofrer muito se não olharmos para a base', diz Sissi

Incentivada pela boa campanha da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de 1996 – o Brasil ficou com o quarto lugar e foi a primeira vez que a modalidade foi inserida na competição – a Federação Paulista de Futebol (FPF) organizou, em 1997, a volta do Campeonato Paulista de Futebol Feminino. Batizado de Paulistana, o torneio contou com a transmissão de jogos na televisão aberta e apresentou ao País o time arrasador do São Paulo com Sissi, Formiga e Kátia Cilene, que ficou marcado na história.

Sissi, a clássica camisa 10, conquistou com o clube títulos como o Paulistana e encantou a torcida que em jogos do time masculino chegou a gritar “ei Muricy, coloca a Sissi”. Ela também abriu caminho para que uma geração vitoriosa da seleção brasileira ganhasse medalhas de ouro em três edições de Jogos Pan-Americanos – 2003, 2007 e 2015 -, prata em dois Jogos Olímpicos – 2004 e 2008 -, e a segunda colocação no Mundial de 2007.

O São Paulo, 22 anos depois, volta a ter um time feminino disputando campeonatos profissionais – o clube até tentou recompor a equipe em 2005 e 2015, mas não conseguiu manter a modalidade. No último domingo, a equipe tricolor foi campeã da Série A2 do Campeonato Brasileiro. A estrela da atual geração são-paulina é a atacante Cristiane, mas desde a sua lesão no músculo posterior da perna direita no Mundial deste ano ela não joga pelo time do Morumbi.

Cada uma em seu tempo, Cristiane e Sissi representam gerações que enfrentaram e ainda enfrentam muitas dificuldades para jogar no Brasil. Sissi mora há 18 anos nos Estados Unidos e revelou em entrevista ao Estado que teve muita sorte em ter tido a oportunidade de trabalhar no país da seleção quarto vezes campeã do mundo. “Hoje o mercado está mais visível, as jogadoras estão saindo do País, o que foi bem diferente na minha época”, comentou.

Aos 52 anos, Sisleide do Amor Lima é técnica de meninas nascidas em 2007 e diretora de equipes das categorias de base do Walnut Creek Surf Soccer Club, time da Califórnia. Trabalhando desde 2004 como treinadora, esse é o segundo clube que ela exerce a função. “A gente faz um trabalho de longo prazo. O foco não é o resultado de imediato, o foco é o desenvolvimento das meninas no decorrer do ano”, falou Sissi.

Você tem contato com a nova geração da seleção brasileira?

Infelizmente não, principalmente por morar aqui nos Estados Unidos. Fui convidada pela seleção para ir para Seattle, quando a seleção jogou um amistoso lá (em 2015 ela foi assistente pontual no amistoso contra os EUA). Foi o meu primeiro contato com aquele grupo. Eu já conhecia a Formiga e tinha tido a oportunidade de ter contato com a Marta. Foi minha primeira chance de poder conviver com as meninas mais novas. Foi muito rápido, então a gente não teve a oportunidade de conversar, de falar. Eu tenho mais o contato com o pessoal que jogou comigo: a Roseli, a Formiga, a Pretinha.

Como foi sua ida para os Estados Unidos?

Eu fui contratada para jogar em um time da Califórnia, o San Jose CyberRays. Joguei três anos lá. Foi um obstáculo para mim. Sair do meu país, deixar a família, os amigos, deixar tudo para trás, mas foi também a melhor experiência que tive profissionalmente. Conhecer uma cultura nova, me adaptar com o idioma porque eu não falava inglês. Meus três primeiros meses aqui foram complicados, mas eu tive todo o suporte do clube, das atletas, eu já conhecia algumas meninas. A Brandi Chastain foi a principal pessoa na minha adaptação na cidade. Quando eu e a Kátia (Cilene) chegamos, ela fez um jantar brasileiro, ela abriu a casa dela, convidou todas as meninas. Jogar não foi difícil, mas a língua foi o complicado.

E a transição para a carreira de treinadora?

Eu treino meninas que nasceram em 2007, e sou diretora das categorias de base. Esse é meu segundo clube. Eu comecei em 2004 e depois eu vim para o Walnut Creek.

Como está sua vida aí? Você levou a família?

Minha família está toda no Brasil, mas eu tenho um filho de 13 anos. Adotei ele com dois dias de vida, aqui nos Estados Unidos. Foi paixão à primeira vista e minha vida mudou completamente. É muita responsabilidade e preocupação, mas foi a melhor coisa que fiz na minha vida.

Ele gosta de futebol também?

Infelizmente ele gosta de basquete (risos). Ele jogou também futebol e por sinal ele não era ruim não. Mas basquete a gente tem o Warriors (Golden State Warriors) que é aqui de Oakland e o menino sabe de tudo, eu não consigo discutir basquete com ele. Mas ele me acompanha.

Você já conversou com a Marta sobre como fortalecer mais o futebol feminino no Brasil?

Infelizmente não. Durante as vezes que encontrei a Marta não conseguimos conversar. Sempre nos vimos em eventos. A vida da Marta deve ser mais doida do que a minha. Mas, se a oportunidade aparecer, com certeza vamos falar.

Você acha que a obrigatoriedade de os times no Brasil terem também equipes femininas vai realmente ajudar a modalidade ganhar força?

Se por um lado a medida parece interessante, devemos verificar se as meninas estão tendo estrutura para jogar, se estão tendo apoio e se os clubes estão olhando para as categorias de base. Será que não seria melhor começar por baixo? A seleção vai sofrer muito se não olharmos para a categoria de base. É algo que não vejo. É algo que o Brasil não tem. Aqui nos Estados Unidos o futebol feminino é praticado nas escolas, nas universidades. Ou seja, o futebol feminino começa cedo. No Brasil, a maioria dos clubes criou os times femininos pois se sentiram ameaçados. Não adianta ter o futebol feminino e não dar as condições que as meninas precisam. Pensar nisso é muito importante, pois a geração da Marta e da Formiga está acabando. Se o Brasil tivesse metade da estrutura que vejo aqui no Estados Unidos, estaríamos em um lugar melhor.