A Polícia Federal (PF) deflagrou na semana passada operação que apura indícios de corrupção entre 2015 e 2018 na Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), estatal que administra o Porto de Vitória. Com isso, a possível desestatização a partir de leilão da organização ao final de 2021 pode ser prejudicada. Isso porque não se vende uma empresa como um saco de batatas: é preciso haver padrões de governança que, em sua ausência, podem gerar um passivo para os interessados. É comum negociações de vendas de empresas travarem pela falta de identificação de passivos trabalhistas e tributárias, por exemplo, mas neste caso da Codesa pode-se gerar incertezas a respeito de outros passivos, como o tamanho da corrupção, eventuais fraudes e má-alocação de recursos. Todas essas questões dificultam, ou até inviabilizam, processos de M&A (fusões e aquisições de empresas), o que também vale para uma privatização de estatal ou regime de concessão, como o caso. Receba o conteúdo no WhatsApp | Instagram | Twitter

O passivo da corrupção

Sancionada em 2013, a Lei Anticorrupção estabelece responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas envolvidas com ilicitudes perante o poder público. Além disso, determinou-se que a responsabilidade em casos de corrupção é objetiva, ou seja, independe da aferição de culpa ou envolvimento do agente causador do dano. Na prática, antes da legislação, a responsabilidade por crimes de corrupção praticados por empresas era apenas individual. Assim, apenas alguns diretores respondiam por esses atos, mas a empresa saia do processo ilesa. Em outras palavras, uma pessoa jurídica que poderia ter se beneficiado da ilicitude não era adequadamente punida. Com a mudança, a pessoa jurídica passa pelo processo com chances de ser considerada culpada, mesmo que seja vendida ou não. Isso significa que, por exemplo, o grupo empresarial que vencer o leilão da Codesa a ser realizado responderá por todos os eventos que se descobrirem não apenas na Operação Corsários, mas de eventuais casos de corrupção que ainda não se tenha conhecimento. O sistema de incentivos criado a partir da Lei Anticorrupção, portanto, faz com que pessoas jurídicas precisem prevenir ativamente que ilicitudes ocorram em suas atividades, o famoso compliance do mundo corporativo. “Se realmente houver participação da empresa no ato, podem incidir a Lei Anticorrupção e a de Improbidade, gerando um passivo muito maior do valor do desvio (dois contratos de R$ 9 milhões). Isso se daria pela geração de multas e outras sanções”, destaca Carlos Henrique Barbosa, advogado e consultor em ética e integridade, mestre em Políticas de Combate à Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex.

Corrupção impede as desestatizações

Com as novas determinações das legislações, caso a empresa não tenha tomado nenhuma ação com o objetivo de impedir tais desvios, há a abertura para condenação da pessoa jurídica. Por isso, em eventuais leilões e vendas de estatais, os investidores levam em consideração o fator de risco, intimamente ligado à integridade dessas instituições. “A própria empresa precisa fazer uma investigação interna para obter mais informações. É preciso saber se esse foi um caso isolado, se o tamanho dos desvios é igual à suspeita ou se supera esses valores e se há outros passivos e casos internos anteriores ainda não revelados. Esperar que a PF descubra todo o processo pode ser um tiro no pé da instituição, prejudicando ainda mais a credibilidade”, ressalta Barbosa. Ele explica que esses processos, aliados com a colaboração com as autoridades e a transmissão clara de informações para investidores e colaboradores pode ser uma forma da credibilidade sair menos afetada. Se não houver claramente a identificação do passivo de corrupção, a operação de venda da Codesa será prejudicada porque esses riscos são descontados do valuation da organização, isto é, há a desvalorização, com ela podendo ser vendida por muito menos do que poderia. Em casos mais graves e com maiores incertezas, toda a operação de venda da Codesa pode ser inviabilizada. Em suma, as empresas não são vendidas como qualquer produto em um supermercado: se não houver governança e transparência, tanto a justiça quanto o mercado podem invalidar o processo de compra. Parafraseando um jargão econômico, a segurança jurídica importa! Sem governança, sem segurança jurídica, sem deal.