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30 anos sem Paulo César Vinha: quem foi biólogo que deu nome a parque do ES

Ambientalista foi assassinado a tiros em 28 de abril de 1993, em Guarapari. Amigos relembraram a luta pela preservação de área de restinga no Espírito Santo

Foto: Leonardo Merçon/ Instituto Últimos Refúgios

Em setembro de 2022, o Parque Estadual Paulo César Vinha ardeu. As chamas queimaram por cerca de 34 dias e devoraram uma área equivalente a 1500 campos de futebol. O fogo, que teve início por ação humana, varreu diversos hectares de vegetação nativa.

O incêndio foi o segundo maior da história do parque e terceira maior tragédia. A primeira aconteceu há três décadas, quando o nome ainda era Setiba: o assassinato do biólogo Paulo César Vinha, que defendia a causa ambiental e é considerado por seus amigos e companheiros de luta como um mártir.

Era uma quarta-feira, 28 de abril de 1993. O feriado de 1º de maio se aproximava, mas ao invés de apenas esperar pela folga, a população do Espírito Santo foi bombardeada com as notícias da morte do ambientalista, encontrado em Guarapari, alvejado por três disparos de arma de fogo.

Momentos antes do atentado, Paulo César flagrou os irmãos Ailton Barbosa Queiroz e José Barbosa Queiroz extraindo areia de forma ilegal do então Parque Estadual de Setiba. O biólogo fotografou os tratores e anunciou aos irmãos que denunciaria a ação. Ele foi perseguido e baleado pelas costas, morrendo ali mesmo, aos 36 anos.

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Histórico de militância 

Paulo César era biólogo formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e ainda na década de 1970 deu seus primeiros passos no ativismo ambiental e em causas  trabalhistas. 

Foi nesta época que conheceu um amigo com quem compartilharia 13 anos de militância e companheirismo nas causas sociais, o pesquisador Carlos Lobo, que  cursava Física, na mesma universidade. 

No ano em que se conheceram, já tiveram êxito: impedir a instalação de uma usina de beneficiamento de lixo nuclear em Aracruz.

“Nos conhecemos em 1979, desenvolvemos juntos um debate muito interessante pois éramos ambos ligados aos movimentos estudantis e de trabalhadores, principalmente na luta contra a ditadura, contra o depósito de lixo nuclear em Aracruz e nas greves que, naquele tempo, aconteciam quase todos os dias”, contou. 

Naquele mesmo tempo, os dois jovens participaram da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo, ao lado de demais colegas de ativismo em todo o Estado. 

Até hoje, Carlos Lobo se lembra das conversas e da convergência de ideias com o biólogo, com quem compartilhava a paixão pelas causas ambientais e sociais.

“Como biólogo, ele tinha um entendimento profundo da natureza e como ela chegou a esta degradação, era instigante ouvi-lo falar sobre como a natureza foi destruída pelo sistema capitalista. Nosso debate era muito interessante tanto de um ponto de vista ecológico, quanto histórico, a partir da fundação de um partido de caráter socialista”, afirmou. 

O pesquisador se lembra até hoje onde estava quando recebeu a notícia da morte de Paulo César, naquela longínqua quarta-feira de 1993.

“Eu estava conversando com Otaviano de Carvalho, outro companheiro que também se foi em um acidente, em 1999. Assim que recebemos a notícia, o Otaviano fez um cartaz ‘Assassinaram um guerreiro pela vida’. Foi algo indescritível sentir a perda dele daquela forma”. 

Carlos Lobo guarda nas lembranças a imagem de um amigo dedicado à luta, pronto para dar a vida às causas que acreditava, mas que também não abria mão de uma boa piada e do bom humor. 

“Ele estava sempre rindo, brincando, até em alguns discursos dele acabava dando risada. Foi essa convivência que fez nascer esse desejo apaixonado de viver intensamente, de não deixar para depois. O mundo pode ser mudado agora, essa urgência é algo que ele trabalhava muito no discurso e na prática”, disse. 

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Caminhada política

Com o diploma em mãos, Paulo César virou professor e passou a dar aulas em diversas escolas estaduais pelo Espírito Santo. Nesta época, já um experiente ativista político, se engajou ainda mais nas lutas pelas causas ambientais. 

Durante os anos 1980, o biólogo se envolveu na linha de frente do movimento pelas Diretas Já, e em 1986 entrou em campo político não só como manifestante, mas como candidato a deputado estadual. 

Na década de 1990, uma segunda incursão política, desta vez para concorrer a um cargo municipal, como vereador de Vila Velha em 1992. Nesta mesma época já havia fixado residência na Barra do Jucu, onde moram além de Carlos Lobo, os irmãos Cláudio Vereza e Ricardo Vereza, também amigos de longa data. 

Foi  durante aquele tempo que as ameaças começaram a pairar no ar, principalmente por conta da disputa dos ativistas e dos empresários, que extraíam areia na região do parque estadual.

“Havia alguns meses que morávamos na Barra do Jucu, naquele curto prazo de tempo realizamos diversas reuniões. O clima era muito pesado, os parques estavam interditados e extrair areia era ilegal. Ele chegou a nos confidenciar que se sentia ameaçado, mas como a prefeitura tinha se juntado a nós na interdição dos areais, nos sentíamos no caminho certo”, contou o amigo e ex-deputado estadual Claudio Vereza. 

Foto: Reprodução/ Governo do ES

Vereza conta  que neste tempo, Paulo César era bastante ativo nas causas trabalhistas e indígenas. Diretamente ligado ao Greenpeace, o biólogo recebeu o navio da ONG norte-americana em Vitória, quando chegaram ao país para um protesto contra a plantação indiscriminada de eucalipto em Aracruz. 

“Estava envolvido diretamente em todas essas causas, principalmente nas sociais, demarcação de terras indígenas, a vinda do Greenpeace, nas lutas da CUT”, contou. 

O ex-deputado reafirma que o assassinato do companheiro aconteceu por conta do flagrante da ação dos irmãos e relembra o velório do amigo, que aconteceu na praça central de Vila Velha. 

“O velório dele foi algo que levou multidões para a rua, houve um impacto na sociedade como um todo. A data do assassinato dele é marcada por atos políticos e ambientais, e foi isso que aconteceu na Barra do Jucu no último sábado (29)”, disse Vereza. 

“Para nós, Paulo César Vinha foi um mártir”, diz amigo

No último sábado, 29 de abril, um dia após o 30º aniversário do assassinato do biólogo, um ato em sua memória aconteceu na Barra do Jucu, em Vila Velha, que contou com a participação de diversos amigos, dentre eles, Ricardo Vereza, diretor do Museu Vivo da Barra do Jucu.

Ele se recordou do biólogo como um grande herói das lutas ambientais em todo o Espírito Santo.

“Para nós, Paulo César Vinha foi um mártir. Foi perseguido e assassinado pelas costas, justamente por estar fiscalizando criminosos que extraíam areia na região”, contou. 

De acordo com o amigo, Paulo César nunca abandonou os ideais de luta, principalmente pelas causas indígena e ambiental, sempre disposto a ajudar pessoas em necessidade. 

“Era um cara de muita luta, muita visão de mundo, pelas causas indígenas, pela demarcação de terras. Também no movimento por moradia, por transporte, ele representava fraternidade”, afirmou. 

Foto: Karolina Gazoni – Iema

Segundo Ricardo, a luta do biólogo serve de inspiração para a movimentação atual e é um legado para as gerações futuras. 

“É por isso que sempre o homenageamos na Barra do Jucu, lutamos pela demarcação de terras, contra o desmatamento. O legado dele continua hoje a nos inspirar, nos encorajar”, disse Ricardo Vereza. 

Os irmãos Ailton Barbosa Queiroz e José Barbosa Queiroz se entregaram à Justiça três meses após o crime. Ambos foram absolvidos em primeira instância, em julgamento ocorrido em 1997, mas condenados em segunda. 

Ailton foi condenado inicialmente a 16 anos de prisão, mas não chegou a cumprir pena. Já José, apontado como autor dos disparos e absolvido em 1998, foi condenado em 2002 à pena de 17 anos, mas serviu apenas quatro e conseguiu a liberdade condicional.

Paulo César Vinha deixou esposa, Lígia Maria Vinha, e um filho, Matheus Vinha, que na época do crime tinha apenas 12 anos. Hoje, ambos seguem os passos do biólogo na defesa do meio ambiente no Espírito Santo.

Parque estadual recebe nome do ambientalista

Após a morte do biólogo, o então Parque Estadual de Setiba passou a se chamar Parque Estadual Paulo César Vinha, por meio da Lei nº 4.903, assinada em 2 de maio de 1994 pelo governador Albuíno Azeredo.

Seu bioma é Mata Atlântica, com lagoas, praias, costão rochoso, dunas, planícies alagadas e vegetação de restinga com nove fitofisionomias, segundo o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema).

Funciona todos os dias das 8h às 17h, sem necessidade de agendamento. O endereço é Rodovia ES-060, km 37.5, em Setiba, Guarapari.

Em 20 de março de 2014, o parque sofreu com um incêndio que tomou 599 hectares de Mata Atlântica, considerado o pior de toda a história do santuário e levou a morte diversas espécies da fauna nativa, principalmente cupins, libélulas e caracóis, mamíferos e aves também foram afetados.

Já em setembro do ano passado, o segundo pior incêndio atingiu o parque, levando uma área equivalente a 1500 campos de futebol e 500 hectares. A investigação do Iema apontou que o fogo foi causado por ação humana. O fogo foi controlado após 34 dias e em janeiro de 2023, o parque foi reaberto para visitação. 

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* Reportagem: Guilherme Lage