Uma cena curiosa chamou atenção de quem passou pela Segunda Ponte nos últimos dias: as águas da Baía de Vitória estão com cores diferentes. De segunda (30) a quarta-feira (1) desta semana, de um lado, a água estava com uma coloração com um tom de barro e, do outro, mais escuro.
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O panorama faz lembrar o encontro das águas do Rio Negro e do Rio Solimões, na região da Amazônia. Nele, as águas do Negro, de cor preta, se encontram com as do Solimões, de cor barrenta. Os rios correm lado a lado e não se misturam por uma extensão de mais de 6 km. É uma das principais atrações turísticas de Manaus (AM).
Por aqui, as águas também não se misturam no trecho da foto que abre esta matéria.
O Folha Vitória procurou o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) atrás de uma resposta. Por meio de nota, o instituto respondeu que não é a primeira vez que há relatos sobre a situação.
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Não apontou que se trata de poluição ou algum problema de caráter ambiental. Frisou que, em condições climáticas específicas, isso acontece devido ao encontro do canal do Rio Marinho com o mar.
Porém, o biólogo marinho e pesquisador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP), Hudson Pinheiro, destacou que a causa das diferentes tonalidades é a poluição e a presença de esgoto lançado diretamente nos rios e mares.
“É o encontro das duas águas. Existe o Rio Marinho que, infelizmente, hoje em dia, é um grande valão, e que escoa grande proporção de esgoto in natura de Vila Velha para a Baía de Vitória, na região próxima às pontes. Essa água possui densidade menor do que a água do mar. Tanto a água do mar quanto a água que vem dos rios Santa Maria têm cor barrenta e se misturam. Essa mistura não acontece no contato com a água do Rio Marinho, uma água doce e menos salina que a da baía”, explica.
Pinheiro pontua que o fenômeno da diferença de tonalidade das águas na região amazônica é natural, totalmente contrário ao que está ocorrendo na Baía de Vitória.
“É bem diferente do que acontece na região amazônica, no encontro das águas do Rio Negro e Solimões. O Rio Negro possui água mais escura devido a um ácido que vem da decomposição de folhas e de material orgânico. Já a água do Rio Solimões, que é mais novo geologicamente que o Negro, é um rio de águas mais claras”, compara.
Ele diz que no Espírito Santo há mananciais com águas mais escuras. “Exemplo é o da chamada Lagoa da Coca-Cola, na Lagoa de Caraís, no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, na região de Setiba, em Guarapari. Lá a gente encontra essa água mais escura, natural, que é de decomposição de matéria orgânica. Bem diferente do que estamos vendo na Baía de Vitória, onde o fenômeno é causado pela ação humana, num contato entre a água de esgoto e a água mais salobra”, destaca.
Pinheiro lembrou também que a visibilidade do esgoto é maior quando há pouca movimentação das águas marinhas ou maré mais baixa. Assim, o material poluído não é diluído e fica mais à mostra.
Ele alerta que o prejuízo acaba alcançando tanto as espécies de peixes da baía, que ficam com pouca oferta de oxigênio com a água poluída, quanto as comunidades que dependem da pesca e terminam com pouca oferta de pescado.
Cesan diz que mais da metade dos moradores de Vila Velha fizeram ligação com a rede de esgoto
Por nota, a Companhia Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), responsável pela implantação de sistema de coleta e de tratamento de esgoto, informou que, somente durante o ano de 2022, coletou e tratou 13,7 bilhões de litros de esgoto em Vila Velha, configurando a contribuição mais significativa para a despoluição do mar e dos rios no município.
“Para efeitos de comparação, isso equivale a 13,7 milhões de caixas d´água de mil litros, ou 5,4 mil piscinas olímpicas cheias de esgoto que foi tratado e devolvido limpo ao ambiente”, comparou.
Segundo a empresa, o serviço de coleta e tratamento de esgoto oferecido pela Cesan está disponível para 59,3% da população de Vila Velha e 57,5% dos moradores já têm os imóveis conectados às redes.
“Porém, 1,8% têm o serviço disponível, mas ainda não ligou o imóvel ao sistema de coleta e tratamento de esgoto. Nos locais onde o serviço ainda não está disponível, os imóveis devem ter fossas sépticas que precisam ser limpas periodicamente pelos moradores para não poluir o ambiente”, reforça.
A companhia finaliza dizendo que sua meta é atingir a universalização com serviço de coleta e tratamento de esgoto em todos os 53 municípios onde atua até 2030.
“Os investimentos já estão garantidos e as obras em andamento. Até 2027 a Companhia prevê investir R$ 4,3 bilhões em ampliação e melhoria dos serviços de água e esgoto. Um recorde histórico para o Espírito Santo”, garante.
O que dizem as prefeituras de Vila Velha e de Cariacica
Sobre a diferença de cores da água na Baía de Vitória e a origem dela na poluição, a reportagem questionou também as prefeituras de Vila Velha e Cariacica, cujos territórios são abastecidos pelo Rio Marinho.
A Prefeitura de Vila Velha respondeu que fiscaliza, por meio da Coordenação de Fiscalização de Ecossistemas e Atividades Poluidoras, e que as multas são aplicadas para quem evidentemente deixa vazar esgoto a céu aberto proveniente de seu sistema individual.
“Os bairros inseridos na bacia do Canal Rio Marinho em sua grande maioria não dispõe de sistema público de coleta de esgotamento sanitário. É responsabilidade de cada cidadão a implantação de um dispositivo individual eficiente (tipo fossa-filtro, biodigestor, etc.)”, ressaltou.
A Prefeitura de Vila Velha informa ainda que a diferença de tonalidade também pode ser explicada pela diluição das chuvas.
Já a Prefeitura de Cariacica respondeu, por meio da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente (Semdec), que edificações construídas no entorno do Rio Marinho não possuem o devido tratamento de esgoto, o que gera uma grande contribuição de efluentes sanitários lançados no manancial por imóveis localizados no seu entorno, tanto em Cariacica, quanto em Vila Velha.
Lembrou que, no município, está em andamento a implantação de Parceria Público Privada “Ambiental Cariacica”, entre Cesan e Consórcio Aegea. Os parceiros se comprometeram contratualmente para implantação e evolução das áreas que ainda não dispõem do referido Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) pelos próximos 30 anos.
Cariacica afirma que faz fiscalização e aplica penalidades a quem lança esgoto sem tratamento no meio ambiente.
“Do ano de 2021 até o momento, a Semdec recebeu 305 denúncias relativas ao lançamento irregular de efluentes, em regiões onde não foi contemplado, até o momento, o Sistema de Esgotamento Sanitário (SES). Os proprietários de imóveis que não possuem sistema individual de tratamento de esgoto ou não estão interligados ao SES disponível vêm sendo orientados, notificados e/ou autuados conforme previsto no Código Ambiental e no Decreto Municipal nº 178/2022″, finalizou.