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Alvos de preconceitos, cresce número de transexuais que buscam trocar de nome no Estado

A retificação de registro civil, também conhecida como ação para troca de nome e também de gênero, em alguns casos, possibilita aos trânsgêneros uma vida com dignidade e mais feliz.

Alvos de preconceitos, cresce número de transexuais que buscam trocar de nome no Estado
Juliana buscou o seu direito de trocar de nome através da justiça, constituindo um advogado particular Foto: Divulgação

A ação de retificação de Registro Civil, também conhecida como ação para troca de nome no registro de acordo com o gênero, é algo novo. Muitos transgêneros e transexuais convivem com um nome em seus documentos, sendo que é uma pessoa que se identifica e aparenta ser do sexo oposto do nome que foi registrado quando criança. 

De acordo com o advogado Rui de Vasconcellos Pinto, apesar de ser uma realidade recente, o número de casos acompanhados por seu escritório vem aumentando. Em 2014 ele acompanhou três processos, em 2015 foram cinco e neste ano, o número subiu para oito. O advogado relata que a troca é feita por determinação judicial junto ao livro de registros civil, gerando assim uma nova certidão de nascimento. 

O especialista disse ainda que a ação pode ser tão somente de troca de nome ou de mudança de sexo (gênero), neste caso, carecendo de cirurgia. Mas, em sua maioria, os processos são tão somente de alteração de nome masculino para feminino.

“Principalmente pessoas que exercem profissões, tal qual cabeleireiras e maquiadoras reconhecidas pela qualidade de sua profissão, mas que quando em público, são retaliadas sofrendo discriminação e perseguição. Infelizmente vivemos em um país por deveras machista”, relatou.

Rui de Vasconcellos afirma ainda que a maioria das pessoas que procuram esse serviço é de jovens que se comportam como mulher em suas atitudes, vestiários  e emoções, mas nasceram homens. O advogado também ressalta a agilidade no tempo de trâmite dos processos de retificação de registro.

De acordo com o advogado Rui de Vasconcellos diz que o número de casos vem aumentando Foto: Arquivo Pessoal

“Antes demorava de um ano a um ano e 6 meses para a conclusão do processo.  Atualmente, a última ação transcorreu em cinco meses, entre interposição e retificação do nome sobre os assentamentos no cartório onde foi emitida a certidão de nascimento”.

A equipe de reportagem buscou com o  Sindicato dos Notários e Registradores do Estado do Espírito Santo (Sinoreg) informações sobre número de retificações de registros.

A informação é de o Sinoreg não faz esse tipo de levantamento, mas que o pedido de alteração de nome pode ser solicitado em qualquer cartório de registro civil, mediante decisão judicial e o procedimento de retificação da certidão de nascimento é imediato. O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJ-ES) também não tem números dos pedidos. 

Enquanto os órgãos não possuem dados, na ‘vida real’ o que não faltam são casos. Durante 35 anos Cristiano de Oliveira Pereira conviveu com o nome de registro, mesmo não se percebendo como um homem. Apesar da compreensão e apoio da família, procurou a Justiça para a mudança de nome e em abril deste ano, conseguiu a sentença favorável. 

Juliana Oliveira Pereira

De Cristiano para Juliana de Oliveira Pereira, de 36 anos. A sentença foi um presente de aniversário. Juliana optou em contratar um advogado para cuidar do processo e investiu R$ 3 mil.

“Optei por um advogado pela agilidade e disponibilidade do profissional em acompanhar constantemente o andamento do processo. No meu caso, em 30 dias o juiz deu sentença favorável ao meu pedido. Tive que esperar um pouco mais para a mudança do nome nos meus documentos porque nasci no interior, então foram 90 dias para eu conseguir novos documentos”, afirmou.

Juliana, que é proprietária de um buffet, conta que resolveu mudar de nome porque trabalha com eventos e também porque a sociedade não respeita um travesti.

“Sempre tive uma vida discreta, sempre trabalhei e sou uma pessoa séria. Apesar de levar uma vida normal, sem excessos, a sociedade não respeita um travesti e associa o travesti a libertinagem. Hoje eu me sinto realizada com a troca de nome e as pessoas me respeitam como mulher. Para a minha realização plena, só falta a cirurgia de troca de sexo”, disse.

A entrevista para a cirurgia no Hospital das Clínicas está marcada para o dia 17 de novembro. Juliana conta que conhece muita gente que ainda acredita que para conseguir o direito de mudar o nome de acordo com o gênero, tem que ter feito uma cirurgia de troca de sexo primeiro. 

“As pessoas que, assim como eu, são mulheres, devem ficar atentas porque não é necessário a cirurgia. Ela é uma consequência da troca do nome”, disse.

Apesar de se sentir realizada, amada e respeitada pela família, além de saber muito bem sobre a sua identidade, todos esses fatores não a preservaram de passar por constrangimentos, um deles, dentro de uma aeronave.

“Eu já estava dentro de um avião quando anunciaram o meu nome de registro diante de todos, alegando que o nome na identificação estava divergindo do passageiro. Neste momento eu me senti muito constrangida, mas não me intimidei”.

Juliana buscou o seu direito de trocar de nome na justiça, mas muita gente que vive a situação que ela viveu, não imagina que pode dar entrada no processo gratuitamente, por meio do projeto Autonomia Trans, da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo.

De acordo com a coordenadora de Direitos Humanos da defensoria, Vivian Almeida, o projeto surgiu considerando a dificuldade de acesso da população trans aos estabelecimentos públicos, o preconceito e constrangimento vivido por estas pessoas. O projeto foi lançado no ano passado.

“Em 2015 aqui na Grande Vitória, mais de 20 pessoas tinham o interesse em mudar de nome. O que percebemos hoje é que há uma grande dificuldade para se conseguir a retificação do registro porque muitos magistrados solicitam relatórios psicossociais, então pelo projeto inserimos estas pessoas nos CRAS municipais para conseguirem os atendimentos com psicólogos e assistentes sociais”, disse.

O atendimento às pessoas que desejam mudar de nome de acordo com o seu gênero é feito dentro do núcleo de Direitos Humanos e Vivian Almeida explica o motivo: “Dentro no nosso núcleo o atendimento é mais humanizado, sensível e totalmente voltado para a realidade destas pessoas”.

Fernanda Soares

Quem faz parte deste grupo é a cabeleireira Fernanda Soares, 27 anos, este é o nome social dela, porque, ainda em seus documentos consta o nome Tiago Soares, sexo masculino. Ela conta que sempre se viu como mulher e não havia procurado a Defensoria Pública antes porque não queria mudar somente o seu nome.

“Queria trocar o meu nome e também o gênero, porque não adiantaria para mim ter um nome social e o sexo continuar sendo masculino. Então, após fazer a cirurgia de troca de sexo em maio deste ano, no Hucam, peguei um laudo médico e procurei a Defensoria”.

O processo de retificação de nome e gênero já está na Justiça, e ela tem esperança de que o julgamento favorável ao seu pedido saia logo. Mas a esperança de dias melhores foi antecedida por muito constrangimento, discriminação e tristeza.

Mesmo com o nome de registro sendo Tiago, ela sempre utilizou o nome Fernanda, uma mulher trabalhadora que sempre atuou no ramo da beleza. Quem sempre cuidou das pessoas para deixá-las mais bonitas, quando precisava ser cuidada ou ser atendida em repartições públicas se via injustiçada.

“O constrangimento era enorme em postos de saúde e hospitais públicos, me chamavam pelo nome masculino, mesmo eu me apresentando como mulher. Pedia para me chamarem de Fernanda e isso não acontecia. Sofri isso em bancos também, então procurei evitar repartições públicas. Sem contar que perdi muitas oportunidades de emprego. Eu sabia da vaga, me apresentava, mostrava o meu trabalho e as pessoas gostavam e me tratavam bem, mas quando eu apresentava meus documentos para ser contratada, o tratamento mudava drasticamente e perdia a possibilidade de trabalhar”.

Não bastassem estas situações, Fernanda, que é casada há sete anos, vê na conclusão do seu processo a possibilidade de deixar ainda mais forte a sua história de amor, oficializando seu relacionamento perante às leis dos homens.

“Sou casada há sete anos e nunca pude regularizar a minha situação com meu marido, mesmo ele me cobrando. Não posso ser dependente dele em questões legais e assim que for autorizada a retificação do meu nome e gênero, iremos nos casar”.

Fernanda conta, ainda que, depois que conseguir todos seus documentos com o novo nome e gênero, ela poderá exercer a sua cidadania.

“Assim que eu estiver com os documentos novos poderei levar minha vida normalmente, com dignidade, vou poder arrumar um emprego com carteira assinada e ter felicidade como toda mulher precisa viver”.

O atendimento no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública pode ser agendado pelo telefone 3222-2019.