O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o motorista que provocar a morte de alguém no trânsito, após ingerir bebida alcoólica, deve responder por dolo eventual, quando há intenção de matar. Mesmo assim, esse entendimento não tem sido aplicado automaticamente em alguns casos no Espírito Santo, o que reduz bastante a pena do autor do crime.
O promotor de Justiça Nilton de Barros admite que o Judiciário tem sido brando, de uma maneira geral, em casos de acidente com morte no Espírito Santo. “O tempo inteiro você está batalhando para que as vítimas tenham um prestígio maior, para que a sociedade tenha uma segurança maior, no sentido de que ela não vai ser aviltada por qualquer tipo de infrator. Mas nem sempre a gente consegue esse respaldo judicial”, lamenta.
No entanto, se há um ponto de clareza em casos de acidente com morte, é quando o álcool está envolvido. Quando o motorista que provocou o acidente ingeriu bebida alcoólica e assumiu o risco ao assumir o volante, o olhar da Justiça é mais clínico, e a mão, mais pesada.
“Os 11 ministros do STF, por maioria de votos, já decidiram — e é uma decisão que tem que ser obedecida por todos os tribunais, todos os juízes e todos os delegados — que, no caso de associação da direção de veículo automotor e embriaguez, a pessoa é submetida ao tribunal do júri. Ou seja, mesmo que ele não tenha tido a intenção de tirar a vida de outra pessoa, de matar, mas ele assumiu o risco de produzir esse resultado. Então, ele é submetido ao tribunal do júri e a pena pode chegar a 30 anos”, explicou o advogado criminalista Rivelino Amaral.
Apesar da determinação do STF, no Espírito Santo, por conta do entendimento individual de alguns delegados, promotores e juízes, decisões diferentes são tomadas nesses casos. Um exemplo é o do motorista Wilker Wailant, de 36 anos, preso após atropelar e matar a universitária Ramona Bergamini Toledo, 19.
A jovem estava em uma moto, parada, aguardando o semáforo abrir, quando foi atingida, junto com outros dois veículos, pelo carro conduzido por Wilker, que invadiu a contramão. A batida aconteceu na avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha, a aproximadamente 200 metros da casa da estudante. Ela cursava Fisioterapia e trabalhava como entregadora de um aplicativo de alimentação.
O motorista se recusou a fazer o teste do bafômetro, mas, segundo policiais que atenderam à ocorrência, ele apresentava sinais de embriaguez. Mesmo assim, foi autuado em flagrante por homicídio culposo, ou seja, que não tem a intenção de matar.
“A diferença é que, no Código de Trânsito Brasileiro, a pena é de dois a quatro anos e se trata de homicídio culposo. No caso do Código Penal, se for um homicídio simples, sem qualquer qualificadora, a pena é de seis a 20 anos. E, ao final do processo, essa pessoa pode ser efetivamente presa, o que não acontece na modalidade de crime culposo, por mais que seja condenada”, explicou o advogado criminalista Allex Bello Lino.
Wilker foi preso logo após ter alta hospitalar e teve a prisão preventiva decretada no último sábado (7). No entanto, os advogados de defesa dele entraram com um pedido de habeas corpus para que Wilker possa responder ao processo em liberdade. O pedido de liberdade será analisado pela Justiça, mas ainda não há um prazo para que essa análise seja feita.
A mãe de Ramona, Kelly Toledo, não se conforma com a situação e pede justiça. “Estava bêbado, na contramão e assassinou ela, porque não foi um acidente”, afirmou.
Lino concorda que, no caso de Wilker, o entendimento da Justiça deveria ser diferente ao indiciá-lo. “Nesse caso, como houve uma imprudência em relação à alta velocidade e também uma atitude temerária, de se dirigir na contramão, pode sim ser considerado dolo eventual”, frisou o advogado.
Acidente na Rodovia do Sol
Também é por justiça que o empresário Izaías Moreira vem lutando desde que a filha, Sâmia Izabella, morreu em um acidente na Rodovia do Sol, em 2014. Segundo a polícia, o motorista também estava embriagado e invadiu a contramão, atingindo o carro onde a vítima estava. Mesmo assim, ele pagou fiança, de pouco mais de R$ 7 mil, e foi liberado.
“Eu não sei se os políticos e os juízes, o pessoal que determina a lei, se eles botam na cabeça que o valor da vida do seu filho é o mesmo valor da vida da minha filha. E foi uma fiança de R$ 7.250”, lamentou Izaías.
Para o juiz Ezequiel Turíbio, nesses seis anos após a morte de Sâmia, houve mudanças na lei, mas ainda é preciso mais. “Não atendeu aos anseios da sociedade, que queria uma punição maior para esses crimes de trânsito, principalmente o homicídio”, opinou.
“A gente não pode deixar esse tipo de situação passar em branco, com vítimas que são eliminadas, que não vão retornar, por um mero descuido. Esse descuido deve ser penalizado e as circunstâncias do caso concreto é que vão determinar se houve dolo eventual ou um caso de culpa”, completou Nilton de Barros.
Com informações da jornalista Andressa Missio, da TV Vitória/Record TV