“As provas são todas on-line, aprendi que é mais fácil procurar respostas na internet do que folhear um livro”, confessou a aluna do 2º ano do Ensino Médio da rede pública, Izabela da Silva Oliveira, de 16 anos.
A experiência da aluna com as aulas a distância confirma os seguintes números: nas disciplinas de Português e Matemática, no ensino médio, apenas 38% e 17% do conteúdo é absorvido nas matérias, respectivamente.
Os dados fazem parte da pesquisa realizada pelo Núcleo de Ciência Pela Gestão Educacional do Insper e Instituto Unibanco, divulgados no último dia 2 de junho. Uma das fontes para esse resultado são as informações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que disponibilizou um retrato da educação no país.
A busca por respostas na internet, a desmotivação no aprendizado e a falta na troca de experiência são reflexos da nova forma de ensino que a pandemia da covid-19 trouxe para os estudantes. Desde o início de 2020, os alunos foram obrigados a trocarem o lápis, papel, caneta e o quadro branco por uma tela.
A doutora em Educação, Edna Tavares, refletiu que o retrocesso brasileiro será muito maior do que em outros países.
“O impacto é grave porque quebra, interrompe uma série de pequenos avanços que havíamos conquistado, fruto de uma melhora no ensino fundamental. É um dos países onde as escolas ficaram por mais tempo fechadas”, frisou ela.
A pesquisa apontou que, em todos os estados brasileiros, mais o Distrito Federal, em 2020, apenas 13% do ano letivo, em média, se deu com atividades presenciais, o que compreende em 26 dias, diante de um calendário letivo de 200. Os demais foram cumpridos remotamente.
Falta de internet é ainda mais prejudicial
Em 2020, os estudantes assistiram, em média, aproximadamente 36% das 25 horas de aulas online por semana. Entre os possíveis motivos por trás desse baixo índice estão a falta de acesso à internet, de equipamentos de informática e de estímulo para acompanhá-las.
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Ainda segundo o estudo, uma proposta desenvolvida por professores americanos, apontou que para cada dia de aula perdido, o estudante não aprende o que de fato foi tratado no dia em que faltou e tem uma perda de proficiência adicional, o que equivale a aproximadamente em 1,55 dias de aula.
Resultados desanimadores para os alunos do 3º ano do ensino médio
Considerando todos esses elementos, o estudo estimou que estudantes brasileiros ingressaram no terceiro ano do Ensino Médio, neste início de 2021, com uma proficiência menor – equivalente a nove pontos a menos em língua portuguesa e a dez em matemática na escala do Saeb – frente ao que seria esperado se tivessem cursado todo o segundo ano, em 2020, presencialmente.
Se mantidas somente as aulas a distância até o fim deste ano para os finalistas do ensino médio, com o mesmo nível de engajamento observado até o momento, a projeção é que a perda de aprendizado vai se acentuar, alcançando 16 pontos em língua portuguesa e 20 em matemática.
Para se ter uma ideia da dimensão desses números, em tempos normais, um aluno desenvolveria nas três séries do ensino médio uma proficiência total equivalente a 20 pontos em língua portuguesa e a 15 em matemática.
Para a redução desse cenário ruim, os pesquisadores do estudo acreditam que será necessário a adoção de modelo híbrido de ensino, ou seja, aulas presenciais e virtuais.
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Os autores recomendam ainda a implantação de medidas que busquem reforçar e recuperar o conteúdo dos currículos e dobrar o nível de engajamento nas aulas online. Caso implementado, a perda de aprendizado seria de 11 pontos em língua portuguesa e de 12 em matemática.
Ações que podem contribuir:
1) Dobrar o engajamento dos estudantes;
2) Adotar ensino híbrido ao longo de todo o semestre;
3) Assegurar uma eficácia de 50% maior, combinando a otimização do currículo com ações voltadas para a aceleração do aprendizado.
“Não será fácil, porém, experiências internacionais já mostraram que com foco, planejamento e políticas públicas direcionadas para educação poderemos recuperar o que foi perdido e preencher a lacuna criada”, alertou a doutora Edna.
Ela ainda esclareceu que a pandemia de covid-19 só potencializou problemas que já existiam, como a baixa proficiência, alta evasão, desigualdade e desinteresse pela escola.
Consequências para o futuro
As perspectivas apontam ainda que a perda de proficiência deve levar à redução de rendimentos ao longo da vida. E, se mantido o atual modelo de aulas, o quadro pode piorar.
Outra preocupação ponderada pela especialista Edna Tavares, é o despreparo desses alunos para ingressar no ensino superior.
“As universidades e institutos, públicos e privados, receberão alunos ainda mais fracos e despreparados, dificultando a formação acadêmica, que já deixava a desejar”, explicou.
A estudante Izabela da Silva Oliveira, quer ingressar no curso de medicina, mas entende que as dificuldades para entrar em uma universidade pública serão ainda mais difíceis.
“A gente vai se virando como pode. Não tendo contato com os outros alunos acaba que no final só temos a nossa opinião. E tenho um pouco de preguiça de estudar sozinha, é tudo bem desanimador, lamentou ela.
Impacto na vida financeira
O estudo demonstrou que a perda de proficiência em matemática, por exemplo, pode implicar a diminuição de até 10% da remuneração ao longo da vida.
Num cenário em que esse prejuízo de aprendizado atinja os cerca de 35 milhões de matriculados nos ensinos fundamental e médio no país, a perda poderia somar cerca de R$ 1,5 trilhão ao longo da vida deles.
Para essa projeção, uma das referências dos pesquisadores é a estimativa de que um ponto a menos de proficiência reduz em 0,5% a remuneração de trabalho. Calcula-se que, ao longo de sua vida, um jovem que termina o ensino médio acumula, em média, R$ 430 mil em rendimentos durante sua vida.
Rede pública X rede privada
Edna acredita que o impacto é negativo em ambas esferas de educação, mas que na rede particular o impacto pode ser um pouco menor porque os ajustes tecnológicos foram imediatos e o ensino online aconteceu.
“Diferente da Rede Pública, que por muitos fatores teve maior dificuldade de implantar e também da adesão dos alunos ao ensino online”, finalizou ela.