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ARTIGO | Não cabe ao STF descriminalizar porte de drogas para consumo pessoal

Ter droga para consumo pessoal é crime, e as pessoas estão distorcendo achando que não é. Mas ainda é. O STF discute se vai desconsiderar como crime

Foto: Divulgação

* Artigo escrito por Rivelino Amaral, advogado criminalista e professor de Processo Penal

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou recentemente o julgamento sobre o porte de maconha para consumo pessoal, que estava parado desde 2015. O ministro André Mendonça, entretanto, pediu mais tempo para analisar o caso, cujo placar está 5 a 1 em favor da regulamentação da cannabis.

O que se discute é a constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Drogas, aprovada em 2006, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para si próprio. Alexandre de Moraes, um dos 11 ministros da Corte, sugere que pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas sejam consideradas usuárias. 

Embora tal conduta hoje seja criminalizada, a punição prevista não é de prisão. São aplicadas medidas alternativas, como advertência sobre os efeitos das substâncias e prestação de serviços comunitários.

Diante do que temos visto, quero aqui deixar uma perguntar: você permitiria que um médico que faça uso de maconha operasse seu filho ou sua mãe? Pense. 

Vale dizer que os ministros irão tratar apenas do uso pessoal, e não do tráfico de drogas, que tem pena de cinco a 15 anos de prisão. Este caso tem como base um recurso apresentado em 2011 pela Defensoria Pública, após decisão da Justiça de São Paulo de condenar um homem, em flagrante, com três gramas de maconha.

Apesar de me posicionar contra a descriminalização, não posso deixar de contextualizar os impactos da proibição em relação aos índices de criminalidade e à sobrecarga em unidades prisionais espalhadas pelo País. 

O Brasil, por exemplo, é o 3º país do mundo em população carcerária; o Espírito Santo tem 37 presídios superlotados, sendo que 80% dos detentos são ligados direta ou indiretamente às drogas.

Em 2006, o legislador tentou fazer uma adaptação na Lei e recrudesceu a pena para o tráfico, imaginando que isso reduziria a criminalidade. E não reduziu. Agora, infelizmente, o STF está caminhando para a descriminalização.

Como ex-conselheiro da OAB-ES (2015-2018) e professor de Direito Penal, tenho experiência no sistema legal. Sou categórico ao dizer que o tipo de alteração proposta na Lei de Drogas seria um desserviço à sociedade. 

Foto: LR Comunicação/Divulgação

Rivelino Amaral é advogado criminalista

Os países que adotaram essa medida, como o Uruguai, por exemplo, tiveram um aumento de mais de 200% no consumo de drogas. Uma das questões desse imbróglio é quem definirá critérios para distinguir o uso recreativo do uso criminoso, haja vista que o parâmetro apontado pelos ministros do STF é de 25 a 60 gramas. Todos terão que ser unânimes para fixar uma quantidade.

A minha crítica é justamente em relação à influência popular como forma de determinar a competência de quem julga o quê. É o chamado intervencionismo judicial. 

Quer dizer, quem deveria alterar essa Lei seriam os senadores e deputados. Como eles estão inertes, e a gente está vivendo um clamor público muito grande, o Judiciário está intervindo e tomando o lugar do legislador. O que o STF decidir, todos os tribunais terão que seguir.

Em 2005, um ano antes da aprovação da atual Lei de Drogas, o Brasil tinha menos de 300 mil presos. Hoje, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a população carcerária é de 832 mil pessoas. 

O julgamento que trata do assunto sofreu interrupção, ainda em 2015, por um pedido de vista do ex-ministro Teori Zavascki, morto em 2017. Seu sucessor, Alexandre de Moraes, liberou o caso para ser retomado em 2018, porém, ele só foi pautado pelo Supremo neste ano. 

Os quatros votos até agora a favor da descriminalização foram de Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e o próprio Alexandre de Moraes. Faltam os votos de André Mendonça, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Rosa Weber.

O andamento da ação no Supremo deve ficar mais rápido para que a decisão seja tomada antes da aposentadoria de Rosa Weber, atual presidente do órgão máximo do Poder Judiciário. 

Penso que vão tentar acelerar, especialmente porque a ministra Rosa Weber vai se aposentar e ela já sinalizou que gostaria muito de se manifestar nesse processo. 

Ter droga para consumo pessoal é crime, e as pessoas estão distorcendo achando que não é. Mas ainda é. O STF discute se vai desconsiderar como crime, se vai retirar essa previsão de uma punição que não tem prisão, só isso.

Erika Santos, editora-executiva do Folha Vitória
Erika Santos Editora-executiva
Editora-executiva
Jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), com MBA em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa.