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ARTIGO | Precisamos trabalhar na desconstrução dos valores machistas

A violência contra as mulheres se apresenta de muitas formas, não apenas física, mas também pode ser psicológica, sexual, moral e patrimonial

Foto: Divulgação / Polícia Civil

A Lei n° 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha) é um importante instrumento legal no enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil, e no nosso estado do Espírito Santo, sendo que a Polícia Civil, por meio da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, possui uma equipe de delegadas, escrivães, investigadores, agentes, assistentes sociais, que diariamente envida todos esforços para o combate à violência doméstica e familiar contra mulher no Estado.

Isso ocorre por meio da repressão, com investigações diárias, prisões em flagrante e com a deflagração constante e contínua das Operações Marias; bem como por meio da prevenção, sendo o projeto Homem que é Homem e o projeto Divisão Especializada de Atendimento à Mulher e Deams Itinerante, mecanismos de extrema relevância e importância para tanto. 

Faz-se extremamente importante e necessário para o enfrentamento à violência doméstica e familiar o trabalho conjunto de repressão e prevenção. 

Precisamos trabalhar na desconstrução dos valores machistas, infelizmente, ainda existentes na sociedade, e essa deve ser uma luta e um compromisso, não só das mulheres, mas de toda a sociedade.

Infelizmente, em todo o mundo, no Brasil e no estado do Espírito Santo, mulheres vivenciam situações de violência doméstica e familiar. Essa é uma realidade não só do nosso Estado, mas, infelizmente da sociedade brasileira e mundial. 

Por vezes, vemos homens, em razão dessa cultura machista, agindo como se as mulheres fossem posse, e propriedade deles, e usando a violência para se manterem nessas situação de dominação e poder, e levam mulheres a vivenciarem relacionamentos abusivos.

A violência contra as mulheres se apresenta de muitas formas, não é apenas física, mas também pode ser psicológica, sexual, moral e patrimonial.

No Brasil, um dos importantes avanços na luta pelos direitos e enfrentamento à violência contra a mulher foi a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

A violência doméstica e familiar contra a mulher infelizmente sempre existiu, sendo ela cultural, fruto de uma sociedade machista e de cultura patriarcal; fruto de um machismo estruturado e estruturante. 

Porém, antes da Lei Maria da Penha, o número de mulheres que denunciavam seus agressores era bem menor em razão dos aspectos culturais, bem como por não se ter uma punição efetiva e eficaz.

Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada, passando a vigorar em todo território nacional em 22 de setembro do referido ano, a Lei Federal n° 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha. 

Essa lei trata a violência doméstica e familiar contra a mulher de forma ampla, evidenciando a necessidade de uma resposta interdisciplinar.

A Lei Maria da Penha expressamente prescreveu e ressaltou em seu artigo 6° que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação aos direitos humanos. A Lei nº 11.340 de 2006 possui um caráter, além de punitivo, educativo, orientador e preventivo.

Para os efeitos da Lei Maria da Penha, é forma de violência doméstica e familiar contra a mulher a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

A Lei nº 11.340/2006 inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica, reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, do Judiciário por meio das Varas Especializadas, da Defensoria Pública, do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, bem como estabeleceu uma série de medidas de caráter social protetivo, repressivo e preventivo.

Desconstrução de valores machistas

A divulgação da Lei Maria da Penha é, portanto, de extrema importância, ante a urgente necessidade de se reeducar a sociedade e desconstruir valores machistas passados ao longo dos tempos, alcançando, enfim, o convívio harmônico, de respeito e igualdade. 

E para que a vítimas, cientes dos seus direitos, se encorajem e denunciem sempre esse tipo de violência, que é inadmissível na sociedade.

A Polícia Civil do Espírito Santo coloca o enfrentamento da violência contra a mulher como umas das prioridades, motivo pelo qual, com a reestruturação ocorrida na Polícia Civil por meio da Lei Complementar n° 892/2018 do dia 6 de abril de 2018, foi criada a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher que engloba a coordenação de todas as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) e a Coordenadoria da Delegacia de Plantão Especial da Mulher da Região Metropolitana (PEM) e a Seção de Projetos Educacionais, Prevenção e Estudo da Violência, onde encontra-se o projeto Homem que é Homem e o projeto Divisão Especializada de Atendimento à Mulher e DEAM’S Itinerante.

É notório que a cada dia que passa, aumenta o número de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que estão denunciando seus agressores. 

Que não tenhamos a falsa impressão de que isso se deu em virtude de aumento no número de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher – vez que, infelizmente ela sempre existiu, fruto de uma sociedade machista e de cultura patriarcal .

Mas certamente, com a Lei Maria da Penha, os mecanismos por ela implementados, a divulgação das disposições deste diploma normativo, e atuação comprometida da Polícia Civil, por meio da Divisão e das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) e da Divisão de Homicídio e Proteção à Mulher (DHPM), em conjunto e integrado com os demais órgãos que atuam em rede no combate rigoroso a esse tipo de violência, que é a Polícia Militar, o Ministério Público, Judiciário, Defensoria, Prefeituras (CRAS e CREAS), dentre outros, as vítimas se sentem mais seguras e encorajadas para denunciar seus agressores.

O atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar deve ser acolhedor, humanizado e em rede, abarcando um trabalho integrado entre as mais diversas instituições que, atuando conjuntamente, são capazes de oferecer todas as ferramentas à plena assistência à vítima.

Insta salientar que no escopo da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, além da repressão aos crimes resultantes de violência familiar e doméstica contra mulher e crimes contra a dignidade sexual, encontra-se também o trabalho de prevenção.

Projeto Homem que é Homem

Isso se traduz no projeto Homem que é Homem, desenvolvido pela Seção de Projetos Educacionais, Prevenção e Estudo da Violência, subordinada ao Gabinete da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher; bem como por meio de palestras e ações de abordagem com a população para dialogar sobre a Lei Maria da Penha e o enfrentamento à violência contra a mulher, dentre eles os projeto Divisão Especializada de Atendimento à Mulher e Deams Itinerante.

A relevância do projeto Homem que é Homem se encontra no fato de que é imperativo discutir com o homem agressor as questões que envolvem relacionamentos baseados na violência, pois se trata de uma questão de necessidade social, uma vez que comportamentos machistas, sexistas e misóginos ainda integram as concepções de masculinidade. E precisamos desconstruir esses valores ainda existentes.

Dentre os diversos objetivos do projeto Homem que é Homem destaca-se “Prevenir e reduzir a violência intrafamiliar e de gênero em congruência com a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha)”. 

Além disso, tem como resultados esperados, entre outros, reduzir os casos de violência doméstica contra a mulher e prevenir as reincidências e as possíveis ocorrências.

Foto: Divulgação/Sesp

Toda a sociedade, bem como, o sistema de Justiça Criminal estão convencidos das vantagens em enfrentar a violência contra a mulher, também numa perspectiva preventiva, pois apenas a repressão a crimes com motivação de gênero – desacompanhada de ferramentas aptas a propor a desconstrução social de valores machistas e patriarcais – definitivamente não será capaz de frear a epidêmica violência contra a mulher na sociedade brasileira. 

Nestes grupos reflexivos, homens autores de violência são levados a refletir sobre as relações de gênero, formas pacíficas de lidar com os conflitos, identificação e reflexão a respeito das violências vivenciadas nas suas relações, bem como, aspectos relativos à relação familiar, propondo a estes homens – nas dinâmicas propostas nos grupos – pensar o espaço subjetivo ocupado na família como um lugar democrático de convivência.

Lançado em 2015 e idealizado por psicólogas e assistentes sociais da Polícia Civil, o projeto Homem que é Homem foi desenvolvido para contribuir para a redução do índice de reincidência de violência contra a mulher no Espírito Santo. 

A partir do ano de 2017 se iniciou um processo de expansão desse projeto para os municípios do Estado, por meio de Termo de Cooperação Técnica firmado entre a Polícia Civil e as Prefeituras dos Municípios.

Outro projeto de relevância no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher é o Divisão Especializada de Atendimento à Mulher e Deams Itinerante, por meio do qual, com o ônibus da Polícia Civil, que é uma delegacia móvel, realizaremos ações ITINERANTES em toda a Grande Vitória e interior para enfrentamento à violência contra a mulher, alcançando também os municípios que não possuem Deam.

Ações itinerantes nos municípios do Espírito Santo

A Equipe da Divisão e suas Deams realizam com essas ações itinerantes atendimento à mulheres vítimas de violência doméstica ou crimes contra a dignidade sexual na delegacia móvel; bem como orienta e dialoga com a população do município onde a ação está sendo realizada, com mulheres e homens, sobre a Lei Maria da Penha e o enfrentamento à violência contra a mulher, os meios para denunciar, entregando cartilhas e folders com explicações e orientações.

Além disso, a equipe, no município em que a ação está sendo realizada, ministra palestras sobre a temática nas escolas para crianças e adolescentes. 

O objetivo, além do atendimento e acolhimento das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, é também trabalhar na prevenção dessa violência; tirar dúvidas; trabalhar na desconstrução da cultura machista ainda existente na sociedade; bem como aproximar a polícia da população, em ações de Polícia Comunitária e Cidadã.

Essas ações realizadas pela Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, e no projeto Homem que é Homem, no projeto Divisão Especializada de Atendimento à Mulher e Deams Itinerante, em conjunto com as ações realizadas pelos demais órgãos que integram a Rede de Proteção à Mulher Vítima de Violência, Polícia Militar, Ministério Público, Judiciário, Defensoria, Saúde, Prefeituras (Cras e Creas) e demais órgãos, contribuem para o combate em rede à violência contra a mulher em nosso Estado. 

Sabemos da importância de debelar a violência contra a mulher, e a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil irá continuar com essas ações qualificadas, de forma integrada, com a mesma dedicação, comprometimento e afinco em 2023.

A Polícia Civil, por meio da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, ressalta a importância da Lei Maria da Penha como um relevante instrumento legal no enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil, e no nosso Estado, e orienta que a mulher que for vítima dos crimes resultantes de violência doméstica e familiar contra a mulher, que vivam um relacionamento abusivo, que não se calem, que procurem a delegacia do município que ocorreu o fato para registrarem o boletim de ocorrência.

Isso é importante para que os autores dos fatos sejam devidamente investigados e responsabilizados por seus atos, sendo que a mulher que tem deferida uma medida protetiva em seu favor e o agressor estiver a descumprindo deve comunicar o fato à polícia e ao Judiciário, para que ele responda também pelo crime de descumprimento de medida protetiva de urgência. 

O boletim de ocorrência também pode ser registrado por meio da Delegacia Online. Além disso, se o agressor estiver em estado flagrancial, cometendo o crime naquele momento, a Polícia Militar deve ser acionada por meio do 190. Hoje, com a Lei Maria da Penha, ele poderá ser preso e autuado em flagrante. 

Por fim, vale ressaltar que denúncias sobre casos de violência doméstica e familiar também podem ser feitas de forma anônima, por meio do Disque Denúncia 181 e do Disque 180, que é a Central de Atendimento à Mulher do governo federal.

*Artigo escrito por Cláudia Dematté, delegada. Saiba mais sobre a autora abaixo:

Foto: Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal

Cláudia Dematté é delegada-chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Polícia Civil do Espírito Santo.

Erika Santos, editora-executiva do Folha Vitória
Erika Santos Editora-executiva
Editora-executiva
Jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), com MBA em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa.