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Ataques a escolas em SP e no ES guardam trágicas semelhanças

Tanto em São Paulo quanto em Aracruz, as tragédias foram provocadas por adolescentes. Saiba como sobreviventes tentam reconstruir suas vidas

Foto: Repórter Record Investigativo
Adolescente que atacou duas escolas em Aracruz cumpre medida socioeducativa

A manhã desta segunda-feira (27) começou com um Brasil novamente em luto, por conta de mais um ataque a escolas perpetrado por um adolescente. Em um colégio de São Paulo, um estudante de 13 anos utilizou uma faca para atingir alunos e professores, deixando uma professora morta e outras cinco pessoas feridas. 

A tragédia faz eco a um outo atentado que marcou e transformou vidas no Espírito Santo: os ataques à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti e ao Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), em Aracruz, no Norte do Estado. 

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Quatro meses após os ataques que chocaram o Espírito Santo e o Brasil, sobreviventes ainda tentam reconstruir suas vidas, desde cicatrizes emocionais até literalmente reaprender a andar. 

As marcas da violência desmedida ainda podem ser sentidas e vistas em corpos e mentes. 

Entre os dois atentados, algumas semelhanças saltam aos olhos imediatamente: o fato de ambos os perpetradores serem adolescentes e a estética escolhida e utilizada pelos dois, como roupas pretas e máscaras de caveira. 

A indumentária traz referências claras ao neonazismo, que como apurado em reportagem especial do programa Repórter Record Investigativo, da TV Vitória/Record TV, era algo que interessava profundamente o atirador de Aracruz. 

“Eles (os pais do atirador) tinham percebido o interesse dele em relação aos assuntos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Inclusive, eles tinham visitado um museu, mas nada que eles pudessem imaginar qual seria o verdadeiro intuito disso”, afirma a advogada da família do atirador, Priscila Benichio

Ele participava de grupos secretos na internet e tinha interesse por conteúdo nazista. Segundo a investigação, tudo começou durante a pandemia, quando o adolescente tinha apenas 14 anos.

O dia dos ataques 

No dia dos ataques, o menor invadiu as escolas utilizando uma braçadeira com uma suástica, e teve que arrombar os cadeados da Escola Primo Bitti para entrar no colégio e dar início ao massacre. 

Ele chegou ao local em um Renault Duster, de cor dourada, que ele mesmo dirigia por volta das 9h25. O menor desceu do veículo e se dirigiu aos fundos da Escola Primo Bitti. 

Sobreviventes relembram os momentos que antecederam a manhã de horror sob a mira do assassino. 

“A gente estava ali concentrado, conversando, rindo, falando que já estava chegando a hora das férias, faltam quantas semanas e como é que tá de nota. Conversamos essas coisas”, contou a professora Sandra Regina Guimarães, que sobreviveu ao atentado.

Foto: Montagem / Folha Vitória
Penha, Cybelle, Selena e Flávia morreram no massacre de Aracruz

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Dali para frente, teve início o pesadelo que tirou a vida de três professoras na Escola Primo Bitti: Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos; Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos; e Flávia Amboss Merçon Leonardo, de 36 anos; 

Já no Centro Educacional Coqueiral de Aracruz, o atirador tirou a vida  da estudante Selena Sagrillo Zuccolotto, de apenas 12 anos.

Um dos professores presentes no dia do massacre, Luiz Carlos Simora, deu detalhes dos momentos iniciais do ataque e que a princípio, não se deu conta de que se tratava da ação de um atirador. 

“Pou, pou! Aí eu falei que os meninos estavam soltando bombinha. Eu corri para a porta para ver, mas aí quando eu cheguei, dei de cara com ele atirando”, disse. 

“Do nada, nós escutamos mais três tiros de dentro da sala. Aí vimos o rapaz dando dois passos para dentro e atirando nas meninas”, contou a professora Sandra. 

A preocupação com os alunos tomou conta dos professores, que colocaram o bem-estar dos estudantes em primeiro lugar. “O que eu imaginei naquele momento: preciso tirar os alunos daqui””, relatou a pedagoga Marlene Barcelos

De repente, os tiros cessaram. Não se sabe exatamente o momento, mas o assassino foi em direção ao carro em que chegou mais cedo para se dirigir até a segunda escola alvo dos ataques. 

Neste momento, o professor Luiz Carlos teve ciência da magnitude da situação, ao se deparar com os feridos nos corredores da escola. E relata a saudade das amigas vitimadas com os tiros do menor. 

Foto: Repórter Record Investigativo
Luiz Carlos lembra das amigas assassinadas na Escola Primo Bitti

“Não tem um dia que eu não sonhe e que não venha na minha mente os gritos da minha amiga Flávia, a voz da minha amiga Cybelle, falando para mim que ela amava a família dela! Foi a última palavra que ela falou comigo”, relatou. 

O momento da apreensão 

Após os ataques, o atirador voltou para casa, estacionou o carro na garagem e chegou a almoçar com os pais e assistir junto deles a repercussão do caso pela televisão. 

Antes de se reunir com os pais, ele havia guardado as armas utilizadas no massacre: uma pistola .40 e um revólver calibre 38, ambos do pai, um policial militar reformado no cofre onde ficavam, para não levantar qualquer suspeita. 

A polícia já tinha uma boa descrição do veículo utilizado no crime e foi ao encalço do suspeito, sem notar que acabaram de chegar à casa de um colega militar. 

“Nós observamos que um carro específico tinha sido utilizado, com um modelo de cores específicas que não era um modelo e uma cor muito comum de circular aqui na região. Chegamos até um imóvel onde esse veículo estava registrado. Quando os policiais chegaram lá, aquela casa era de um colega de trabalho militar dele, pai do adolescente”, explica o titular da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa de Aracruz, delegado André Jaretta.

Foto: Reprodução/ RecordTV

“A placa desse veículo estava encoberta por adesivos. Então, isso nos trouxe um direcionamento que esse seria o veículo que o autor dos disparos estava utilizando”, acrescenta o tenente Adriano de Farias, da Polícia Militar.

Ainda de acordo com o tenente Adriano, a casa estava fechada e foi necessário chamar os pais do menor à porta. Neste momento, atirador e pai foram conduzidos à delegacia. 

Segundo o tenente, a frieza do menor chegou a impressionar os policiais. “Ele apenas olhou para o pai e falou:  Foi eu mesmo que fiz'”. 

A partir deste momento, o menor foi reconduzido até a residência, onde mostrou aos policiais onde estavam as armas utilizadas no crime, além das roupas que ele vestia no momento dos ataques. 

A vida após os ataques

Para quem sobreviveu ao horror, as marcas ainda não estão sequer perto de cicatrizar. Alunos e professores tentam encontrar novos rumos em meio à tragédia e seguir a vida sem tantas lágrimas nos olhos ao olhar para trás. 

Mas para algumas pessoas, as consequências são simplesmente grandes demais para serem relembradas a todo o tempo. É o caso da professora Sandra Regina Guimarães, que decidiu abandonar o magistério após mais de três décadas. 

Foto: Montagem / Folha Vitória
Degina e Sandra lutam para voltar a andar

“Não vou voltar mais a dar aulas. Eu tô parando, mas tô parando de um jeito muito chato. Fico muito triste com isso porque você dá aula há tantos anos, dedica sua vida na escola e você vai sair da escola sem aquele ar de felicidade porque eu não vou na escola mais. Então, o que que essa pessoa provocou? Provocou uma tristeza”, desabafou 

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Quem também teve que se adequar à realidade e luta para recuperar a autonomia foi a professora Degina Fernandes, que tenta não depender de ninguém no dia a dia, mesmo com as limitações físicas causadas pelos disparos. 

“Tomar banho em pé, não depender de alguém, por exemplo, pegar um copo d’água, poder cuidar da minha casa, dos meus filhos…” disse. 

Ela, que é mãe de dois filhos, relembra os momentos mais difíceis da recuperação, ainda no hospital, por conta dos oito tiros que levou, a professora ficou 25 dias internada em observação e passou por diversas cirurgias. 

“Passei pela do estômago, para colocar o fixador na perna direita. Também tiveram que drenar o sangue do meu pulmão. Na cirurgia de estômago, tiveram que costurar o intestino grosso, tiveram que tirar tudo, fazer lavagem, tirar a parte que tava perfurada do intestino menor e costurar, fazer a ligação de um no outro”, detalha.

Foto: Repórter Record Investigativo
Selena e a avó Ana Célia

Mas para algumas pessoas, a dor é ainda mais difícil de tratar, pois lida com a perda e a saudade de alguém que não mais vai voltar. É o caso de Ana Célia Zuccolotto, que perdeu a neta Selena Sagrillo Zuccolotto, no ataque.

“Uma neta única, filha única. Não tem como substituir isso. Porque ela só tinha 12 anos, tinha uma vida toda pela frente. É muito doloroso. Esse menino não tem noção do que ele fez da vida de todas essas famílias. Acho que faltou muito amor pra ele, porque ele não soube dar amor, ele só deu ódio. E minha neta era só amor”, desabafa.

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A avó ainda se lembra de Selena com todo o carinho e amor que a pequena xodó representava “Era muito cuidado, muito amor. Faz falta o carinho dela”, disse. 

De acordo com Ana Célia, Selena foi morta em um dos lugares onde mais gostava de estar: a escola. Local para onde ia com entusiasmo e sempre contente para aprender e encontrar os amigos. 

O adolescente de 16 anos, responsável pelos atentados, foi sentenciado 12 dias após o ataque e encontra-se, no momento, cumprindo medida socioeducativa em uma instituição para menores infratores.