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Banhista que se nega a sair do mar em área de risco pode ser preso no ES?

O Espírito Santo não vive o mesmo risco que Pernambuco por causa dos ataques de tubarão, mas casos de mar revolto e correntes de retorno configuram preocupação

Foto: Reprodução TV Vitória

Com 77 vítimas de ataques de tubarões no estado de Pernambuco, no Nordeste do país, desde 1992, sendo que destes, 26 mortes foram confirmadas, foi editado um decreto em vigor desde 2014, que prevê a detenção dos banhistas que se recusam a sair do mar nos trechos mais vulneráveis.  

A situação, apesar da distância com a realidade capixaba, acende um alerta, em especial por conta das correntes de retorno e de dias e locais de mar revolto. Será que no Espírito Santo é possível prender alguém por não cumprir ordens de saída do mar em dias de maior risco?

Inicialmente, a própria Secretaria de Estado de Segurança Pública, junto ao Corpo de Bombeiros Militar, informou que não existe, aqui no Estado, instrumento legal para impedir o ir e vir do cidadão. “O que bombeiros e guarda-vidas fazem é orientar e alertar sobre os riscos em determinados locais”, pontuaram em nota.

Apesar de não haver lei, existe crime em não cumprir ordem de saída do mar?

Mesmo não havendo lei ou mesmo decreto sobre detenção de banhistas por descumprimento de ordem de retirada do mar em momentos de risco, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas para entender se, ainda assim, há a prática de algum crime nestes casos.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

No entendimento do advogado criminal Cássio Rebouças, a proibição e a retirada forçada estão dentro do “poder de polícia” com que o Poder Público conta.

“Mas, no caso de uma ordem para saída ser descumprida, é possível de falar na prática do crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal. Ele fala em “desobedecer a ordem legal de funcionário público e traz pena de detenção de quinze dias a seis meses além de multa”, disse.

Para o especialista, é comum que as pessoas confundam o crime de desobediência com o de desacato. “No caso do desacato, o agente não necessariamente descumpre uma ordem, mas desrespeita e/ou ofende o servidor público em seu exercício da função”, explicou.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Já na análise do doutor em Direitos e Garantias Fundamentais, professor de Direito Penal e advogado criminalista Israel Domingos Jorio, pelo fato de não haver um regramento claro no Espírito Santo sobre o caso dos banhistas, não é possível falar que, em geral, há crime no permanecimento na água.

“A desobediência pressupõe duas coisas. A primeira é que seja desobedecida uma ordem legal, que corresponda a algum comando previsto em lei. Então, não se trata do funcionário público impor a vontade dele ou o que ele acha que é certo, tem que contar com previsão em lei e ser cumprida do jeito certo”, pontuou.

Para o doutor, no caso de haver uma previsão apenas com força de recomendação ou orientação aos banhistas, não há como se falar em desobediência. 

“Só haveria se estivesse transgredindo alguma norma que proíbe o sujeito de estar ali. Por falta de sustentação legal para uma ordem policial, vejo como não sendo possível caracterizar a desobediência. Acho que a pessoa está ali muito mais se expondo, correndo um risco desnecessário para ela, do que um descumprindo a lei”, sintetizou.

Entenda as diferenças entre desobediência, resistência e desacato

Além do que já foi introduzido por Rebouças, Jorio buscou resumir as diferenças entre três crimes que são semelhantes. Entenda:

A resistência é a mais fácil de identificar, já que pressupõe violência ou ameaça. Não se trata apenas de não cumprir uma ordem, mas sim de agir contra ou atacar o servidor público. “É como tentar reagir”, disse.
Desobediência é a forma mais pacata entre os três crimes. “Uma pessoa não cumpre algo que foi determinada a fazer, ou faz algo que a lei proíbe. Nesse caso, não ataca ou ofende o servidor, mas não cumpre o comando”, destacou.
No desacato há enfrentamento moral, sem agressão física. “Não necessita de uma tentativa de impedir o sujeito de fazer ou deixar de fazer nada. Mas menospreza, humilha, ofende, debocha ou desdenha da autoridade dele. Houve um caso que ficou marcado durante a pandemia, quando um desembargador em São Paulo se recusou a usar máscara e ridicularizou um policial”, acrescentou.

Para finalizar, Israel esclareceu que uma pessoa que tivesse recebido uma ordem legal de não nadar, como pode acontecer em Pernambuco, e essa pessoa não apenas não cumpre o decreto, como fica zombando o policial, aí sim seria caso de desacato, que é mais grave que uma desobediência.

Correntes de retorno são responsáveis por 85% das mortes em praias brasileiras

Em entrevista à reportagem no mês de janeiro, o biólogo Daniel Motta, mestrando em Biologia Animal pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), comentou sobre a formação das correntes de retorno: “Elas são formadas pelas ondas depois que elas arrebentam”, iniciou.

“Quando a água se acumula na beira da praia depois da quebra, retorna ao mar seguindo o caminho com menor resistência, formando um fluxo nessa direção. Fluxos esses que são chamados de correntes de retorno”, afirmou.

O tenente Mendes, da Diretoria de Operações do Corpo de Bombeiros Militar, também detalhou o que são estas correntes. Segundo ele, elas são naturais em praias oceânicas e formam valas onde as águas que chegam às margens se acumulam e voltam para o interior. São perpendiculares, levando o banhista para o fundo, não para a lateral.

“É muito difícil vencê-las. É preciso nadar na lateral. Primeiro deve-se tentar se manter calmo e manter os pulmões cheios de ar. De forma alguma deve-se nadar contra a correnteza. E uma dica imprescindível é que o banhista faça o sinal de levantar os braços e acenar, assim os guardas-vidas vão entender que se trata de uma emergência”, destacou.

Já a tenente Carla Andresa Nascimento Silva, do Corpo de Bombeiros, acrescentou que a corrente de retorno é comum e que cerca de 85% das mortes em praias no Brasil ocorrem por conta delas.

“É um fenômeno natural quando há o retorno das ondas, formando valas, que acabam arrastando a pessoa para o fundo. O que a pessoa deve fazer é manter a calma, nadar de forma paralela para sair da corrente e aí sim nadar em direção à areia. Porque na corrente, ela vai arrastando o indivíduo para o fundo, então ele começa a nadar contra a corrente, não sai do lugar e a tendência é cansar, entrar em desespero e se afogar”, disse.

A indicação, segundo a tenente, é que, como por vezes estas correntes são de difícil identificação, passam uma falsa sensação de segurança no local, porque a água fica mais clara e sem ondas. 

“O que recomendamos é perguntar ao guarda-vidas qual o melhor local para banho”, acrescentou.

Evite nadar em mar revolto 

Para a tenente Andresa, também não é recomendado nadar em mares muito revoltos, porque o afogamento acaba acontecendo no momento de desespero, é naturalmente uma situação mais perigosa.

“O guarda-vidas ou o bombeiro que está na região coordenando a área, anda com um apito e, se perceber que uma pessoa está se expondo a um lugar mais perigoso, já apita. Nunca ouvi falar de pessoas que não reconheceram a ordem, geralmente todas são solícitas”, destacou.