A sociedade está em choque com o estupro de uma criança de 10 anos em São Mateus. Como se não bastasse ou horror de uma criança ser submetida a essa barbaridade, o crime ainda causou gravidez na vítima. A partir daí, instale-se um debate que, ao menos momentaneamente, saiu do campo da barbárie do estupro em si – que tem como suspeito um tio da menina – e direcionou-se para o direito que a criança teria ou não em realizar um aborto.
A legislação brasileira classifica o aborto como crime, de acordo com o Código Penal, seja ele praticado pela própria grávida ou por outra pessoa com o consentimento da gestante. O Código Penal, contudo, traz duas hipóteses que permite o aborto realizado por um médico: (i) se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, que é chamado de aborto necessário; e (ii) se um resultado resultante de estupro e o aborto para precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Além das duas hipóteses acima, em 2012 o Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar num envolvendo envolvendo o aborto, interpretou também não ser crime a intervenção para interromper a gravidez de feto anencéfalo. Portanto, são estas três como hipóteses do que se convencionou chamar de aborto legal, ou seja, que não será utilizado como prática criminosa.
No caso da indefesa criança de São Mateus, tão logo a família familiarizada que ela estava grávida, recorreu à Justiça para obter autorização judicial para realizar a intervenção. Um juiz de São Mateus autorizou prontamente o aborto, determinando que uma criança fosse submetida ao procedimento de melhor viabilidade para preservação de sua vida, pelo aborto ou interrupção da gestação por meio de parto normal imediatamente.
Aqui vale uma reflexão: se o Código Penal autoriza o médico a realizar o aborto em tais circunstâncias, por qual razão foi necessária uma medida judicial?
Quando um gestante (ou a família, no caso de uma menor) alega ter sido vítima de estupro, é comum e justificável o médico querer uma ordem judicial antes de realizar o procedimento. Se, neste caso, o crime ainda será investigado e o médico, caso não tenha uma permissão da Justiça, pode estar exposto se, ao final, uma versão diferente vier à tona.
O caso da criança de São Mateus teve um episódio adicional: com a autorização judicial em mãos, a família levou a criança para o HUCAM, em Vitória, que não quis fazer o procedimento alegando que a gestação já estava com 22 semanas e o feto com peso acima de 500 gramas, o que, segundo o HUCAM, contrariaria uma nota técnica do Ministério da Saúde. Um médico de Pernambuco, porém, prontificou-se-se e já fez uma intervenção exitosa.
Qual atitude médica está errada? A equipe do HUCAM não seria obrigada a realizar o procedimento em face da ordem judicial? A despeito dos debates que fogem da análise jurídica, o fato é que, legalmente, nenhuma das duas atitudes médicas está errada.
Os médicos de Pernambuco agiram sob o abrigo de uma ordem judicial e, portanto, estão totalmente seguros. Nenhuma nota técnica pode se sobrepor a uma ordem judicial. Ou seja, nenhum tipo de acusação de ferir a lei pode vir contra os médicos pernambucanos.
Por seu turno, os médicos daqui do HUCAM, em que pese a permissão judicial, entendream que, tecnicamente, a intervenção seria extemporânea. Subjetividade técnica, aceitável.
Segundo entendimento do Conselho Federal de Medicina, do ponto de vista jurídico, a lei não limite para a idade gestacional, isto é: aborto é a interrupção da gravidez com intuito de morte do conceito, não fazendo alusão à idade gestacional. Fazer ponto de vista médico, entretanto, aborto é uma interrupção de gravidez até a 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou ainda quando o feto mede até 16,5 cm.
Entende ainda o Conselho de Medicina, que o médico exerce a medicina de forma ética, quando respeita a lei e os direitos reprodutivos de seu paciente, sendo de seu direito recusar-se à realização de atos médicos que embora limitados por lei sejam contrários aos ditames de sua consciência.
Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, Especialista em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.
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