Imagine a seguinte situação: um homem manteve simultâneas e prolongadas relações equiparáveis à união estável com uma mulher e outro homem. Esta relação homoafetiva teria perdurado pelo menos 12 anos. Após a morte do companheiro, a mulher buscou a Justiça e obteve o reconhecimento judicial da união estável. Posteriormente, o outro parceiro também acionou o Poder Judiciário e obteve decisão de 1º grau que reconheceu a união estável.
Indaga-se: é possível que a relação chamada “paralela” possa produzir efeitos previdenciários e concorrentes com aqueles oriundos de uma união estável preexistente e que se extinguiu pela morte do companheiro? A pensão deixada pelo falecido poderá ser dividida?
Este caso foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (RE 1.045.273/SE), que, em julgamento concluído em 14/12/2020, decidiu não ser possível o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para rateio de pensão.
É importante esclarecer que, para que reste configurada a união estável, devem ser preenchidos alguns requisitos legais, quais sejam: a relação deve ser pública, contínua, duradoura, com o objetivo de constituir uma família, observando-se os deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como da guarda, sustento e educação dos filhos, e, por fim, as partes não podem estar impedidas para o casamento.
Preenchidos tais requisitos, a união estável poderá ser reconhecida, dando-se proteção estatal equiparada ao casamento, tanto nos direitos quanto nos deveres (artigo 226 da Constituição Federal). No que se referem aos direitos e deveres, cabe mencionar que quem está casado ou vive uma união estável não pode contrair novo casamento ou uma nova união estável, pois, em nosso ordenamento jurídico a bigamia é vedada (artigo 1.521, VI, do Código Civil), sendo até mesmo considerada conduta tipificada como crime (artigo 235 do Código Penal)
Não raras as vezes, paralela e simultaneamente à união estável preexistente poderá haver outra relação com as mesmas características de uma união estável. Os Tribunais Pátrios, inclusive, já haviam enfrentado situações similares anteriormente, conferindo, em alguns casos a proteção e o reconhecimento de direitos da (o) companheira (o) do relacionamento paralelo.
Acertadamente, com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários.
Consagrou-se, portanto, o dever de fidelidade e da monogamia enraizado no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
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