A Constituição Federal de 1.988 previu no parágrafo 9º do seu Art. 14 que uma “Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Em 1.990 veio a Lei Complementar 64 que, inicialmente, sob a redação originária da alínea “e” do inciso I do seu Art. 1º, previu que são inelegíveis para qualquer cargo “os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena”.
Posteriormente a Emenda Constitucional de Revisão 4, de 1.994, deu nova redação ao parágrafo 9º do Art. 14 da CF, cujo texto passou a ser o seguinte: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
Na sequência, a Lei Complementar 135/2010 alterou a alínea “e” do inciso I do Art. 1º da Lei Complementar 64/90, que assim passou a constar: “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes…”.
A cronologia da legislação feita acima, foi para propiciar a você, leitor, o entendimento da polêmica em torno da decisão monocrática proferida pelo Ministro Nunes Marques, do STF, nos autos da Medida Cautela na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.630, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista.
Na referida ACD com pedido de medida cautelar, distribuída para relatoria do Ministro Nunes Marques, o PDT salientou que não tem a pretensão de renovar debates em relação às hipóteses de inelegibilidade, do aumento do prazo de três para oito anos já declarados constitucionais pelo STF e nem sobre a natureza jurídica do instituto.
O PDT asseverou que sua pretensão é a obtenção da declaração de inconstitucionalidade de um trecho do atual texto da alínea “e” do inciso I do Art. 1º da LC 64/90 (Lei da Ficha Limpa), qual seja, “após o cumprimento da pena”, visto que entende que não há previsão de detração da inelegibilidade cumprida tanto na hipótese de condenação transitada em julgado quanto em condenação em sede de colegiado.
O Ministro Nunes Marques, por sua vez, achou por bem deferir o pleito autoral e suspendeu, liminarmente, a expressão “após o cumprimento da pena”, da alínea “e” do inciso I do Art. 1º da LC 64/90, no dia 19/12/2.020, com efeito já para o pleito deste ano.
Irresignado, o Ministério Público Federal, através do Vice-Procurador-Geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, interpôs recurso de Agravo Regimental endereçado ao Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, que não apreciou o mencionado recurso e o remeteu para o próprio Ministro Nunes Marques o apreciar.
Apesar das críticas lançadas nos diversos meios de comunicação, principalmente nas redes sociais, o Ministro Luiz Fux agiu em conformidade com o Regimento Interno da Corte que preside, tendo em vista que o parágrafo 2º do Art. 317 do RI/STF prevê que o Agravo Regimental será submetido ao prolator do despacho, “que poderá reconsiderar o seu ato ou submeter o agravo ao julgamento do Plenário ou da Turma, a quem caiba a competência, computando-se também o seu voto”.
O MPF ainda tentou se socorrer do disposto no inciso VIII do Art. 13 do RI/STF, onde está previsto que são atribuições do Presidente “decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias”, contudo, queiram ou não, o Ministro Luiz Fux não se quedou silente e determinou a remessa do AR do MPF para apreciação do Ministro Nunes Marques, relator do processo, medida processual esta que me sinto obrigado a concordar, mas ressalto que a minha concordância com aplicação da norma processual por parte do Presidente do STF não significa que eu concorde com o mérito da decisão liminar do relator.
Inclusive, no AR o MPF colacionou argumentos dignos de muita reflexão, e dois merecem maior destaque, que são a regra constitucional da anualidade eleitoral (Art. 16 da CF) e a quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral (a liminar já está valendo para o pleito de 2.020), que poderão ser abordados separadamente e num contexto geral, em outros artigos.
Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, Secretário Geral Adjunto e Corregedor Geral da OAB/ES, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo).
Letícia Stein Carlos de Souza, Acadêmica do 2º. Período da Faculdade de Direito de Vitória e Estagiária de Direito.
Foto: Fellipe Sampaio/STF