Lamentavelmente a pandemia continua firme e afligindo a população mundial, tendo chegado, recentemente, à Antártida, até então preservada do monstro coronavírus. O Reino Unido iniciou o terceiro lockdown para tentar conter a propagação da doença. A Inglaterra, principal país que o compõe, busca administrar inusitada situação onde uma a cada cinquenta pessoas está infectada.
Como o espaço reservado para este artigo é limitado e não me permite falar sobre a pandemia em outros países, falarei rapidamente somente e ligeiramente sobre o caos amargado pelo Brasil.
Aqui estamos novamente numa curva crescente, com muitas pessoas morrendo e deixando familiares e amigos desolados, ao passo que outros sobrevivem, mas um acentuado número de “curados” tem que conviver com sequelas que, muitas vezes, sequer sabem se são ou não passageiras.
Enquanto a aflição toma conta da população, autoridades discutem as providências que devem ou não ser adotadas, muitas debaixo de verdadeira politicagem, esquecendo-se que todos somos seres humanos, iguais, com sentimentos, dores, tristezas, necessidades fisiológicas e que um dia passaremos. Não há espaço para discurso de direita, esquerda ou centro! O discurso e as ações precisam ser pela vida!
Feita a introdução acima, fruto da tristeza e angústia pela perda de vários conhecidos e amigos, assim como por ter presenciado o sofrimento de vários entes queridos que foram infectados, mas que conseguiram se recuperar no todo ou em parte, passarei a discorrer sobre o tema de fundo de hoje.
A lei estadual 9.020/2020, do Rio de Janeiro, suspendeu o cumprimento de ordens de despejo, reintegrações e imissões de posse e remoções no referido ente federativo durante a pandemia da Covid-19.
Em sede de representação de inconstitucionalidade, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro se insurgiu contra o texto legal acima mencionado, e o Tribunal de Justiça daquele Estado suspendeu a eficácia da lei estadual 9.020/2020, sob o fundamento de que a matéria é de competência legislativa da União, já que disposições contidas no Código Civil e no Código de Processo Civil foram afetadas e, ainda, alegou-se violação à separação de poderes, já que decisões judiciais ainda não cumpridas seriam alcançadas.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ingressou com Reclamação junto ao STF (RCL 45319) e o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, deferiu-lhe liminar e restabeleceu a eficácia da lei estadual fluminense.
No entendimento do Ministro Ricardo Lewandowski a decisão do TJRJ afrontou o entendimento prevalente na Corte Suprema, no sentido de que as medidas de proteção à saúde pública durante a pandemia têm competência legislativa concorrente, sem hierarquia entre os entes da federação, e ressaltou ainda o fato dos efeitos da lei serem temporários e necessários neste atual cenário de crescimento da taxa de contágio do coronavírus, situação tal que poderá levar o sistema de saúde a não comportar a demanda.
É clarividente que a pandemia abalou sobremaneira a economia, mesmo com todas as medidas adotadas pelo Governo Federal. Embora a indústria automobilística tenha tido uma reação de pouco mais de 8% em dezembro/2020, comparando-se com novembro/2020, ainda assim continua com uma baixa em torno de 30% em relação a 2019.
Mas outros seguimentos também sofreram grandes baques por conta da pandemia, e este conjunto, inegavelmente reflete na quantidade de litígios judicializados, inclusive aqueles que têm como consequência os atos previstos na lei estadual 9.020/2020.
Mas há de ser pensado que na ponta contrária à do réu de uma ação de despejo, existe o proprietário do imóvel que pode ser que tenha somente aquela fonte de renda para a sua subsistência. Ou seja, é uma questão muito complexa no ponto de vista de justiça.
Óbvio que é doloroso ver uma família ser despejada, mas, com todo respeito, a decisão liminar do STF ignora o disposto no Art. 22, I da Constituição Federal, que assim prevê: “Compete privativamente à União legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual…”
Por consequência, foi ignorado também o § 1º do Art. 25 da CF, que dispõe que “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.
Posto isto, fica a indagação: o STF fez justiça ou Justiça?
Finalizo dedicando este pequeno escrito ao meu amigo Carlos Cesar Liberatore Junior, falecido no último domingo, vítima de Covid-19. Junior, como eu o chamava, era um grande advogado e atuante conselheiro seccional da OAB/ES, além de excelente pai, filho, irmão e amigo. Nasceu no Rio de Janeiro, mas era cachoeirense de coração. Foi uma grande e dolorosa perda!
Rodrigo Carlos de Souza, sócio e fundador de Carlos de Souza Advogados, secretário-geral adjunto e corregedor-geral da OAB/ES, vice-presidente da Comissão Nacional de Compliance Eleitoral e Partidário da OAB e diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Seccional Espírito Santo).
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