Sem nenhuma dúvida, o PL nº 4.458/2020, que alterou pontos importantes da Lei nº 11.101/2005, transformando-se na Lei nº 14.112/2020, por sua vez já aprovada e sancionada pela Presidência da República, que está em pleno vigor, trouxe grandes inovações ao sistema de insolvência brasileiro, onde se destaca a possibilidade de financiamento bancário ao empresário endividado, que atravessa o “mar de tormentas” dentro do processo de recuperação judicial.
Estamos a falar do dip financing (debtor in possession financing), que é uma modalidade de empréstimo bancário, ainda muito pouco realizado pelos agentes financeiros brasileiros, por ser um negócio compreendido como de alto risco para o mutuante, mas que, por outro lado, já ajudou grandes corporações endividadas fora do Brasil, sendo exemplos as aviações Latam e Avianca, no sistema jurídico norte-americano.
Quebrando indevidos dogmas e amarras do passado, alargando o leque de opções e meios não só para entender, tratar, e principalmente fornecer ao devedor efetivos meios para superar a crise e seguir com seu negócio, desde que pague suas dívidas, a nova norma brasileira em comento dedicou especial atenção a essa modalidade de financiamento.
Na Lei nº 11.101/2005, antes da remodelagem implementada pela nova norma, embora não se vedasse tais operações de crédito, dificilmente elas ocorreriam na prática, pois, o cenário de segurança jurídica e garantias era praticamente nulo, e não raro o sistema financeiro demandava provisionamento na casa percentual de 100% do valor do crédito negociado, gerando mais dificuldades.
Contudo, agora se chegou a um ponto de equilíbrio. O juiz poderá, após ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com vistas a custear as atividades e despesas do devedor no processo de reestruturação e preservação do valor de seus ativos, desde que previsto no plano de recuperação judicial, e seja cercado da devida publicidade.
Tudo isso traz segurança jurídica ao mutuante, porque no caso de insucesso do plano de recuperação judicial, ele terá à mão as garantias envolvidas no negócio, além do que seu crédito terá posição de extraconcursalidade qualificada, e na ordem de recebimento terá preferência em relação aos créditos fiscais e dos créditos com garantia real.
Para finalizar, no sopro renovador de ideias que o legislador direciona para impulsionar “a embarcação dos empresários endividados e credores no processo de recuperação judicial”, tal financiamento poderá ser levado a efeito não apenas instituições financeiras, mas também por pessoas físicas ou jurídicas, sócios, familiares e integrantes do mesmo grupo da empresa devedora.
O financiamento tratado nesse ensaio está contemplado mais diretamente nos artigos 69-A a 69-F da Lei nº 11.101/2005, cuja redação ficou a cargo da nova norma nº 14.112/2020, que dialoga com os principais vetores do sistema de reestruturação presentes no ordenamento jurídico pátrio, fortificando e alargando meios em prol de bem-sucedida recuperação judicial, com francas e efetivas garantias aos que participarem dessa empreitada, para que o negócio em crise volte a ter saúde financeira, pagando-se o que se deve aos credores.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
Foto: Folha Vitória