Durante muitos anos, as farmácias de manipulação viveram um cenário de insegurança jurídica, no que diz respeito à tributação dos produtos manipulados. A maioria das empresas pagava o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, por entender que a operação realizada na entrega do produto feito por encomenda configura uma venda de mercadoria. Assim, caracterizando-se a circulação de mercadoria, o tributo incidente deveria ser o ICMS, cuja alíquota, em média, é de 17%. Entretanto, algumas farmácias levantaram a hipótese de que, na realidade, a atividade desempenhada é a prestação de um serviço farmacêutico e, portanto, o tributo incidente na operação deveria ser o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou alguns casos e nestes concluiu que, sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISS sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a Lei Complementar (LC) nº 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. O STJ entendeu que a manipulação de medicamentos está inserida nos serviços farmacêuticos, estes previstos na Lista de Serviços da LC 116/03. Tais decisões serviram para aumentar a insegurança do ramo farmacêutico na tributação dos medicamentos manipulados.
Enfim, em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário (RE) 605552, em que foi reconhecida a repercussão geral, e definiu na tese firmada que incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda, e ICMS sobre as operações de venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira. Até o julgamento, muitas farmácias foram fiscalizadas e autuadas, tanto pelo Fisco Municipal, como pelo Fisco Estadual.
Enfim, no último dia 12, o STF modulou os efeitos da decisão proferida no RE 605552 para definir sua aplicação no tempo. Ficaram convalidados os recolhimentos de ICMS efetuados até agosto de 2020. Entretanto, nas hipóteses em que for comprovada a bitributação, ou em que o contribuinte não recolheu o ICMS ou o ISS devidos, até agosto de 2020, deve ser exigido o ISS. Também deve prevalecer a exigência do ISS no caso de créditos tributários que foram objeto de processo administrativo, concluído ou não, e nas ações judiciais pendentes de conclusão, até agosto de 2020.
Dessa forma, a modulação dos efeitos da decisão do STF pode representar o fim da insegurança jurídica para o setor de farmácias de manipulação e o incentivo para manutenção dessa atividade essencial à saúde.
Mariana Martins Barros é advogada tributária, sócia coordenadora da área tributária do Escritório Carlos de Souza Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES.
Foto: Pinterest