O QUE É LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO?

Em março deste ano esta coluna informou que tramitava projeto de lei para a alteração do Código do Consumidor prevendo regras claras para evitar o superendividamento.

Em 01 de julho foi publicada a Lei no.14.181 com a finalidade de aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor, chamado “crédito responsável” por alguns doutrinadores, sobretudo para dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

A legislação brasileira carecia de definir expressamente essas regras, pois os tribunais pátrios se deparavam com inúmeros processos intencionando a limitação de descontos de contratos de empréstimos pessoais, readequação de contrato, de modo e tempo de execução, redução de juros, enfim, toda sorte de demandas para proteção do consumidor superendividado, o que ganhou destaque pelo aumento do número de pessoas nesta condição, especialmente em consequência da Pandemia, que tem gerado crise econômica, perdas de inúmeros postos de trabalho e meios de subsistência.

Paralelamente, ocorre o aumento ainda mais expressivo do volume dessas dívidas pessoais, que têm gerado o chamado superendividamento, aquele que impede o indivíduo de arcar com o mínimo necessário para sua subsistência, vez que seus ganhos estão integralmente, ou quase totalmente, comprometidos com o pagamento de dívidas.

A facilidade de acesso ao crédito tem criado, em todo mundo, cada vez mais superendividamento pessoal, sendo que a legislação francesa já se adequou a esta realidade, e, agora, o direito brasileiro recepciona a lei que, em suma, incentiva a educação financeira e criar meios para impedir que o consumidor fique sem meios de sustentar-se, garantindo-lhe o “mínimo existencial”, que vem a ser o suficiente para suprir condições dignas de subsistência.

Para evitar tal situação a lei cria algumas regras para a oferta do chamado crédito responsável. Resumidamente, no fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias já contidas no Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor ou o intermediário do crédito deverá informar previamente, ou seja, momento da oferta, o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor. Tais informações devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor, e o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro.

Além disso, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento.

Destaca-se ainda que a lei proíbe indicar na oferta do crédito que a operação poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;  proíbe ainda ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; bem como assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio; condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

Vale frisar que os idosos se destacam entre os superendividados, e o STJ tem enfrentado demandas nas quais esse tema sensível foi abordado de diferentes formas: ora no sentido de que o idoso não deve ser tratado como “sem discernimento” ou “tolo”, vez que cada caso deve ser analisado individualmente; ora, como no caso do Resp 1.783.731, pela validade do limite etário para a contratação de empréstimo consignado, posto que justificado pelo princípio da razoabilidade e igualdade.

A lei disciplina ainda o tempo e a forma do exercício do direito ao arrependimento; a contestação dos débitos efetuados diretamente na conta do consumidor; o acesso pleno aos contratos e suas vias; e ainda a prevenção do superendividamento por meio de audiências de conciliação e repactuação de débitos.

A lei vem ao encontro do anseio a respeito das regras para evitar situações de insolvência total do consumidor, impondo claro regramento na oferta e contratação do crédito e ainda a facilidade de acesso ao Poder Judiciário para garantir condições dignas de subsistência ao consumidor.

Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.

Foto: Pexels

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