Imaginemos o seguinte caso: Ricardo e Soraya foram casados e tiveram uma filha, chamada Beatriz. Após o divórcio, Ricardo passou a morar no Rio de Janeiro-RJ e Soraya continuou vivendo em Vitória-ES. Assim, os pais da criança passaram a viver em cidades distintas e distantes entre si. Soraya requereu em juízo a guarda unilateral da criança, afirmando que a distância da residência do genitor inviabilizaria a guarda compartilhada, já que não seria possível a divisão equânime das responsabilidades. Por outro lado, Ricardo sustentou que a fixação da guarda compartilhada melhor atenderia aos interesses da filha, sendo que a residência em cidades distintas não impede a fixação de guarda compartilhada, devendo ser estabelecida mesmo sem consenso dos genitores.
Pois bem, caso similar foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021), que adotou o entendimento de que ainda que os genitores possuam domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada.
Para entendermos melhor sobre o assunto, é importante esclarecer que a guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao menor. Trata-se do exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres concernentes à criação da criança ou do adolescente. Apesar de existirem outras espécies de guarda (por exemplo: aninhamento e alternada, modalidades criadas pela doutrina), o Código Civil prevê expressamente as espécies: unilateral (exclusiva) e compartilhada (conjunta), sendo as mais comuns na prática.
A guarda unilateral consiste quando um dos pais fica com a guarda e o outro possui apenas o direito de visitas ao filho, bem como o dever de supervisionar os interesses deste, podendo, inclusive, solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seu (s) filho (s).
Por sua vez, a guarda compartilhada impõe a divisão de responsabilidades entre os pais e o exercício de direitos e deveres dos pais que não vivam sob o mesmo teto. Nesta espécie, apesar de ambos possuírem a guarda, é recomendável que se defina a base da residência do filho, garantindo-lhe uma referência de lar, rotina e relações da vida, bem como é imprescindível que seja equilibrado o tempo de convivência do filho com ambos genitores.
Apesar de similar, a guarda compartilhada não pode ser confundida com a guarda alternada, que ocorre quando os pais se revezam em períodos exclusivos de guarda, ou seja, é aquela na qual durante alguns dias um genitor terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o outro genitor terá a guarda exclusiva. É importante consignar que esta modalidade não é recomendável e é altamente inconveniente, uma vez que pode trazer confusões psicológicas à criança, já que perde seu referencial ao receber tratamentos diversos quando na casa dos genitores.
Feitos tais esclarecimentos, calha registrar que não havendo consenso entre os genitores, regra geral é a fixação da guarda compartilhada, salvo quando um dos pais não desejar a guarda do menor ou um destes não estiver apto a exercer o poder familiar. Isso porque, a guarda compartilhada é sem dúvidas a espécie mais benéfica.
Voltando os olhos para a situação fática trazida, o fato de Ricardo morar no Rio de Janeiro-RJ e sua filha residir com a genitora em Vitória-ES, por si só, não impede a instituição da guarda compartilhada, permitindo que ambos pais exerçam a autoridade e compartilhem as responsabilidades referente aos filhos mesmo que à distância. Afinal, atualmente, com o avanço tecnológico, por meio de ferramentas digitais é possível o contato virtual instantâneo, favorecendo a comunicação não apenas entre os pais separados como também entre estes e seus filhos.
Logo, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre o (s) filho (s), participando ativamente das decisões atinentes à vida deste (s), contribuindo diretamente para a formação afetiva e cognitiva da criança.
David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
Foto: Folha Vitória