DANO MORAL POR ABANDONO AFETIVO

Durante anos os tribunais brasileiros se debruçaram sobre o tema do dano moral causado pelo abandono afetivo de crianças e adolescentes. De fato, indignados com o tratamento dispensado por parte dos pais e/ou mães, que foram completamente ausentes em todas as fases da vida dessas pessoas, alguns se dirigiram ao Poder Judiciário pleiteando indenização por danos de ordem moral por abandono afetivo.

Significa que essas pessoas se sentiram, de algum modo, desprezadas e prejudicadas com a ausência de seus pais, gerando um sentimento de angústia e, em alguns casos, danos de ordem psicológica que, no entendimento de certos tribunais, se compara ao dano moral.

O dano moral se constitui na “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”. O artigo 1°, inciso III da Constituição, que menciona a dignidade da pessoa humana como bem juridicamente tutelado, e o artigo 5°, incisos V e X, também da Constituição Federal, se referem ao dano moral como indenizável quando violado.

Muito embora da análise do dano de ordem moral, sob a luz da Constituição Federal, pareça evidente que o abandono afetivo de uma criança possa constituir em danos psicológicos e até a sua dignidade, como pessoa que deseja pertencer a um núcleo familiar saudável, ser alvo do amor paternal, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o abandono afetivo, em si, não gera dano moral indenizável.

Conforme se manifestou a Ministra Maria Isabel Galotti em decisão com força de precedente da Corte em questão, em tese o dano moral na seara do direito de família é cabível, no entanto, é necessário que se configure um ato ilícito.

Desta forma, ainda segundo a ministra, a indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares, pressupõe a prática de ato ilícito; o dever de cuidado compreende o  dever  de  sustento,  guarda  e educação dos filhos, porém, não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos  os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover  as  necessidades  de  filhos  maiores e pais, em situação de vulnerabilidade,  não  configura dano moral indenizável.

Nesta esteira, em recentíssima decisão do STJ o Ministro Marco Aurélio Belizze pontuou “a falta de afetividade no âmbito familiar, via de regra, não traduz ato ilícito reparável pecuniariamente; o ordenamento jurídico não prevê a obrigatoriedade de sentimentos que normalmente vinculam um pai a seu filho; isso porque não há lei que gere tal dever, tendo em vista que afeto é sentimento imensurável materialmente; tal circunstância, inclusive, refoge do âmbito jurídico, não desafiando dano moral indenizável à suposta vítima de desamor”.

Com efeito, a falta do afeto ou dedicação dos pais, traduzida pela palavra “desamor”, embora devastadora na construção da personalidade do ser humano, não é suficiente para que haja indenização por danos morais. Porém, o descumprimento de um dos deveres legais de sustento, guarda e/ou educação, caracteriza o ato ilícito, este sim, indenizável e causador dos danos de ordem moral, no entendimento do STJ.

Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.

Foto: Pixabay

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *