Imaginemos a situação em que Ricardo é pai de Estevão, menor de apenas 03 anos de idade, sendo que todos os meses, Ricardo paga três salários mínimos de pensão alimentícia ao filho, que reside com a mãe da criança, Camila, ex-esposa de Ricardo.
A situação perdura há pouco mais de 02 anos, sendo que Ricardo passou a solicitar à Camila que apresentasse de maneira transparente a destinação dos valores que depositava a título de pensão alimentícia.
Ante a negativa de Camila em apresentar a prestação de contas, indaga-se: é possível pedir a prestação de contas contra o outro genitor relativo aos valores recebidos a título de pensão alimentícia?
O Código Civil dispõe no art. 1.703 que, finda a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, os pais continuam com o dever de sustentar os filhos. O pai ou da mãe que não ficar na companhia dos filhos cumprirá esse dever por meio da prestação de alimentos. Noutro lado, o pai ou a mãe que não ficar com a guarda do filho tem o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de seu (s) filhos (s), que é o que prevê o art. 1.589 do Código Civil.
Percebe-se, portanto, que o pai ou a mãe que não detém a guarda com exclusividade do(s) filho (s) tem poder-dever fiscalizatório com o objetivo de evitar que ocorram abusos e desvios de finalidade no que tange à administração da pensão alimentícia. Para isso, o pai ou a mãe poderá verificar se as despesas e gastos estão sendo realizados para manutenção e educação do (s) filho (s). Este foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.911.030-PR (julgado em 01/06/2021) e REsp 1814639-RS (julgado em 26/05/2020).
O exercício da fiscalização pode ser efetivado por meio da ação de exigir contas, medida judicial que objetiva a prevenção de intenções de desviar essas importâncias para finalidades totalmente alheias aos interesses do (s) menor (es), o que, se demonstrado, pode ensejar futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do guardião.
Ademais, a ação de exigir contas poderá demonstrar que os valores pagos a título de pensão alimentícia não estão atendendo às necessidades do(s) menor(es), ou seja, está sendo insuficiente frente aos gastos com a prole, podendo culminar até mesmo na revisão dos valores pagos a título de pensão alimentícia, observando-se, contudo, a possibilidade (capacidade financeira) do genitor que não detém a guarda da prole.
Logo, o genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia, registrando, todavia, que tal medida não pode ser adotada senão para atender à finalidade precípua: o exercício do poder-dever fiscalizatório.
David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
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