Em novembro do ano de 2021 foi publicada a nova Lei nº 14.245/2021, popularmente conhecida como a Lei Mariana Ferrer, que traz alterações no Código Penal Brasileiro, no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95). O principal intuito da lei é diminuir a prática de atos contra a dignidade da vítima e de testemunhas, bem como aumentar a pena de infrações de coação no curso do processo.
Para melhor entendimento das alterações trazidas pela nova Lei, se faz necessário demonstrar o caso Mariana Ferrer. Em suma, Mariana acusou o empresário André de Camargo Aranha de dopa-la durante uma festa, em Florianópolis, no ano de 2018. Após dopa-la, foi acusado também de ter praticado relações sexuais enquanto Mariana estava sob o estado de vulnerabilidade sem qualquer capacidade de resistência.
No julgamento, o empresário foi absolvido, tendo o Ministério Público, após apresentação de denúncia, mudado sua posição no decorrer do processo, sob o argumento de não haver provas suficientes da materialidade do delito, e por consequência, que o empresário era inocente, assim, não caracterizando o crime de estupro, em afirmação ao princípio do “in dubio pro reo”, isto é, na dúvida julga-se a favor do réu.
Em contrapartida, a defesa se baseou na ocorrência do consentimento de Mariana Ferrer. Assim, se houvesse a caracterização do estupro, que fosse classificado na modalidade culposa, ou seja, sem qualquer intenção, popularmente conhecido como “estupro culposo”, expressão utilizada pela mídia nacional após conclusão das investigações, o que de fato não existe, visto que, o estupro somente acontece quando há intenção, ou seja, não havendo previsão na modalidade culposa.
Assim, como não há possibilidade da ocorrência do estupro culposo na legislação brasileiro, não seria possível a condenação ao suposto crime. Em conclusão, a defesa argumentou não ser possível provar a vulnerabilidade da vítima, pelo fato de os exames toxicológicos demonstrarem que Mariana não estava embriagada, nem ao menos sob influência de alguma outra substância.
Após contextualização breve do assunto, volta-se às alterações trazidas pela Lei Mariana Ferrer. Uma das alterações foi no Código Penal, no artigo 344, passando a vigorar o acréscimo do parágrafo único, onde de acordo com a nova redação, há o aumento de pena se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.
Outra alteração trazida foi no Código de Processo Penal, passando a vigorar os artigos 400-A e incisos e 474-A e incisos. Tais acréscimos tiveram como base o necessário cuidado com a integridade física e psicológica da vítima nos processos que envolvam os crimes contra a dignidade sexual, visto que, como ocorreu na audiência de instrução e julgamento do caso Mariana Ferrer, houve a suspeita do excesso por parte do advogado de defesa, bem como suposta omissão por parte do juiz.
Com relação às alterações trazidas na Lei nº 9.099, de setembro de 1995, se demonstra o acréscimo do §1º-A, artigo 81, explicitando que durante a audiência, todas as partes envolvidas no processo deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
Assim, a partir de um caso em específico se viu a necessidade da criação de uma lei que acrescentasse o cuidado com a vítima nos processos que envolvam assuntos relacionados à sua dignidade. Entretanto, essa não foi a primeira norma a tratar sobre o assunto, posto que, a lei nº 11.690 do ano de 2008, incluiu no Código de Processo Penal, no § 6, artigo 201, a proteção e garantia ao ofendido a preservação da sua intimidade, vida privada, honra e imagem, sendo considerada por alguns legisladores até mais objetiva que as previsões trazidas na Lei Mariana Ferrer.
Samuel Lourenço Kao Yien, associado de Carlos de Souza Advogados, atua na área de Direito Criminal.
Foto: Folha Vitória