De acordo com a lei vigente no país, especificamente o Estatuto da Criança e do Adolescente o Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos e ainda determina que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
A Anvisa, recentemente, liberou o uso de vacinas contra a Covid19 para crianças e adolescentes, e ato contínuo o SUS disponibilizou as vacinas, incluindo-as no Plano Nacional de Imunização (PNI), sem, contudo, estabelecer expressamente qualquer obrigatoriedade e/ou recomendação que determine a imunização de tal grupo, razão pela qual é possível nos depararmos com debates e ainda litígios envolvendo os pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes a respeito da decisão quanto à efetiva vacinação.
O fato é que pode ocorrer discordância entre os pais, ou responsáveis, que compartilham as decisões a respeito de diversos aspectos da vida dos filhos comuns, e quanto à decisão de imunização contra a Covid19 não tem sido diferente.
Como proceder quando esse tipo de conflito é constatado?
Verificada a divergência a respeito da decisão, cumpre aos pais/responsáveis que compartilham a guarda (em caso de divórcio) e as decisões a respeito da vida das crianças e adolescentes, e não havendo acordo amigável, recorrer ao Poder Judiciário a fim de que um juiz decida, com base em aferição técnica – que pode ser por perícia médica, laudos pediátricos e artigos científicos, enfim, todo o arcabouço que auxilie a análise do caso específico pelo magistrado- quanto à vacinação da criança/adolescente no caso concreto. A mesma sistemática se aplica para as famílias que abrigam e têm a guarda comum da criança, quando não há divórcio, embora seja algum incomum.
Vale lembrar que, em recente decisão proferida por magistrado de uma das varas de infância e juventude do estado de São Paulo, foi citado o Enunciado 26 do Fórum Nacional de Justiça Protetiva (estabelece que os pais podem responder por infração administrativa nos termos do ECA caso decidam não vacinar os filhos), bem como recente decisão do STF, que pontuou que “o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos (CF/1988, arts. 196, 227 e 229) (melhor interesse da criança)”, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
Diante do exposto, e sem fixar aqui qualquer tese ou argumento técnico científico a respeito da controvérsia, mas somente se atendo à abordagem jurídica desse conflito familiar, recomenda-se que na hipótese de ser estabelecido tal dissenso entre os pais seja esta questão, caso não haja solução amigável, conduzida à apreciação do Poder Judiciário.
Chrisciana Oliveira Mello, sócia de Carlos de Souza Advogados, aluna especial do curso de mestrado em Processo Civil da Universidade Federal do Espírito Santo.
Foto: Agência Brasil