Imaginemos a situação em que “Ricardo” (promitente-comprador) firma uma promessa de compra e venda de um lote (sem qualquer edificação), junto à empresa “X”.
“Ricardo” obrigou-se ao pagamento do valor, parcelado em 60 meses.
Ao término do contrato, “Ricardo” construiria a casa de seus sonhos.
Ocorre que, depois de 1 ano pagando as parcelas, “Ricardo” perdeu sua única fonte de renda e como não mais iria conseguir pagar as prestações, decidiu desfazer o negócio e pedir a restituição dos valores que havia pagado. Pergunta-se: é possível que a empresa “X” cobre taxa de ocupação do imóvel?
Sem dúvidas, inúmeras pessoas passaram por situação similar, especialmente durante a pandemia de COVID-19, que afetou e ainda tem afetado diretamente as relações jurídicas estabelecidas, afinal, vimos milhares de pessoas perderem seus postos de trabalho e terem de adiar momentaneamente o sonho da casa própria.
Antes de respondermos à indagação feita acima, é importante destacarmos que o desfazimento do negócio jurídico da compra e venda de imóvel, especialmente na hipótese de sua resilição pelo comprador, obriga que as partes retornem ao estado anterior à celebração do contrato, com a devolução do bem ao promitente-vendedor e a restituição das parcelas pagas ao promitente-comprador (com a retenção de um percentual estabelecido no contrato em favor do vendedor).
Dito isto, nos contratos de compra e venda de imóveis residenciais, em caso de rescisão do contrato e o retorno à situação originária, caso o comprador utilize o bem para sua moradia, deverá apresentar contraprestação mediante o pagamento de aluguéis ao vendedor pelo tempo de permanência no imóvel.
Ou seja, se o imóvel adquirido por “Ricardo” estivesse edificado e nele residindo “Ricardo” e seus familiares, neste caso, ante a manifestação de desistência da compra do imóvel, seria devido o pagamento de aluguel ao vendedor (como taxa de ocupação), sem prejuízo da cobrança de uma multa pelo desfazimento do negócio. Isso porque a não cobrança da taxa de ocupação ocasionaria um aproveitamento de “Ricardo” às custas da empresa “X” (enriquecimento ilícito).
Contudo, na hipótese narrada acima, o terreno não está edificado, sem construção alguma, de modo que não existe a possibilidade de “Ricardo” estar residindo no imóvel com sua família. Ou seja, nem “Ricardo” usufruiu do imóvel tampouco a empresa “X” auferiria proveito com a cessão de seu uso e posse. Neste caso, não seria possível a cobrança de taxa de ocupação por parte da empresa “X”, visto que não houve a utilização do imóvel no intervalo de tempo em que “Ricardo” efetuou o pagamento das parcelas.
O caso retratado foi submetido à apreciação do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.936.470-SP), que entendeu que na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel residencial não edificado, o comprador não pode ser condenado ao pagamento de taxa de ocupação.
Por fim, diante do desfazimento de negócios como o narrado nesta oportunidade, devem as partes colaborar e negociar o encerramento contratual justo e adequado, evitando-se discussões judicias intermináveis e custosas.
David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.
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