O devedor que busca a tutela do Estado para tentar se soerguer, reúne todos os seus débitos, que são, na verdade, créditos de terceiro, seus credores, e os apresenta no pedido de recuperação judicial. A ideia central de trazer esses créditos para a recuperação judicial, é pagá-los organizadamente dentro do plano que será apresentado, bem como, consequentemente, evitar os riscos de serem executados em paralelo e com potencial de derruir o patrimônio que ainda restou.
Naturalmente, o empresário/empresa, seja ele pequeno, médio ou grande, detendo débitos decorrentes de determinados contratos, como o da fiança bancária, vai almejar levá-lo também à recuperação judicial, e não haveria nada de errado com isso, pois está agindo dentro do seu legítimo interesse, através de uma possível interpretação da Lei nº 11.101/2005.
A propósito, para tornar o texto mais didático, entende-se como fiança bancária o crédito que as instituições bancárias/financeiras, na condição de fiadores, passam a ostentar em relação a alguém, o afiançado, daí a alcunha bastante difundida no dia a dia de que o fiador é o “garantidor” do afiançado. A fiança bancária é modalidade ordinária de contratação.
Todavia, movimentação decisória recente e cada vez mais presente na Justiça brasileira, tem demonstrado que é necessário maior atenção sobre a matéria, porque nem sempre o crédito da fiança bancária poderá ser pago dentro do processo de recuperação judicial como crédito concursal, hipótese que será autorizada sua execução pelas vias normais, por ser crédito extraconcursal.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, em 2020, no julgamento do Recurso Especial nº 1.860.368, proveniente do Estado de São Paulo, através do voto da ministra relatora, Dra. Nancy Andrighi, disse que os créditos passíveis de serem levados à recuperação judicial são todos aqueles devidamente liquidados existentes até a data do correspondente pedido feito no guichê da Justiça, não entrando aí o que decorrer da fiança bancária apenas porque a sua contratação seria anterior a este pedido.
A explicação dada pela eminente Julgadora e seguida à unanimidade pelos demais ministros da Terceira Turma daquele Tribunal, na linha do artigo 49 da Lei nº 11.101/2005, é o de que nos contratos de fiança, o fiador somente se torna credor do afiançado se e quando vier a promover o pagamento de dívida não honrada, sendo o pagamento, pois, o marco temporal que vai determinar se esta modalidade de crédito entrará ou não nas recuperações judiciais.
Tal entendimento foi seguido no processo de nº 0243089-52.2021.8.19.0001, por intermédio de decisão proferida pela Juíza titular da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Dra. Maria Cristina de Brito Lima, circunstância que evidencia que a classe empresarial deve estar atenta com este tipo de contratação.
Raphael Wilson Loureiro Stein é Associado do Escritório desde abril de 2019 e atua nas áreas: Contencioso Civil, Comercial e Recuperação de Empresas e Falência.
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