REPERCUSSÕES DA DOAÇÃO DE BEM (NS) INOFICIOSA

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (art. 538 do CC). A partir daí algumas dúvidas surgem sobre este tipo de contrato: qual o limite da disposição de meu patrimônio, ou, em outras palavras, o que e quanto eu posso doar?

Pois bem, de acordo com o Código Civil (artigos 548 e 549), é nula a doação de todos os bens sem reserva de parcela necessária à sobrevivência de quem doa (também chamada de doação universal), bem como é nula quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (doação inoficiosa).

Noutras palavras, não se pode dispor da integralidade dos bens para fins de doação, visando não comprometer a sobrevivência do doador, e, também, não se pode dispor dos bens de modo a violar a legítima dos herdeiros necessários.

A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro (a), conforme disposto no artigo 1.845 e entendimento adotado pelo STF na Repercussão Geral – Tema 809).

E se um herdeiro necessário for contemplado com um bem imóvel que extrapola o limite de disposição patrimonial? A título de exemplo, André e Joana são irmãos, filhos de João que possui um patrimônio de R$ 100.000,00. João resolve doar um imóvel avaliado em R$ 70.000,00 para Joana, sendo que André participou da elaboração da escritura de doação na condição de interveniente.

Neste caso, a doação foi inoficiosa, visto que atingiu a parte indisponível do patrimônio do doador, ferindo a legítima de André. Portanto, é nula a doação, mesmo que André tenha anuído. Qual a ferramenta jurídica que André poderá utilizar, posteriormente, para declarar a nulidade da doação que prejudicou a sua legítima? André poderá se valer da ação anulatória de doação inoficiosa, devendo exercer seu direito de ação no prazo prescricional de 10 (dez) anos.

Por outro lado, se João doa para Joana um bem no valor de R$ 10.000,00, portanto, respeitando a legítima de André, nesta hipótese teríamos uma antecipação de herança, salvo se João dissesse o contrário no instrumento de doação (vide artigo 2.006 do Código Civil).

De qualquer modo, em havendo o falecimento de João, aberta será a sucessão e os bens que formam o acervo patrimonial do falecido deverão ser objeto de inventário. Nesta oportunidade, o(s) bem(ns) recebido(s) em doação por um do(s) herdeiro(s) legítimo(s) deverá ser colacionado para igualar as legítimas, de modo que “um não receba mais que o outro”.

E se a doação for inoficiosa e André não tiver exercido seu direito de ação no prazo legal? Aqui, a parte inoficiosa não será objeto da colação, mas de restituição ao patrimônio do doador falecido, pois houve nulidade nesta parte da liberalidade (art. 549 CC), que faz retornar o excesso ilegal ao patrimônio do então doador.

Portanto, vimos em poucas linhas que são inúmeras as repercussões da doação de bens, que devem atender às formalidades previstas em lei, sob pena de invalidar o negócio jurídico. Nestes casos, é fundamental a orientação e participação de um advogado especialista não apenas para a elaboração do instrumento de doação, como também de um planejamento sucessório, importantíssimo instrumento preventivo que se utiliza de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio.

David Roque Dias, associado de Carlos de Souza Advogados, especializado em Direito Civil, Contratos e Assuntos Societários.

Foto: Pixabay

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