BOLSONARO X STF – CASO DANIEL SILVEIRA

Acredito que quase todas as pessoas concordam que o deputado Daniel Silveira se excedeu nas palavras proferidas contra ministros do Supremo Tribunal Federal. De fato, ele falou muito mais do que se espera de um parlamentar. Contudo, exatamente por ser um parlamentar, a eventual punição do deputado deveria ficar restrita à Câmara dos Deputados, já que ele tem imunidade por suas expressões e palavras enquanto parlamentar. Este aspecto foi muito bem sustentado pelo ministro Nunes Marques, o único que absolveu o deputado. Filio-me a este entendimento e considero, sob a ótica constitucional, injusta a condenação do deputado.

Justa ou injusta, a condenação deveria prevalecer? Sim, obviamente. Decisão judicial é para ser cumprida, sendo um dos pilares mais importantes do estado democrático de direito. Porém, poucas horas depois de o STF ter condenado Daniel Silveira a quase nove anos de prisão, o presidente Jair Bolsonaro expediu um decreto concedendo indulto individual ao deputado, também chamado de “graça”.

O ato do presidente está fundamentado na Constituição Federal: artigo 84 – Compete privativamente ao Presidente da República: XII – conceder indulto (…). Portanto, não há que se falar que o presidente inventou alguma coisa da cabeça dele visando livrar o amigo da cadeia.

Não seria absurdo o Presidente da República ter um poder absoluto tão grande a ponto de extinguir a punibilidade de um condenado? É um tema a ser refletido, sem dúvidas, mas o fato é que o nosso ordenamento constitucional traz essa possibilidade de indulto e assim tem ocorrido desde 1988. Mais: o indulto não é exclusividade do Brasil. Muitos países mundo afora adotam essa prática como sendo uma tradição do direito criminal, uma chance de um condenado ser perdoado pelo governante maior.

No caso brasileiro, a Constituição foi criteriosa ao excluir certos crimes da possibilidade de receberem uma graça: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (artigo 5º, XLIII).

Como o crime ao qual Daniel Silveira foi condenado não guarda nenhuma relação com aqueles insuscetíveis do recebimento da graça, é totalmente permitido o benefício. Apesar de muitos alegarem que teria sido imoral o decreto presidencial pelo fato de o presidente Bolsonaro ser aliado de Daniel Silveira, a questão é que a Constituição não traz nenhum limite ao poder desse tipo de perdão criminal, o qual se traduz num ato discricionário e ilimitado do mandatário maior, desde que, claro, sejam observados os trâmites formais para a concessão da graça.

A graça presidencial tem, para muitos juristas, base histórica em um preceito bíblico muito valioso para os cristãos: a graça de Deus em favor do pecador, ao enviar Jesus para morrer na cruz e trazer o perdão dos pecados e a salvação da alma. Segundo essa linha de entendimento, a previsão da graça como norma nos países democráticos remonta ao ato divino de perdão para o homem.

Pode o STF revogar o decreto presidencial? Se for seguida a norma constitucional, não. Recentemente, o próprio STF julgou questões semelhantes e, apesar de os casos terem se tratado de indultos coletivos, foi reforçado o total poder absolutório do Presidente da República em condenações criminais. Posto isto, ressalto que a palavra final sempre é do Judiciário e, por mais (outro) absurdo que seja, não será inesperado se o STF julgar irregular o decreto presidencial que extinguiu a punibilidade do deputado.

A condenação de Daniel Silveira envolveu quase nove anos de prisão, multa e perda do mandato. Há uma discussão muito forte sobre se a graça presidencial abrange a perda do mandato. Sou da corrente que entende que sim, ou seja, que o mandato do deputado deve permanecer e ele ser elegível caso concorra neste ano, uma vez que a graça concedida foi plena. A graça extingue a punibilidade (art. 107, II do Código Penal), o que significa que o Estado perde a sua pretensão punitiva e que não há mais a possibilidade de se impor nenhuma pena ou sanção ao condenado.

Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.

Foto: Folha Vitória

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