O tipo penal de omissão de socorro é um dos mais claros exemplos da lógica que está por trás da convivência em sociedade. Numa sociedade, uns precisam cuidar dos outros. Essa é a mecânica que dá sentido à existência de tribos, comunidades e cidades. Se não fosse essa ideia de cuidado mútuo que caminhou para sociedade e Estado, cada um poderia viver por si próprio da forma que bem entendesse.
Não é por outra razão que temos leis, direitos e deveres. Numa sociedade organizada e estado democrático de direito, como o Brasil é, a não observância de uma norma gera penalidades. Da mesma forma, mesmo que não tenha a devida consciência disto, todos cuidam uns dos outros, sem exceção. Como assim? Vamos a um exemplo: o pagamento de impostos. Uma compra é feita num supermercado; sobre o valor pago um imposto é recolhido; aquele imposto vai cuidar da saúde, educação e segurança de outras pessoas indeterminadas. Podemos até não saber de quem estamos cuidando indiretamente, mas o cuidado mútuo está presente um tudo na sociedade.
É exatamente a reciprocidade assistencial que justifica a existência do crime de omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal: deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.
É claríssima a norma legal ao obrigar a prestação de socorro ou, no mínimo, pedir o socorro a uma autoridade pública, seja o SAMU ou a polícia. Felizmente o brasileiro em sua grande maioria é solidário e dado a socorrer o próximo, mas lamentavelmente há exceções.
Pior do que a omissão de socorro em si é quando ela é praticada por um profissional que existe exatamente para atender à necessidade que a pessoa apresenta naquele exato momento, como o caso de recusa ou retardamento inaceitável de prestar atendimento em ambiente hospitalar.
Não importa se o hospital é público ou privado. Quando alguém bate à porta em uma situação de aparente emergência de saúde, precisará ser prontamente atendido, mais ainda se o paciente chegar de ambulância e os paramédicos relatarem situação que não pode estar sujeita a esperar acima do que o necessário para levar o paciente à presença de um médico.
Apesar de a pena criminal ser baixa e não levar ninguém à cadeia, já que não passa de seis meses e pode chegar no máximo a dez meses se causar a morte, as sanções pela omissão de socorro podem invadir a esfera civil e gerar o direito a indenizações por danos materiais e morais, entre outros.
Um julgamento do Tribunal de Minas Gerais ilustra circunstâncias e penalidades de omissão de socorro: “Se a prova dos autos nos dá conta de demora no atendimento médico, em quadro que indicava gravidade, vindo o marido da vítima a falecer, não há dúvida alguma da responsabilidade do Município pelos danos materiais e morais experimentados pela requerente, inexistindo hipótese de afastamento, ou causas de justificação”.
Importante pontuar que não basta haver a aparente omissão de socorro como causa de dano físico parcial e morte, quando esta acontecer. É preciso que a vítima ou sua família prove que a recusa ou demora no atendimento tenha causado o resultado maléfico. Essa prova pode ser feita por diversas formas, incluindo o depoimento de pessoas que tiverem presenciado o ocorrido, especialmente paramédicos da ambulância, quando for o caso, mas sem dúvidas uma prova pericial realizada por um médico designado pela Justiça será fundamental para estabelecer a conexão entre o mal atendimento e a tragédia.
Sérgio Carlos de Souza, fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.
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